Valterlucio B. Campelo
Tive acesso recentemente e li, confesso que sem a acuidade de um analista financeiro, o “Projeto de Viabilidade Econômica e Financeira da Zona de Processamento de Exportação – PVEF/ZPE” elaborado recentemente. Em um documento de mais de 160 páginas, o coordenador da equipe de elaboração, o Engenheiro Florestal Mário Humberto Aravena Acuña, que entre outros títulos possui o de Doutor em Biodiversidade e Biotecnologia da Amazônia, conclui e declara enfaticamente que dado o contexto atual em termos políticos, ambientais e administrativos “o investimento público realizado e por realizar na ZPE é viável econômica e financeiramente”.
Partindo de algumas premissas de ordem financeira e de seis grupos de potencialidades identificadas no que chama de DNA do Acre, ou seja, produtos para os quais nosso território está vocacionado, o PVEF faz uma série de simulações que, dependendo da intensidade e ritmo de implantação e operação das empresas sugerem alcançar uma “renda total líquida das empresas exportadoras a partir de 2019 com valor estimado para aumento anual de 10% da renda desejada, apresentando uma taxa interna de retorno (TIR) de 39% ao ano e um valor presente líquido (VPL) positivo de R$ 8,8 bilhões em um período de tempo de 53 anos contados desde o início do investimento público no ano de 2010”. O ponto de equilibro financeiro (PEF) foi estimado para o ano de 2021 e os efeitos correspondentes na geração de empregos diretos variam entre 235 e 7.705. É muita coisa.
A pergunta que se impõe imediatamente após a leitura do estudo é: Sendo assim, como se justifica que a ZPE não tenha avançado além dos bem sucedidos trâmites burocráticos? Se, como é fato, o governo estadual empregou no projeto ZPE esforços políticos, institucionais e financeiros de alta monta, que fatores determinaram sua paralisia? Cabe aí, como sinaliza o próprio Diretor-Presidente da AZPE/AC, Eng.º Sebastião Fonseca, um novo estudo.
Antecipemos algumas reflexões. É comum atribuir os fracassos na implantação de projetos desse tipo, a certas contingências políticas e econômicas, mas a maioria dos planos de investimento são abandonados basicamente porque se frustraram ou se alteraram fortemente as expectativas de mercado, a oferta de insumos ou a política monetária. Fora disso, é erro de concepção, de planejamento e de gestão.
Tentei ver entre as fraquezas e ameaças identificadas pela equipe em sua análise tipo SWOT, sinais que fizessem vislumbrar as causas da interrupção/abandono da ZPE por governos que, afinal, são seus autores e, portanto, grandes interessados em seu êxito. Não encontrei. A lista de fraquezas (baixa qualificação da força de trabalho, efeito negativo(!?) do Plano Estadual de Desenvolvimento, distorção no fomento à cadeia produtiva, logística deficiente) e de ameaças (nível de tradição produtiva, conflito de interesses políticos, nível de conhecimento no mercado, baixa produtividade dos processos produtivos) apresentada no estudo não parecem constituir impeditivo absoluto, do contrário, não se avalizaria tecnicamente o empreendimento. São, portanto, administráveis. É como dizer que este projeto, especificamente, tem tudo pra dar certo. Então, por que não deu?
Voltemos ao geral. Mudou o mercado? Não se pode crer. Dados os produtos tecnicamente viáveis, não há fator que tenha, por efeito substituição ou excesso de oferta, diminuído o preço a ponto de inviabilizá-los. Faltaram os insumos? É difícil dizer sem conhecer com exatidão em que medida estavam estimados, mas, de todo modo, a economia do Estado do Acre mantém-se praticamente inalterada em quase todos seus itens, o que desautoriza essa conjectura. E a política monetária? Essa mudou sim, mas a favor, pois no período houve sensível apreciação do dólar.
Vejamos, então, os erros clássicos de concepção, de planejamento e de gestão. De consulta ao noticiário eletrônico da época, vemos algumas declarações bem interessantes. “O presidente Lula ficou muito feliz em ver o sonho de Chico Mendes realizado”, exaltou o governador da época no dia em que o próprio Presidente da República assinou a criação da ZPE. Não aposto que Chico Mendes soubesse o que é ou sonhasse com uma ZPE, mas fica assinalado que ela se inseria, em sua concepção, na perspectiva de sustentabilidade ambiental. Teriam, seus criadores, imaginado uma ZPE “verde”. Temos então, na raiz, um problema real. O DNA do Acre apurado no PVEF em referência não endossa essa perspectiva radicalmente verde.
E o Planejamento? Se compreendermos o planejamento como o exercício mental de organização a priori de recursos e meios no tempo e no espaço para o alcance de determinados objetivos, assentamos desde logo a necessidade de consistência entre ambos (recursos, meios e objetivos). No presente caso, é perguntar: Os recursos (base florestal) disponíveis são capazes de, com os meios possíveis (ações de governo e de empresas), determinar o alcance dos nossos objetivos (desenvolvimento social, ambiental e economicamente sustentável)? Alguém acreditou que sim, mas seguramente houve, no mínimo, descompasso entre o ritmo, diversidade e extensão da oferta de insumos/manufatura e a demanda efetiva.
E a gestão? Em termos bem simples, gestão é o fazimento das coisas. É operar o planejamento, é alcançar os objetivos traçados a partir dos meios disponíveis tendo como guia o plano. Com uma má concepção e objetivos inalcançáveis, não há gestão que funcione. Governo e empresas repensam, desanimam e paralisam.
A essa altura, o leitor pode estar pensando que o PVEF da ZPE-AC só pode ir adiante se for não for o “sonho de Chico Mendes”. Depende. Se tal sonho, propagado pos mortem milhões de vezes em discursos que vão da seringueira no Acre ao canudo de plástico na Champs-Élysées, foi conter o desenvolvimento do Acre na exploração exclusiva de bens florestais, parece certo que a ZPE não tem chance. Se, porém, o sonho de Chico Mendes foi a potencialização econômica da região, com mitigação das suas externalidades (sempre existirão) sobre o meio ambiente e inclusão das populações tradicionais em níveis mais elevados de renda, emprego e bem estar, há possibilidades de, com muito trabalho e ousadia, a ZPE se tornar um projeto viável.
Valterlucio B. Campelo é Eng.º Agrônomo, Mestre em Economia Rural.
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