Valterlucio B. Campelo
Como muitos outros membros do setor, tenho observado com atenção a feição do novo Governo em relação ao agro acreano, dado que nele se firma grande parte do discurso de impulso ao desenvolvimento econômico do Acre.
Ao aprovar a reforma administrativa, a Assembleia Legislativa do Acre – ALEAC, excluiu do rol de empresas a serem extintas ou fundidas etc., a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Acre – EMATER/AC, o que a recoloca administrativamente nos níveis de 1999, recuperando assim a sua integridade e status como responsável pelos serviços públicos de assistência técnica e extensão rural, vinculada à Secretaria de Estado de Produção Agropecuária – SEPA/AC. Ponto para o governo e os deputados. Para uma administração que pretende promover o agro a patamares importantes de participação no PIB, atraindo o agronegócio e modernizando a agricultura de modo geral, seria desatino contraproducente esmagar a EMATER ou conter a ATER em departamentos e iniciativas amadoras e esporádicas.
É bem verdade que durante toda a sua existência, e lá se vão 50 anos, a EMATER-AC, assim como as demais espalhadas no Brasil, teve um tipo de gestão baseada nos esforços. Explico. Uma gestão baseada em esforços tem em vista a realização de determinadas tarefas (esforços), empregando determinados meios, com o mínimo dispêndio financeiro, visando com isso alcançar máxima eficiência.
É bom, mas, modernamente, é pouco. A sociedade passou a exigir resultados, quer saber se os impostos que ela paga oferecem de volta, ao cabo do processo de governança, os resultados prometidos.
É preciso, sempre, perguntar se vale a pena custear determinado serviço, o que implica conhecer indicadores que comprovem a eficiência e eficácia – requisitos, aliás, constantes da Constituição Federal (Art., 37 e 74). Some-se a isto o conceito de efetividade, este relacionado ao impacto social que procura identificar os efeitos produzidos por determinado programa ou ação sobre uma população-alvo, o que em última instância significa o interesse público.
A sociedade demanda cada vez mais um Estado eficiente, efetivo e eficaz, que crie condições para o desenvolvimento socioeconômico, ofereça mais equidade e busque maior sustentabilidade. Essa tendência exerce uma crescente pressão sobre os governos e organizações em todo o mundo, para que sejam sensíveis às demandas das partes interessadas (internas ou externas) na boa governança, na responsabilização das suas ações, na transparência do que está sendo realizado e, acima de tudo, na entrega de resultados que sejam percebidos e gerem mais impactos dentro de um contexto globalizado e participativo. Os serviços de ATER não fogem a esse novo paradigma.
Definida como “um processo educativo de natureza não formal, de caráter continuado, no meio rural, que promove processos de gestão, produção, beneficiamento e comercialização das atividades e dos serviços agropecuários e não agropecuários, inclusive das atividades agroextrativistas, florestais e artesanais”. (Lei 12.188/10), a ATER não pode ser oferecida sem um sólido planejamento e a participação de extensionista rurais experientes. Os escaninhos e o Google não oferecem modelo pret a porter de ATER. Menos ainda em uma situação de reconhecida baixa modernidade da agricultura.
Em sua descrição oficial, a Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural – PNATER institui uma NOVA ATER, cujos princípios e diretrizes (MDA – Pnater, 2007) a declaram contemporânea, inclusiva, democrática e participativa, o que representa uma atualização política fundamental e uma ruptura definitiva com o modelo vigente no século passado.
Observando a realidade local, temos atualmente uma Empresa de ATER a ser regenerada, ou, se preferirem, reinstitucionalizada, cujo processo apenas se inicia com a aprovação da reforma administrativa nesta terça-feira. Entre a intenção e o gesto há muito ainda a ser feito no campo da política. Os governantes precisam entender e priorizar a modernização agrícola como promotora de níveis de produtividade e diversidade e, com isto, de geração de riqueza e mudança do cenário de pobreza no campo verificado nos dados oficiais.
Dirigentes e autoridades precisam dedicar um parte de seu tempo apensar a agricultura familiar em uma perspectiva que contemple a sua verdadeira natureza e o papel que exerce no desenvolvimento do Acre. É como olhar o tabuleiro (o projeto de desenvolvimento) e verificar aonde esta peça se encaixa, com quais setores ela estabelece sinergia, que área ela influencia e que respostas pode oferecer à funcionalidade do tabuleiro. Subjacentemente ao tabuleiro e não somente à ATER, estabelecer mecanismos de medição de seus resultados e desempenho. Isto é possível.
Por outro lado, é necessário reconhecer a ATER como um bem público. O grande estudioso das questões nacionais relativas ao desenvolvimento rural, Francisco Caporal, se refere a isto em seu livro “Extensão Rural e Agroecologia”, publicado pela EMBRAPA. Segundo ele “especialmente em realidades como a nossa, e sempre que se tratar de ter como beneficiária a agricultura familiar, sua oferta (de ATER) pública e gratuita passa a ser uma obrigação do Estado”.
Em relação aos serviços privados de assistência técnica, Caporal é enfático. “Estas empresas, como é lógico, cobram por seus serviços e, normalmente, elegem como clientes preferenciais os maiores agricultores, ou os agricultores mais capitalizados, em geral, empresários agrícolas, pois são estes os que podem remunerar adequadamente os profissionais da iniciativa privada”.
Estamos, portanto em um momento ímpar. Há uma nova ATER institucionalizada a nível nacional, uma EMATER-AC sendo formalmente reinstituída, uma enorme carência de ATER pública na agricultura familiar, um compromisso político de modernização da agricultura e um enorme desafio.
Valterlucio B. Campelo é Engº Agrº, Mestre em Economia Rural. Escreve todas às sextas-feiras em ac24horas.
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