Era uma vez, por volta dos meados de 1993, a reserva florestal da fazenda do meu sogro foi invadida e tive que intermediar as ações para reintegração da posse.
Localizada um pouco adiante da Colônia Souza Araújo, com frente para a BR-364 e os fundos quase que chegando às barrancas do Rio Acre, a propriedade é cercada por bairros com predomínio de famílias que se fixaram alí pela proximidade do hospital para hansenianos: Santa Cecília, Albert Sampaio e Belo Jardim.
Na época, quem governava o Acre era Romildo Magalhães e, antes de qualquer outra providência, liguei para seu chefe de gabinete, meu amigo pessoal Emílio Assmar, o informei do ocorrido e pedi, encarecidamente, que o governo estadual não se metesse no caso.
A notícia que recebemos foi de que um grupo havia entrado pela lateral da propriedade, cruzando o Igarapé Forquilha e iniciado a retirada da vegetação mais baixa, brocando, no vocabulário local, a mata fechada.
Enquanto denunciava o desmate aos órgãos ambientais e registrava a queixa da invasão na polícia, meu sogro contratava o suporte jurídico. Escolheu um advogado recém aposentado como desembargador, o professor Jorge Araken Farias da Silva.
Em nosso primeiro encontro, em seu escritório no conjunto Tucumã, expus o que tinha, ele fez algumas ponderações sobre termos que provar, além da documentação de propriedade, que havia uma invasão iniciada a menos de um ano e um dia: “vá lá e tire fotografias, registre nomes e traga tudo para começarmos o trabalho”.
O dia seguinte, iniciei pela redação do O Rio Branco onde convenci a novata Vânia Pinheiro a me acompanhar mata adentro para documentar a ocupação. Enfim, aquilo sim era notícia. Também consegui um guia que conhecia melhor o local. Havia muita gente alí, mas não foi difícil reconhecer quem eram líderes e os que eram somente massa de manobra. As fotos ficaram muito boas, modéstia a parte, porém todos se apresentavam como Raimundo, ainda que, alguns dias depois fossem rebatizados como Brás, Macarrão, João de Deus…
Vânia fez uma matéria de duas páginas, que ocupava o miolo do jornal com a foto enorme de um barraco coberto de palha no meio da floresta. Relatou sobre a pobreza das pessoas e de crianças de colo se alimentando somente de açaí com farinha e sem açúcar. Entrevistou alguns Raimundos, com direito a foto na publicação.
Era quase tudo o que o professor precisava. Como eu já tinha um computador com processador de texto e uma impressora matricial e ele ainda não havia contratado alguém que datilografasse seus manuscritos, no início das tardes eu ia ao escritório para pegar as fichas onde ele escrevia a lápis as petições, mostrava o que já havia digitado e recebia as correções.
Eu chegava alí pelas duas da tarde e íamos para o escritório biblioteca, repleto com uma enorme mesa central e estantes que misturavam uma grande quantidade de livros de legislação comentada, peças raras de direito internacional e muitas comendas e diplomas. As primeiras duas horas de cada encontro eram uma aula para a vida toda. Antes de tudo um filólogo, cada trecho da inicial era escrita apaixonadamente pelo professor, que me mostrava suas fontes de doutrina como se eu fosse um de seus alunos do curso de Direito.
A peça inicial discutia cada um dos aspectos que poderiam interessar ao juízo e suas alternativas no julgamento da causa. Terminava com o fecho que adotei nos requerimentos dali por diante: “Termos em que pede e espera deferimento”. Sem vírgulas nem mudança de linha.
Enquanto a juíza Cezarinete Angelim decidia sobre os pedidos, o professor Araken me instruía sobre o processo, que era muito além do caminho judicial. Assim, procurei o sindicato dos extrativistas – Sinpasa que dava suporte aos invasores, o movimento de reintegração dos hansenianos – Mohan, quando percebi que muitos moradores do entorno eram recrutados e o bispo Dom Moacir, que me fez ter uma conversa quase teológica com o padre Luigi Ceppi, ligado à Pastoral da Terra.
Meu principal argumento com eles era de que a terra que estavam invadindo, numa sequência e pela mesma organização que ocupou, e transformou em loteamentos ou chácaras de veraneio, o seringal Tucumã, adiante da Vila Acre, as terras por trás do antigo aeroporto, hoje bairros Sta. Inês e Areal e o Belo Jardim, no início da BR-364, cumpria sua função social permitindo o extrativismo da castanha e do açaí por uma enorme parcela da comunidade da vizinhança.
Também, enquanto corria o processo, entrei diversas vezes na mata, sempre com um jornalista ou um cinegrafista junto e conversei muito com os ocupantes. Acho que um dos motivos de todos saírem foi por terem enjoado da minha presença. E não voltaram mais nesses últimos vinte e cinco anos, postergando a preocupação do amigo Evandro Ferreira (https://bit.ly/2WVxGBk) sobre a preservação do maior buritizal de Rio Branco.
Sobre a invasão da fazenda Liberdade eu teria um livro inteiro de causos para contar. Mas, certamente, os melhores momentos e meu legado de tudo são a convivência e a amizade com o professor Jorge Araken Farias da Silva.
Roberto Feres escreve às terças-feiras no ac24horas.
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