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Estadista?

Por
João Correia

“Eu sempre gostei muito de dizer tudo o que me vem à boca “. (Erasmo de Roterdam, Elogio da Loucura ).


Dia 11 de maio próximo passado, o Governador Gladson Cameli prestou uma entrevista à jornalista Thais Farias, do site ac24horas, que parece ter sido exclusiva. A suposição de exclusividade decorre do fato de que se fôra coletiva certamente teria repercutido na pena de algum outro jornalista, o que, parece, não ocorreu; há de se pensar, pela gravidade das decisões tomadas e das leituras da realidade feitas por Sua Excelência.


Na referida entrevista, o Senhor Governador, precavendo- se de comentários desairosos, comunica que “ de agora até o mês de julho vai ‘ viver ‘ fazendo ponte aérea entre o Acre e Brasília “. (…) “ Até julho vou passar poucos dias no Acre. Vou passar mais tempo em Brasília porque não quero deixar ‘ passar ‘ os recursos garantidos “, disse. E fez uma confissão bem expressiva: “ Enquanto não sair a Reforma da Previdência, vou estar constantemente fazendo essa ponte aérea para que eu possa governar “. E aduz, adentrando um tema recorrente em suas últimas falas: “se a Reforma da Previdência não ocorrer, o Acre irá decretar estado de calamidade financeira”.


Sua Excelência, o Governador Gladson Cameli, parece estar muito impressionado com a perspectiva de panaceia que pode decorrer da aprovação da PEC da Previdência, tanto que vaticinou para a jornalista Thais Farias: “ A Reforma vai aquecer nossa economia. O pacto federativo vai dar sustentação para o estado e aos municípios ( sic ) “. No entanto, incontido, com a magia ao alcance da voz, e o brilho da varinha de condão nos olhos, não deixou por menos e pespegou a profecia: “ o país vai dormir de um jeito e acordar de outro, com condições de virar uma Europa “. Por certo, referiu-se à Europa desenvolvida, da União Europeia, do Velho Mundo, berço da Civilização Ocidental.


O que pode-se dizer acerca da visão um tanto cor-de-rosa e utópica do Governador Gladson Cameli


a) de que a apresentação da Reforma da Previdência à Câmara Federal é o principal acerto consistente do destrambelhado Governo de Jair Bolsonaro. A recusa ou o desprezo, no entanto, de organizar uma interlocução política competente na Câmara Federal consumiu dias e meses preciosíssimos que testemunharam o bloqueio da economia do Brasil;


b) de que as expectativas iniciais de crescimento econômico (2,5% em janeiro) foram paulatinamente revisadas para baixo e hoje estão na casa de 1,1%. O primeiro trimestre do ano apresentou crescimento negativo (- 0,68 em relação ao trimestre anterior) e, pior, corre-se o risco do crescimento econômico do segundo trimestre também ser negativo, o que atiraria a economia brasileira tecnicamente em recessão;


c) poucas são as indicações realistas da Reforma da Previdência ser votada e aprovada até o mês de julho do ano corrente. A inexperiência atrapalhada dos corifeus governamentais na Câmara Federal, os movimentos poderosos das corporações, perdedoras de privilégios com a proposta, os movimentos obstrutivos, procrastinatórios e legítimos -regimentalmente falando – dos parlamentares de oposição, e a satanização da política e dos políticos em curso entronizada pelo lavajatismo podem levar a decisão sobre a Reforma da Previdência para o trimestre final do ano. É conveniente lembrar, também, a necessidade da votação em dois turnos em ambas as Casas Legislativas;


d) o impacto direto da Reforma da Previdência, “ lato sensu “, não pode dar-se na vibração de uma varinha de condão. Os agentes econômicos estão esgarçados, angustiados e desestimulados, especialmente os players. Não há milagre da multiplicação dos pães à vista, não. A retração nos investimentos (adiamento e cancelamento), o abusivo endividamento das famílias e empresas e a crise fiscal de norte a sul e de leste oeste dos Estados membros e da União não autorizam muito entusiasmo. A indústria da Construção Civil, normalmente talhada para gerar empregos rápidos, diretos e profusos em qualquer lugar do mundo, foi aniquilada pelo lavajatismo e pela severidade da recessão e o que tem a exibir são dezenas de milhares de obras paralisadas, carcomidas pela inclemência dos elementos da natureza, e quatorze milhões de desempregados no polo da angústia e do sofrimento dos brasileiros;


e) por conseguinte, o ano de 2019 poderá não ser alvissareiro para Estados da rabeira da economia brasileira, feito o Acre. As opções de política externa feitas pela Chancelaria do Governo Bolsonaro, de par com a desaceleração da economia mundial, também não autorizam muita euforia;


f) é de se suspeitar, por derradeiro, da demanda derivada que liga a aprovação da Reforma da Previdência no Brasil ao Acre. Provavelmente, o Governo Gladson Cameli tenha que munir-se de muita coragem, altivez e desprendimento para adaptá-la ao Instituto de Previdência do Acre. Se o fizer, Gladson Cameli terá sido um estadista.


g) a Reforma da Previdência é condição necessária, mas ainda insuficiente, para a retomada do crescimento no ciclo de conjuntura de nossa machucada economia. Quanto a tornar-se uma Europa, o charme do Morro do Marrosa bem que poderia ser apadrinhado pela elegância do Quartier Latin, da bela Paris.



João Correira é professor universitário e escreve em ac24horas todas às quinta-feiras.


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