Talvez seja somente encanação minha, porém tenho notado que vivemos um tempo de muitas ideias e poucas ações. Tantas coisas para arrumar que ficam sempre para amanhã ou esperando alguém que as faça por nós.
A frase título deste artigo é atribuída a Agostinho de Hipona (354 a 430), filósofo santificado pelos católicos. E, apesar dos séculos, continua atual.
Fui candidato a deputado na eleição passada e, na campanha, conversei com muita gente nas ruas e pelas redes sociais. Ouvi muito “precisamos de alguém que ponha ordem no Brasil”. Tentei entender o sentido disso.
Por ordem nas coisas sem saber exatamente o que isso significa me lembra da cena “o aprendiz de feiticeiro”, do filme Fantasia (Disney, 1940), onde o Mickey apronta a maior lambança ao tentar usar magia para fazer suas tarefas de limpeza.
Virou voz corrente que o Brasil precisa de uma reforma da previdência, desde que não mexa na minha aposentadoria. É necessária uma reforma tributária que reduza os impostos, mas que nenhum tribunal, ministério, estado ou município precise gastar menos. A segurança e a saúde estão o caos, mas as mudanças não podem tocar nas prerrogativas dos policiais nem dos médicos.
Da mesma forma vamos protelando todas as mudanças necessárias para “pormos ordem no país”. E continuamos a gastar mais do que o país arrecada em impostos, mesmo sabendo o quanto custa viver pendurado no cheque especial ou no cartão de crédito.
As estatísticas mostram índices alarmantes de violência; que nosso sistema criminal resolve uma quantidade ínfima dos delitos; que nossos estudantes, quando conseguem chegar ao ensino superior mal sabem as quatro operações matemáticas e não conseguem interpretar um texto básico; e que os serviços de saneamento não chegam eficientemente a um terço da população. Mas ter estatísticas não resolve essas mazelas.
A engenharia e o xadrez (o jogo) me ajudaram a enxergar as coisas como uma sequência de atividades desde o diagnóstico de um problema, passando pelo planejamento das etapas a serem desenvolvidas, até a realização do objetivo. Alguns chamam isso de processo.
E cada processo precisa de gente capacitada e tem seu tempo para acontecer: Primeiro a gente faz as fundações, depois levanta a casa e depois constrói o telhado. O concreto demora quatro semanas para atingir sua melhor resistência. A gestação de uma criança demora quarenta semanas e não adianta juntar nove mães para fazerem esse trabalho em um mês.
A varinha do Harry Potter que tenho pendurada com meus diplomas é só um enfeite, uma piada. Não imagino seriamente que um dia vou precisar dela. Fazer as coisas acontecerem exige alguma inspiração e muita transpiração. Foi um tal de Edson que disse isso, salvo melhor juízo.
Chegamos a um ponto em nosso país que não dá para esperar mais pelo cara que vai pôr as coisas em ordem enquanto discutimos se o nazismo foi de esquerda ou direita, ou se as crianças devem cantar hino em ordem unida uma vez por semana nas escolas, ou se o governo militar de 64 a 85 foi ou não uma ditadura, ou ainda quem será o próximo a sair do BBB.
O tal cara é cada um de nós. Quem não entender isso nunca vai entender porque o Brasil está perdendo a corrida do desenvolvimento ao mesmo tempo que consolidou suas instituições republicanas.
Me preocupa tanta gente esperando por um Messias com varinha de condão e tanto discurso nostálgico do autoritarismo. Por pior que pareça, a democracia ainda é a melhor forma de governarmos nosso destino (Churchill?). A história brasileira tem inúmeros exemplos de frustração dos que apostaram nos golpes contra ela.
Roberto Feres escreve às terças-feiras no ac24horas.
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