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Camaradagem Onerosa

Por
João Correia


O Governo Gladson Cameli tem sido parceiro de seu antecessor em diferentes aspectos. A prática o tem demonstrado à saciedade, neste exíguo tempo de existência. Talvez, de todos, o mais importante e evidente tenha sido a ordem que o governador eleito deu à sua base de sustentação na Aleac que aprovasse todas as contas da gestão do petista, sem questioná-las. Literalmente, na calada da noite ou no sereno da madrugada, as contas – todas, sem exceção de nenhuma – foram aprovadas sem um pio de discussão sequer, por estranha unanimidade. A imprensa não deu ao caso a atenção requerida pela gravidade do feito, por tamanha opacidade, e os populares deram de ombros para tema excessivamente complexo para dele darem conta.


O certo é que através de um “arcana imperii” ( segredo de poder ) Gladson Cameli deu um salvo-conduto a Tião Viana; um presente dos céus ou de um bom irmão e amigo – já é conhecido o apreço comovente que o jovem governador no poder dispensa aos amigos. Contudo, com o gesto, na prática, sua gestão renunciou a todas e quaisquer exposições e críticas concernentes ao espólio dos ativos da herança recebida. Rigorosamente, ninguém do Governo Gladson Cameli possui legitimidade ativa para cobrar da gestão de Tião Viana. Basta um seguidor vianista exibir as circunstâncias da aprovação unânime das contas pela Aleac para deitar por terra a veleidade presumida.


Esta decisão, todavia, elide a existência de herança incômoda e tóxica legada pelo Governo de Tião Viana a seu sucessor? Receia-se de que não. Não se elimina a realidade apenas apagando-se os contornos de uma fotografia, por exemplo, como fizeram os stalinistas do socialismo realmente existente ou, melhor dizendo, do socialismo realmente policial, na antiga União Soviética.


Os Governos de Tião Viana e Gladson Cameli possuem laços fortes, coincidem em muitos compromissos, mas têm, cada um deles, sua própria quota parte de singularidade, sua própria identidade. A simbiose entre ambos pode ser melhor explicada pela teoria dos conjuntos formulada pelo matemático russo, Georg Cantor. Em seu conceito de intercessão, há elementos comuns entre os dois governos sob comento, mas há, também, elementos que igualmente os diferenciam. Subsistirá algo mais ou menos assim: Governo Tião Viana (a, b, c, d, e, f ); Governo Gladson Cameli ( c, d, e, f, g, h ). Elementos de área comum: ( c, d, e, f ); áreas específicas: GTV (a b), GGC (g h). Isso acaba apontando para a expressão popular de amizade colorida, de casamento aberto, eivado de hormônios abrasadores e descontrolados.


Por conseguinte, é inútil dar-se curso à ideia tentadora, mas pueril, de que o atual governo não tem laços com o anterior; de que seus passivos não coincidem, não dialogam, não se comunicam; de que se começa tudo do zero, de que se escreve a partir de uma página em branco. Por isso, n’alguns meios, o Governo Gladson Cameli é tratado como um governo de transição para uma futura oposição; essa, sim, neste olhar utópico, um desvencilhar-se definitivo do ideário da Frente Popular do Acre, que insiste em sobreviver, ou seja, adia-se para um futuro distante e incerto as favas que se tinham por contadas, por líquidas e certas.


Bom, oráculo à parte, é de se dizer, no caso concreto, que os processos de diferenciação e contestação feitos pelo atual Governo a seu predecessor serão sempre parciais, meia boca, adjetivos, espumantes, cosméticos. Os mergulhos profundos à raiz das questões serão evitados para assegurar o desvio de rupturas indesejadas.


As dificuldades legadas não são apenas abstratas e metafisicas, mas são tangíveis, também; elas misturam pobreza, indicadores sócio-econômicos precários, economia murchada, com passivos reais e concretos e exigentes de honra imediata. Nestes últimos, encontram-se as dívidas com fornecedores, empresas terceirizadas, contratos não liquidados, além da parcela remanescente do décimo terceiro e das indenizações trabalhistas, dentre muitos e muitos outros. Essas são questões do mundo dos vivos, do pulsar do dia a dia, que afetam milhares de acreanos e que clamam por soluções que não podem esperar indefinidamente. Na há como ignorá-las e de pouco adianta fingir-se de que elas inexistem porque foram contraídas antes de primeiro de janeiro de 2019.


De resto, alguns dos passivos que o Governo Tião Viana ofereceu são relevantes para o viver de muitos e recomendam redobrada atenção. Por exemplo: proclama-se que a maior parte das empresas acreanas de construção civil está falida, por inadimplemento sistemático e bizarro do próprio Governo do Acre; de que a insolvência, dificuldades e a falência atingiram até empresas antes tidas como sólidas e há muito estabelecidas.


É conhecida mundo afora a vitalidade da construção civil para a geração rápida e imediata de empregos. Se isso dá-se algures, dá-se também aqui; dela dependem a sobrevivência de legiões de acreanos, hoje sofrendo o hálito pestilento do desemprego e da desesperança.


“ Quem casa com a viúva tem que levar junto os filhos “; esta frase é um ditado popular e foi recentemente proferida por Júlio Caçambeiro, sobre o governo Gladson Cameli. Júlio é líder dos caçambeiros e se notabilizou por tentar receber do Governo Tião Viana ao longo de vários anos uma dívida em torno de oito milhões de reais. A dívida foi contraída junto a centenas de caçambeiros e, desonrada, foi repassada ao governo atual. Chegou-se a esse lastimável patamar; caçambeiros não compõem a elite privilegiada da economia nem da sociedade do Acre. São criaturas simples, em muitos casos, carregadas de humildade. Nesse caso patético, os mais antigos talvez dissessem que o Governo Tião Viana “ teve coragem de mamar em onça. “ Forjou-se um ambiente desolador, com nuvens carregadas no horizonte.


O certo é que as economias alimentam-se das expectativas dos seus agentes; por seus atos, um quadro recessivo pode transformar-se num abrir e fechar de olhos em quadro de esperançosa euforia ou, inversamente, num quadro depressivo. O fato inolvidável é o de que as pessoas, as famílias reais, vão junto, formam a moldura desses quadros alternativos. E, desgraçadamente, não há virtude alguma no aumento da miséria das pessoas. Os planos sonhados são cancelados, aumentam as doenças, a infelicidade, a prostituição, o uso de drogas, a fome, a degradação individual, a desagregação familiar, a violência etc. Essas são suas resultantes, suas consequências inevitáveis. E é isso o que boa parte dos acreanos vive nesse início de 2019.


Por derradeiro, deve-se salientar que o desalento torna-se torrencial ao se verificar que o ambiente recessivo/depressivo da economia acreana afasta a classe player, de vanguarda, única capaz de mudá-lo, através do investimentos, que é a categoria dos homens de negócio. O comando passa a ser determinado exclusivamente pelo cálculo econômico empresarial, obediente a critérios estritos de objetividade. Quem se disporá a investir numa economia que cultiva a miséria e o pauperismo? Os que estão na lida adiam as decisões de investimentos e os que não vêem futuro para suas inversões cancelam-nas e vão cantar em outras freguesias mais promissoras.


João Correia escreve em ac24horas todas às quintas-feiras.


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