Infelizmente, não foi um cavalo marinho encantado. É comum naquela região os habitantes denominarem de “fera” todo animal que possa ameaçar e constituir um possível predador. Desde o início deste mês de março, uma situação atípica tem intrigado ribeirinhos e demais acreanos que assistiram ao vídeo gravado às margens do Rio Crôa, situado a 22 km de Cruzeiro do Sul.
As imagens foram amplamente divulgadas nessa terça-feira, 12, e acabaram gerando incontáveis especulações em torno da situação. O ac24horas entrevistou o biólogo e professor Rodrigo Marciente Teixeira, do Instituto Federal do Acre (Ifac) do campus de Cruzeiro do Sul, que explicou, cientificamente, o que pode ter movimentado as famosas águas do Rio Crôa.
A primeira constatação do profissional é que, realmente, o bicho que movimenta as águas não é daquela região. Outra verificação é a existência de um componente gasoso no referido movimento das águas. “No vídeo vemos uma borbulha esbranquiçada, que significa um gás saindo do fundo do rio. O que tentamos discutir agora é o que provocou a liberação desse gás”, afirma Teixeira.
Com isso, surgiram diferentes hipóteses. “Pode ter sido um peixe muito grande”. No entanto, o biólogo destaca que manancial se encontra num momento de subida e descida dos rios. “Então a movimentação de água com diferentes temperaturas pode mudar os padrões de circulação no fundo e fazer com que haja liberação do gás”.
Recentemente, houve um terremoto que atingiu levemente a região do Juruá. “Isso também pode ter um efeito de movimentação tardia no solo e liberar gases”. No momento, os profissionais discutem se o que apareceu ali foi um bicho, uma mudança de pressão na água ou se foi uma movimentação do solo, que acabou provocando a liberação de gases no Crôa.
Em determinado momento do vídeo, os ribeirinho contam, completamente assustados, que aquele bicho não seria dali. “Realmente não é da área, senão eles teriam conhecimento. Por outro lado, pode ter sido um movimento migratório, uma movimentação que encontrou o Crôa. Esse rio desagua no Rio Lagoina, que desagua no Juruá, abaixo de Guajará. Nesse caminho, há vários lagos que têm menor densidade populacional e que, consequentemente, abrigam animais que se deslocam em época de cheia”, explica o professor.
“Nesse momento está causando um espanto, mas pode ser que essa “fera” não seja tão perigosa assim, até porque se fosse teríamos indícios”, ressalta Teixeira. Ele afirma que a região é habitada por várias populações com ascendência indígena, o que coopera para despertar e reascender o imaginário de histórias que já foram contadas com o passar das gerações.
“De fato, trata-se sim de um animal. No entanto, não conseguimos definir que tipo de animal é”. Para o biólogo, não faz sentido fazer qualquer tipo de afirmação apenas observando as imagens, pois é preciso de mais evidencias. No entanto, ele garante que “de fato, existe um bicho ali. Os próprios ribeirinhos dizem que é uma “fera estranha”, o que corrobora com a hipótese de se tratar de um animal que chegou ali há pouco tempo”.
A aparição de um cardume de peixes no vídeo, segundo o professor, também é real. “Dá para observar eles saltam para fora da água. O que queremos entender agora é o que fez eles saltarem para fora da água. Entendemos que o que fez eles saltarem foi “aquilo” que estava saindo da margem do rio”.
Rodrigo destaca que, nesse sentido, pode ser, por exemplo, pirarucu (predador de peixes) que movimenta o fundo e acabaria toldaria a água, como também pode ser outro animal, como peixe-boi, que se movimenta no fundo do rio.
O biólogo conta que já assistiu ao vídeo várias vezes e continuará assistindo até conseguir construir hipótese mais logica. “Só esperamos que não matem esse animal antes de sabermos realmente o que é”, observa.
O vídeo não possui muita definição, por isso não permite uma análise mais aprofundada aos biólogos. Contudo, eles observaram as imagens em focos diferentes e chegaram a uma conclusão.
“Observando o vídeo em vários pontos, percebemos que a movimentação da agua começa na beirada do Crôa. Depois, segue em direção ao meio do rio. Significa que esse bicho estava na beira da água”.
O biólogo descarta a hipótese de ser uma cobra grande, já que não há relatos ou indícios de que animais das redondezas estariam sumindo. “Ali existe muita galinha, porco, pato e eles não estão sendo atacados, portanto não deve ser um animal grande que ataque o que está fora. Uma cobra muito grande estaria atacando os animais da região”, alerta.
Para ele, um jacaré muito grande também já teria sido visto fora da água em algum momento.
O professor do Ifac no Campus de Cruzeiro do Sul esclarece que a localidade que aparece no vídeo faz parte da Bacia Amazônica e, apesar de no Crôa não ter registros de peixe-boi, “estamos numa área próxima de Guajará, onde tem registros de peixes-boi ali, na bacia no Rio do Gama”.
Segundo ele, poderia ser um ou mais peixes-boi, aproveitando o período de subida das águas. “Esta é apenas uma das hipóteses que precisam ser confirmadas”, ressalta. “Para isso, precisamos verificar se há capim comido nas margens do rio, fezes na água e outros indícios”.
Há também a possibilidade de ser um pirarucu, que é um peixe grande e, devido ao período de inundação, os lagos em que eles habitam estão praticamente conectados com os rios. “Eles podem estar se deslocando em busca de ambiente para reprodução e alimento”.
Para Rodrigo, a questão importante entre o peixe-boi e o pirarucu é a maneira como eles nadam. “Tanto um como o outro movimentam grande quantidade de água. O peixe-boi tem o hábito de nadar pelo fundo, o que pode levantar matéria orgânica e turvar a água, levantando bolhas e assustando os peixes que estão ali”, observa.
Ele ainda observou uma movimentação contínua em forma de círculos, o que leva a crer que seria um predador dos peixes que estava ali. São várias hipótese que podem ser levantas e que vale a pena investigar mais a fundo. Um grupo de pesquisados se deslocou para o Crôa a fim de investigar, precisamente, que tipo de animal deve ter chegado naquela região.
“É um fato curioso e interessante e, o mais importante, mais um motivo para chamar a galera para vir conhecer as belezas do Crôa”, diz o biólogo.
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