“ Os simples artesãos podem entender suficientemente das questões políticas. Somente nós consideramos que quem delas não participe é um inútil e não um ocioso “. Péricles, Atenas, 431, a.C.; Oração aos Mortos.
Corifeu da democracia ateniense, talvez o maior estadista que já tenha vivido no planeta, Péricles exaltava a propensão dos atenienses para os negócios públicos. Atenas vivia seu apogeu, apesar do primeiro ano da Guerra do Peloponeso, contra Esparta e aliados, magistralmente descrita por Tucídides.
Em comparação, por certo, os acreanos não vivem seu zênite, nem tampouco podem ser relacionados diretamente aos brilhantes atenienses, de outrora, mas estas plagas respiram política como poucos lugares do Brasil, por talento próprio de seus habitantes.
Imagine-se uma mesa azul de plástico com três cadeiras ocupadas. Tão compenetrada e absorvente foi a conversa que os três celulares quedaram inativos e desprezados no encontro, cena rara nos dias de hoje. A conversa foi animada pelos cidadãos A, B e C, todos oriundos da oposição, com participação ativa nos resultados das últimas eleições de outubro de 2018. O tema não poderia ser outro: o Governo Gladson Cameli.
– Cidadão A, falando apressado: “ essa conversa de Governo de técnicos é puro papo furado, pura enganação, estória para boi dormir; não tem nada disso. Na verdade, na verdade, o que há é o fato de que o Governo é uma ação entre amigos do Gladson e de amigos de parentes do Gladson Cameli. As ordens importantes do Governo vêm de Manaus e são recebidas pelo Tribunal de Contas, daí é que são repassadas e seguidas à risca…O Gladson está mais perdido de que cachorro caído de caminhão de mudança, está longe de encontrar a direção “.
– Cidadão B, visivelmente contrariado: “ e você queria o quê?! que o Gladson fosse governar com os inimigos? bastou ele botar no Governo umas pessoas do PT e aumentar o CEC delas que foi a maior gritaria de todo mundo. O mundo caiu, o céu veio abaixo. Ficou parecendo que só tem petistas no Governo. Ninguém olha para o monte de gente da oposição que ele colocou; o problema é que a oposição é insaciável: quanto mais tem mais quer ter “.
– Cidadão A, ansioso para falar: “ Negativo, negativo…O povo tirou o PT do poder porque queria que a oposição governasse; se fosse para continuar com o PT era melhor continuar logo com o Tião Viana, através do Chame Chame, no Governo. O Gladson traiu a oposição e os eleitores que votaram nele pensando que as coisas iam para outro rumo. Acho que o Gladson Cameli acabou com a carreira política dele. Se continuar assim, não se elege a mais nada…”.
– Cidadão B, desafiador: “ é que você é muito exigente, muito ranzinza e nega-se a dar uma colher de chá para o cara. O Governador ainda nem completou 60 dias e você já quer que tudo mude da água pro vinho…O que você acha, C?
– Cidadão C, letárgico: “ eu estou completamente decepcionado com a política. É tudo mentira, é tudo igual, todos são farinha do mesmo saco. Quando querem o voto, todos são bonzinhos, honestos e competentes. Resolvem tudo na boca, não tem tempo ruim. Quando pegam o poder, aí são outros quinhentos. Mudam feito camaleão. Eu acho é que se o Governo do Gladson Cameli for uma ação entre amigos, como o A falou, nós temos é de rezar, orar e torcer para que os amigos e os amigos dos amigos sejam competentes e sérios e dêem conta do recado. O que podemos fazer além disso? Nada. Temos que esperar e torcer. Eu ainda não joguei a toalha, não “.
– Cidadão B, virando-se para o cidadão A, com certo ar de conforto: “ eu não disse? O C está certo. Você é muito pessimista; e acaba botando a gente para baixo. Por pensamentos assim é que tem tanta gente com depressão. Eu mesmo sei que hoje não vou dormir direito…”.
– Cidadão A, um tanto resignado: “ vocês sabem do que eu tenho mais medo? É do Governo do Gladson ser tão ruim, mas tão ruim, que consiga fazer de boa lembrança o Governo do Tião Viana! “.
– Cidadão C, espantado: “ agora quem não vai dormir direito hoje à noite sou eu!”.
*João Correia é professor universitário e escreve neste espaço todas às quintas.