Uma grave denúncia parte de dentro da própria Polícia Civil do Estado contra o delegado Fabrizzio Leonard Sobreira, titular da 4ª Regional no Acre. Um policial civil encontra-se afastado de suas atividades por recomendações médicas, em decorrência de uma excessiva carga de estresse. Segundo ele, tudo começou com uma série de acontecimentos ocasionados por um suposto laço entre o delegado e um detento de alta periculosidade, que culminou em diversas retaliações aos servidores que não acatassem as ordens do delegado.
As acusações relatadas ao ac24horas pelo policial civil Francisco Valsomar Santos de Oliveira também constam no livro de ocorrências da delegacia e do próprio Ministério Público Estadual (MPE), onde o servidor também denunciou o caso. De acordo com o policial, atos ilegais do delegado que coordena a unidade policial iniciaram no mês de janeiro deste ano. “Pôde-se constatar através de mensagens de whatsapp trocadas entre policiais plantonistas, lotados na mesma unidade policial, um verdadeiro clima de pânico e constrangimento em decorrência da presença de um preso custodiado naquela unidade”, afirma.
O preso mencionado trata-se de Agilberto Soares de Lima, conhecido como “Jiquitaia”, apontado como um dos líderes do Comando Vermelho e também considerado nas investigações que prenderam e denunciaram o Tenente do BOPE, Josemar Barbosa de Farias, como o principal delator da Operação Sicário, desencadeada no final de dezembro do ano passado pela Polícia Civil. Os depoimentos e as interceptações telefônicas de Agilberto foram uma das principais provas que levaram o Ministério Público a oferecer denúncia contra o militar do Bope.
Mas, isto não é o pior. Segundo Valsomar de Oliveira, o delegado Frabrizzio Leonard teria determinado aos policias plantonistas que deixassem o preso de alta periculosidade totalmente livre nas dependências da delegacia durante o dia e ainda permitissem a visita de sua esposa sem discriminação de horários.
“Não bastasse o nível de periculosidade do custodiado, ainda temos total falta de estrutura física na delegacia. Não existe nem mesmo muros ou grades de proteção nas portas e janelas. Na parte dos fundos, temos acesso direto a um terreno baldio coberto por uma densa vegetação”. Para o policial e demais colegas, as consequências desta ordem dada pelo delegado, de manter o preso solto nas dependências da delegacia, foram extremamente constrangedoras e desastrosas.
“Conforme relatado nas ocorrências policiais de números 17, 19, 20, 21, 22 e 25 do livro de ocorrência diárias, todas as queixas foram levadas ao conhecimento do delegado Fabrizzio. Fato é que o preso sentiu-se beneficiado com as regalias dadas pelo delegado. Ele mesmo dizia que era um “combinado com o delegado” e passou a protagonizar uma séria de ameaças e intimidações contra nós, policiais”, relata Valsomar.
Ocorrências
17 de janeiro de 2019 – Conforme consta na ocorrência policial do dia 17 de janeiro, o referido preso informou que daria início a uma espécie de greve de fome pelo fato de não terem deixado sua esposa ficar mais tempo em sua companhia. Ele se recusou a falar com os policias que faziam sua custódia, alegando que só falaria com o delegado Fabrizzio.
19 de janeiro de 2019 – Neste registro consta que o delegado Fabrizzio deu ordem para que o preso passasse do dia solto dentro da delegacia. Neste dia, o policial plantonista do dia, diante da inexistência de uma autorização judicial ou mesmo formal por parte do delegado Fabrizzio, optou por não liberar o preso, contrariando, assim, a ordem do delegado. “Nesse referido plantão, o preso ameaçou o policial com a seguinte frase ” hoje estou preso, mas amanhã estarei solto”, destaca Valsomar de Oliveira.
21 de janeiro de 2019 – Na ocorrência, o policial conta que às 8h20 o delegado ordenou que tirassem o preso da cela. “Logo em seguida o mesmo foi até a sala do delegado, quando saiu, o delegado determinou que o preso ficasse com a cela aberta para que ele próprio providenciasse sua alimentação, água e higiene diária. O delegado ordenou que ele retornasse a cela às 18h, mas ele só voltou para a cela às 20h40, alegando que estaria limpando a cozinha por autorização do delegado”.
22 de janeiro de 2019 – No dia 22 de janeiro consta uma situação onde o policial plantonista não abriu a cela no momento em que o preso queria, já que ainda não havia iniciado o expediente na delegacia, e o detento passou a fazer ameaças e intimidações para com o policial. “Submeteu o policial a uma situação constrangedora e humilhante”, disse o civil.
25 de janeiro de 2019 – Na ocorrência do dia 25, o preso tinha em seu poder anotações com os nomes de todos os policiais plantonistas e os dias de plantão de cada um. Segundo informou o próprio preso aos policiais, Fabrizzio teria dito que ficaria a cargo de cada policial o ato de liberá-lo ou não da cela. “Criando uma situação altamente constrangedora e de risco aos policias”, ressalta o policial.
Valsomar esclarece que todas as ocorrências policiais citadas podem ser acessadas no próprio livro de ocorrências da delegacia, corregedoria ou no MPE, onde ele mesmo já formalizou denúncia.
Insatisfação
Valsomar de Oliveira destaca que formalizou todos esses acontecimentos no livro de ocorrência, pois não concordava com o fato do preso ter liberdade dentro da delegacia. “Isso põe em risco a segurança dos plantonistas, dos escrivães e demais funcionários da delegacia. Além de haver riscos de fuga. Mesmo assim, diante de tamanha ameaça contra nossa integridade, nada podíamos fazer, pois estávamos cumprindo ordem do delegado Frabrizzio”.
O policial relata ainda que somente pela proteção divina não ocorreu uma tragédia contra a vida de seus colegas. “A cozinha que o delegado autorizou o preso a fazer a limpeza é um local onde existem facas e outros objetos metálicos e pontiagudos. O preso poderia facilmente utilizar como arma contra os policias”, argumentou.
O policial Valsomar ainda informa que um colega, diante da falta de providências por parte do delegado – mesmo ele tomando conhecimento dos fatos ocorridos e de toda situação sofrida pelos policiais – procurou ajuda e conseguiu ser lotado em outra unidade, pois não tinha mais condições psicológicas para continuar trabalhando naquele local.
“Ao invés de tomar as medidas legais contra o preso diante de tudo que foi relatado, o delegado Fabrizzio agiu de forma a facilitar que o preso pudesse conhecer e marcar exatamente cada policial que decidisse não o deixar solto na delegacia, deixando os policiais em uma situação de total vulnerabilidade”.
Represália
Valsomar narra que após voltar de férias, no seu primeiro plantão, dia 5 de fevereiro, por motivo de segurança decidiu não soltar o preso da cela. “Depois disso, no dia 15 de fevereiro, recebi uma ligação da direção geral de polícia civil me convidando a comparecer no órgão para assinar uma portaria de lotação na delegacia de polícia da Cidade do Povo. Fique totalmente surpreso e abalado com essa situação. Descobri que se tratou de uma permuta acordada entre delegados. Tenho ciência de que este ato é ilegal, pois permuta entre servidores precisa da solicitação ou do aceite de quem pretende permutar, cabendo ao superior deferir ou não”.
Ele ainda ressalta que se ocorreu uma permuta “forçada”, estaria diante de uma aberração administrativa. “Isso fere a estabilidade dos servidores. Num dia trabalhamos num local e no outro mudam a gente? E o mais grave, sem ter direito á uma comunicação prévia e nem ao menos manifestar seu interesse”.
Situação vexatória
O policial conta que em 16 anos de atividade policial nunca havia passado por situação semelhante de perseguição, retaliação e constrangimento. “O pior dia foi o 18 de fevereiro de 2019, quando tive que suportar com grande tristeza a publicação do Diário Oficial do Estado, em que constava na portaria número 182, com minha lotação na delegacia de policia da Cidade do Povo. Ainda com a informação inverídica de que era de meu conhecimento e aceite tal pedido de permuta”, lamentou.
Ele garante que nunca manteve qualquer desavença com nenhum colega, nem mesmo o delegado Fabrizzio. “Na mesma manhã do dia 18 de fevereiro fui a procura de meus direitos. Deixei claro que eu não tinha solicitado permuta e que nem ao menos foi informado de tal situação”.
O policial, diante da suposta retaliação, afirmou que o delegado trocou quase 16 anos de vida funcional de um policial com ficha exemplar apenas para manter regalias a um criminoso. “Por isso resolvi formular denúncia junto ao controle externo da atividade policial do Ministério Público. Pedi providências ao sindicato dos policiais civis do Estado do Acre, na corregedoria de polícia civil para ajuizar ação por danos morais por todo constrangimento e humilhação sofridas”, disse de Oliveira.
Denúncia
Ciente da gravidade de sua denúncia, o policial Valsomar de Oliveira diz: “Espero que o delegado Fabrizzio Leonard seja afastado de suas atividades naquela delegacia para que tudo seja apurado com isenção e imparcialidade. Acredito que não é correto deixa-lo como autoridade policial, sendo chefe imediato da maioria dos policias que, provavelmente, serão intimados a prestar esclarecimentos sobre o que foi denunciado.
Valsomar encerra sua fala fazendo um apelo a todos os colegas policias civis do Estado do Acre. “Não se curvem diante das injustiças, dos abusos e do assédio moral praticados por aqueles que deveriam zelar por um ambiente saudável, seguro e cordial de trabalho para todos”.
O outro lado
O ac24horas entrou em contato com o secretário de polícia civil do estado, delegado Getúlio Monteiro, que disse: “A Corregedoria de polícia vai apurar os fatos apresentados e, caso necessário, tomar as medidas cabíveis, assim como a Secretaria vai garantir a devida continuidade dos serviços prestados pela unidade policial envolvida”.
Através da assessoria de comunicação da Secretaria de Segurança, o delegado Fabrizzio Sobreira respondeu que se trata de uma situação interna que corre em segredo de justiça e a exposição por parte do servidor ocorreu de forma inconsequente, haja vista que expôs a localização de um detento ameaçado por facção criminosa e peça chave de um processo criminal.
Por esse motivo o servidor teria sido transferido da regional. Por medida de segurança, o detento também teve que ser transferido de unidade prisional para garantir a própria segurança e o sigilo judicial.