LUCIANO TRINDADE
Na esfera privada, o começo de 2019 marca o início de milhões de projetos de mudança e melhoria de vida, seja no âmbito pessoal, familiar ou profissional. E na esfera pública é o começo de novos governos estaduais e federal, nos quais a população democraticamente depositou sua esperança e direcionou seu voto com a clara intenção de combate à corrupção e à criminalidade, maior eficiência da administração pública e preservação de valores tradicionais da sociedade.
Está claro que nas últimas eleições a população buscou mudança. Contudo, paradoxalmente, em todas as eleições nossos representantes políticos tem nos prometido mudanças. Certamente os marqueteiros descobriram há muito tempo que da mesma forma que a cada novo ano as pessoas anseiam por mudanças em sua vida pessoal, também a cada nova eleição desejam mudar aquilo que não vai bem na sociedade e na política.
Não há dúvidas que sempre o que os políticos mais prometem são mudanças. Mesmo quando já estão há muito tempo no poder e buscam reeleição, ainda assim é vantajoso prometer mudanças. Entretanto, geralmente quando o tempo passa poucas mudanças são percebidas.
Se recordarmos como estava o Acre em 1º de janeiro de 1999, ou o Brasil em 1º de janeiro de 2003, perceberemos que tal como hoje naquelas datas existia uma esperança geral de profundas mudanças para melhor na sociedade, na administração pública e na política, especialmente em relação à valorização do cidadão e à moralidade no trato da coisa pública.
No entanto, após alguns anos a opinião da maioria das pessoas é que nada mudou, ou se mudou foi para pior. Até parece que os governantes que ficaram por anos no poder não foram capazes de ser mais honestos e eficientes os antecessores que tanto criticavam.
Então, para além das expectativas, euforias, boas intenções e desejos de boa sorte aos novos governantes, que reflexões e práticas são necessárias para que os políticos que hoje assumem o poder não sejam prisioneiros da maldição de não cumprir as mudanças prometidas, que parece perseguir todo governo ao final de seu mandato.
Por primeiro, é fundamental saber qual será a postura dos governos que agora assumem o poder, porque ela faz toda diferença. É preciso saber se os novos governantes priorizarão a gestão das políticas públicas ou as articulações político partidárias? Se seu olhar estará na organização e eficiência do Estado ou nas próximas eleições? Faz toda diferença um governante ter o foco principal no Estado e nas necessidades da população ou na busca de perpetuação do poder.
Nesse sentido, uma boa forma de saber qual será a postura dos novos governantes é observar como lidarão e administrarão seus próprios erros. Sim, o mundo real é imperfeito e erros acontecem diariamente. Por mais que os novos governos tenham disposição para o trabalho e boas intenções, contingências existirão e equívocos serão cometidos.
Erros são humanos, são comuns e são nossos melhores professores. Aprendemos mais com os erros do que com os acertos. Mas para isso é preciso humildade e coragem de se autorresponsabilizar pelas conseqüências das próprias escolhas, decisões e ações.
Aquele que se autorresponsabiliza cresce, vira adulto. Mas quem só culpa os outros e transfere responsabilidade nunca cresce, permanece infantilizado.
Ocorre que, historicamente, os governantes geralmente preferem transferir responsabilidade. Em regra usam o discurso pronto de culpar os governos passados. Podemos comprovar isso com os governantes que acabaram de deixar o poder. Lula e Dilma governaram o Brasil por aproximadamente 14 anos e, nesse período, sempre atribuíam culpa ao FHC pelas dificuldades do país. E aqui no Acre, embora os governos da Frente Popular tenham perdurado por 20 anos, até outro dia ainda culpavam Orleir Cameli, Romildo Magalhães ou Edmundo Pinto pelas mazelas na administração pública estadual.
Ninguém pode olhar ao mesmo tempo e com a mesma atenção para direções opostas. Ou os novos governantes olham para trás ou para frente. Se a escolha for olhar para o passado e apontar os erros dos outros estarão mais interessados em desviar a atenção de suas decisões e atitudes equivocadas.
Julgar os governos passados é função da população, do Poder Judiciário ou dos Tribunais de Contas. A função dos novos governos é olhar para frente e buscar as mudanças almejadas pela população.
Por outro lado, para que mudanças de fato aconteçam também é fundamental que as instituições republicanas se aprimorem no desempenho de seu verdadeiro papel constitucional. A Constituição Federal atribui, direta ou indiretamente, competências e mecanismos de fiscalização da Administração Pública aos poderes Legislativo e Judiciário, aos Tribunais de Contas, ao Ministério Público, aos Órgãos de Advocacia Pública que exercem consultoria jurídica e à Ordem dos Advogados do Brasil.
Além disso, a legislação prevê uma série de procedimentos, mecanismos e exigências que estabelecem parâmetros prévios bastante seguros para que a gestão pública ocorra de acordo com a moralidade, a impessoalidade e a eficiência. Entretanto isso não tem sido suficiente.
Talvez seja porque temos tido uma cultura de valorizar mais o jogador do que as regras do jogo. Oras, até no futebol essa cultura nos tem prejudicado, pois as últimas 4 copas do mundo foram vencidas por seleções europeias de jogo coletivo, deixando para trás as seleções sul-americanas que tradicionalmente valorizam mais as individualidades. Agora observe o impacto disso na gestão pública.
Elegemos alguém que imaginamos ser um herói capaz de fazer sozinho todas as mudanças que queremos. Delegamos todo nosso poder a essa pessoa. Claro que com o tempo o herói se torna vilão.
Há muito tempo se fala que o Brasil tem problemas sistêmicos, como por exemplo a corrupção, a pobreza ou a ineficiência da Administração Pública. Bem, dizer que um problema é sistêmico implica admitir que é composto por um conjunto de elementos interconectados, independentes e em constante mudança. Todo problema sistêmico tem certo nível de complexidade na inter-relação de seus elementos, de modo que para produzir uma mudança ou efeito num elemento geralmente é necessário agir e mudar pontualmente diversos outros elementos sistêmicos. Por mais que um elemento seja importante, o sistema sempre é maior e mais forte.
No entanto, temos buscado resolver problemas sistêmicos como a corrupção, a pobreza ou a ineficiência da Administração Pública através de soluções não sistêmicas. Não é de surpreender que esses problemas tenham resistido às nossas tentativas de soluções mecanicistas e personalistas. Para alcançar soluções sistêmicas não adianta apenas ter um governante com boas intenções e ideias arrojadas.
Nossos problemas sistêmicos são compostos por inúmeros elementos sociais, políticos, econômicos, jurídicos e culturais, de modo que só teremos alguma chance de solucioná-los se, igualmente, forem enfrentados com uma visão ampla, conjunta e interdependente por diversos outros elementos além do governo, dentre os quais se destacam as instituições republicanas e suas responsabilidades constitucionais.
Por fim, as mudanças esperadas também dependem de atitudes de cidadania. Enquanto cidadãos que almejam mudanças, precisamos saber que a política é o que é porque o homem é o que é. Nossos governantes são humanos como nós, falíveis como nós. Os governantes não são alienígenas vindos de outro planeta, nem estão imunes das conhecidas falibilidades humanas.
Logo, se realmente queremos mudanças não basta votar ou brigar nas redes sociais antes das eleições. Ser cidadão não é meramente votar e torcer para que o governante cumpra suas promessas. Aliás, talvez o verdadeiro papel do cidadão seja atuar após as eleições, depois que o governante eleito toma posse.
O verdadeiro cidadão sabe que o governante não é dono do Estado. Sabe também que patrimônio público significa patrimônio de todos, da coletividade. Por isso, assim como cuida para que banco da praça não seja depredado, o verdadeiro cidadão também acompanha, participa e fiscaliza a gestão pública, seja apoiando as políticas que preservam o patrimônio e o interesse público, seja criticando e protestando contra ações equivocadas que possam lesar o erário público.
Enfim, as mudanças que há muito tempo almejamos somente começarão a se tornar realidade na medida em que o governante, as instituições e o cidadão perceberem que tanto os poderes estatais quanto o patrimônio público estão a serviço de algo maior: atender ao interesse da coletividade.
Mas, para que o interesse da coletividade seja atendido, tanto que o governante, quanto as instituições e o cidadão devem assumir seu papel, suas funções e suas responsabilidades.
Luciano Trindade é advogado e constelador sistêmico.