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Por Joaquim de Carvalho – Atrás de todo grande traficante, tem um homem de farda

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POR JOAQUIM DE CARVALHO


Um dos heróis da Polícia Militar do Acre foi preso sob acusação de trabalhar para o Comando Vermelho, na proteção à distribuição de droga.


É o tenente Josemar Barbosa de Farias, o segundo na hierarquia do Batalhão de Operações Especiais, o Bope. É uma versão acreana do “Capitão Nascimento”, o da fictícia Tropa de Elite.


Era frequente a presença dele em programas de televisão, para ser entrevistado sobre prisões e apreensões de droga.


Era o “homem da lei”, “policial exemplar”, garantidor da ordem em Rio Branco.


O que as pessoas em geral não sabiam é que a drogada que ele apreendia e os traficantes que encarcerava ou matava eram rivais do homem que controla a venda de drogas no Estado.


Segundo reportagem de Marcos Venicios, publicada no AC 24 horas, escutas telefônicas, autorizadas pela Justiça no âmbito da Operação Sicário, mostram que ele recebia ordem do traficante Agilberto Soares de Lima, o Jiquitaia, que estaria ligado ao Comando Vermelho no controle da venda de drogas.


No despacho que autorizou a operação, os juízes Raimundo Nonato da Costa Maia, Maria Rosinete dos Reis Silva e Guilherme Aparecido do Nascimento Fraga registraram:


“De acordo com o apurado pelas autoridades, em inúmeros diálogos restou demonstrado que o Tenente Farias se utilizava do poder que a farda lhe proporcionava para usar veículos e valores pertencentes ao ‘erário’ com a finalidade de atender aos interesses do Comando Vermelho, fosse mandando viaturas para evitar ataques do Bonde dos 13 ou para auxiliar em situações cuja busca de informações interessava às atividades do Comando Vermelho.”


Em outro trecho, destacam:


“Até valores para abastecer veículos usados por outros membros do CV teriam sido arrecadados das quantias disponibilizadas pelo BOPE para abastecer as viaturas policiais.”


Farias foi preso, juntamente com o traficante, mas o caso está longe de significar algo isolado, numa região distante dos grandes centros, como Rio de Janeiro ou São Paulo.


Quando eu era repórter da Globo, um experiente policial, incomodado com a morte de um colega, que teve overdose no banheiro do Denarc (Departamento de Narcóticos) depois de cheirar uma grande quantia de cocaína apreendida, me procurou para contar sobre a ligação de policiais civis com o tráfico de drogas no Estado.


“Os policiais sabem quem são os grandes traficantes e dão proteção a eles, quando não participam diretamente do tráfico. Quando ocorre uma grande apreensão, é de quadrilha rival, tentando entrar no mercado”, disse.


Na época, inicio do primeiro mandato de Geraldo Alckmin, o delegado titular de uma das divisões do Departamento se mantinha no cargo apadrinhado por deputados estaduais.


“Ele paga uma caixinha semanal para se manter no posto. Se não pagar, é removido. Os postos mais importantes da Polícia Civil são ocupados por delegados que pagam a seus padrinhos políticos”, disse.


O informante chegou a me dar o endereço onde drogas apreendidas eram reempacotadas, com metade de seu grau de pureza.


Os policiais apreendiam pasta pura de quadrilhas rivais dos controladores do tráfico, levavam para uma casa, na Vila Carioca, em São Paulo, e ali misturavam a droga a talco, farinha de trigo, polvilho ou outra coisa mais barata.


Só depois de misturada é que a droga era apresentada. Se tivessem sido apreendidos 100 quilos, eram apresentados 100 quilos, só que num grau de pureza menor.


A pureza, entretanto, não é aferida na perícia técnica, apenas se o material apreendido estava enquadrado na relação de drogas ilícitas.


“Tem muito policial ganhando muito dinheiro”, alertou ele. “Os políticos também ganham, para manter o delegado no posto”, acrescentou.


Quando fui ao endereço fornecido por ele, estava vazio. “Eles ficam pouco tempo em cada lugar”, disse. Pouco tempo, deixei a Globo e a pauta ficou na gaveta, mas o relato dele nunca deixou de me instigar.


Hoje, quando li na página do jornalista Altino Machado a notícia do envolvimento do herói do Bope com o tráfico, lembrei da história.


O tenente Farias não é um ponto fora curva. Ele é quase uma regra, e isso explica por que o crime organizado é tão próspero no Brasil.


Não adianta encher as ruas de militares. Para combater o crime, é preciso de inteligência policial, coragem e independência.


Se se investigar de verdade, se verá que, por trás de todo traficante, tem uma viatura policial, seja militar ou civil.


Essas intervenções militares, como a que houve no Rio de Janeiro, são apenas espetáculos ou instrumentos para amedrontar pobres e pretos.


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