Há aproximadamente 10 anos, Verena Gila Fontes obteve a graduação em Design. Hoje, aos 33 anos, já acumula pós-graduações em Artes Visuais e em Língua Brasileira de Sinais, além de estar em busca da segunda formação, em Letras Libras. A procura contínua pelo conhecimento torna secundária uma questão: Fontes é uma das 9,7 milhões de pessoas surdas no Brasil, de acordo com o mais recente censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), realizado em 2010. “As pessoas duvidam que, por falta de audição, sejamos capazes de realizar muitas coisas e são surpreendidas quando digo que levo uma vida normal como todos os jovens. Eu dirijo e já fiz faculdade, sou pós-graduada, fotógrafa, optei agora por ser professora e sou noiva”, destaca.
A escolha pela segunda graduação não foi por acaso. “Me realizo ensinando o que aprendi no mundo dos ouvintes e traduzindo em Libras para os meus alunos. Sempre os incentivo a estudar porque requer determinação”, sinaliza a docente da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) e da Associação Educacional Sons do Silêncio (AESOS). Durante o mês, estão inclusas na agenda a participação em palestras e eventos, a realização de oficinas para surdos e a ida às reuniões mensais do Conselho Municipal das Pessoas com Deficiência (Comped), em Salvador, em que exerce o papel de conselheira.
Desde os cinco meses de idade, a família já suspeitava da condição de Fontes. O diagnóstico veio com apenas um ano, ao fazer o exame BERA (PEATE, em português: Potencial Evocado Auditivo do Tronco Encefálico). A “diferença” para as crianças ditas “normais”, no entanto, foi percebida apenas aos seis anos. “Eu não sabia o que era ser surda como a minha família dizia. Eu percebi, quando entrei na escola de surdos, que o jeito dos colegas era parecido com o meu. Fiquei feliz, pois existiam pessoas iguais a mim no mundo, apesar da pequeníssima quantidade e do grande preconceito fora da escola”, sinaliza ao relembrar a identificação com os gestos, a comunicação visual e o uso do aparelho auditivo.
Mesmo com diversas barreiras no dia a dia, ainda existem desafios a serem enfrentados pela comunidade do Brasil: a aceitação da condição, a conquista do respeito, a luta por direitos equivalentes aos dos ouvintes e a disseminação da Língua Brasileira de Sinais. Verena Gila Fontes ressalta o uso inadequado do termo surdo-mudo para se referir às pessoas, “pois a maioria tem voz. A escolha por Libras, no entanto, é direito de cada um. Ser chamado de surdo é correto, mas é uma condição e não questão de escolha. E é dever dos ouvintes nos aceitar e respeitar as nossas diferenças. Somos pessoas normais e capazes de exercer qualquer papel na sociedade” ressalta.
Dia Nacional do Surdo e Setembro Azul no Brasil
Desde 2008, é comemorado no Brasil o Dia Nacional do Surdo, em 26 de setembro, devido à data de fundação do Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES), em 1857. O mês é considerado duplamente importante devido à existência do Setembro Azul, quando ganham destaque na sociedade as necessidades de inclusão. Entre as principais pautas estão a educação das pessoas que têm a respectiva condição e a criação de escolas bilíngues para o ensino da Libras. A escolha da cor está ligada à II Guerra Mundial, quando, na Alemanha, os nazistas obrigavam as pessoas com deficiência física ou mental a usar uma faixa de cor azul fixada ao braço para diferenciá-las das demais. Os que não se enquadravam nos padrões arianos eram executados.
Mobilização em prol dos direitos
Entidades que lutam pela defesa do surdo são importantes por chamarem a atenção para a necessidade de criar políticas públicas de inclusão que permitam o pleno exercício da cidadania. “Gostaríamos muito que as instituições de defesa não precisassem mais existir, que a nossa sociedade respeitasse plenamente os direitos de todos, mas, infelizmente, ainda não chegamos nesse patamar”, destaca a diretora Geral da Associação Educacional Sons do Silêncio (AESOS), Márcia Lemos. A gestora atua há 17 anos na respectiva organização da sociedade civil, criada em maio de 2000 e mantenedora do centro educacional de mesmo nome.
Cerca de 250 surdos são atendidos pela instituição atualmente. Para lidar com as especificidades e promover a inclusão, é oferecida a educação bilíngue do ensino fundamental I ao ensino médio, passando pela Educação de Jovens e Adultos (EJA). A Língua Brasileira de Sinais é adotada como idioma principal e a Língua Portuguesa, o secundário. As salas de aula são equipadas com projetores multimídia (Datashow) e dispõem de intérpretes de Libras para dar suporte aos professores, que também devem conhecer o idioma. No Núcleo de Recursos Pedagógicos (NURE), a equipe pensa sobre a didática e os materiais mais adequados para as atividades.
“Trabalhamos também com a qualificação profissional e a inserção no mercado de trabalho, mas desenvolvemos muitos projetos para cuidar do ser integral e promover o acompanhamento sistêmico”, sinaliza Lemos. Os estudantes recebem a educação tradicional e, no turno seguinte, participam de atividades complementares: oficinas de letramento, português, literatura e matemática; realizam atividades esportivas; cultivam hortas para estimular a alimentação saudável e desenvolver noções ambientais; participam de cursos de qualificação e recebem acompanhamento psicológico e psicossocial, que também inclui a família. “Os alunos são muito inteligentes e se desenvolvem bastante. Já tivemos surdos que se formaram e retornaram à instituição como professores, outros que se dedicam à pedagogia bilíngue. Muitos estão nas universidades”, comemora a gestora.
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