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Violência e comunicação

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O psicólogo americano Marshall Rosenberg dedicou sua vida a descobrir por que as pessoas são violentas umas com as outras. Ele criou a teoria da Comunicação Não-Violenta, segundo a qual somos cegos para as nossas próprias dificuldades psicoemocionais e projetamos nos outros a culpa por não conseguir aquilo que queremos. Ao fazer isso, cada um de nós se comunica com o outro de forma violenta, com julgamento e acusação. Como o outro está na mesma situação, recebemos um feedback violento e o conflito de acentua.


Um caso exemplar é do vizinho que bate na porta do outro e o acusa de ser vagabundo e desordeiro porque toca sua guitarra até altas horas da noite. Claro que o outro se ofende e essa desavença pode chegar até as vias de fato e morte. Uma outra forma seria o primeiro vizinho dizer, clara e objetivamente, que trabalhou o dia todo, está cansado e o som alto o impede de repousar.


Ao desenvolver a técnica da Comunicação Não-Violenta , baseada na troca de informações de forma clara, objetiva e limitada àquilo que realmente necessitamos, sem acusar o outro de ser o culpado da nossa infelicidade, Marshall Rosenberg passou a resolver conflitos e diferenças pacificamente, tanto entre pessoas quanto entre organizações e países, sendo inclusive representante da ONU em processos de pacificação de guerras civis.


Olhando nossa realidade, da mesma forma que percebemos uma infinitude de conflitos, nas mais variadas dimensões da vida (política, religião, racial, gênero, criminalidade, homossexualidade, aborto, meio ambiente…), também nos deparamos com nossa incapacidade de dialogar pacificamente e chegar a consensos mínimos. E para piorar, parece que as redes sociais distanciam as pessoas ainda mais, sendo um local onde cada um se sente à vontade para acusar, agredir e culpar o outro por suas insatisfações.


Talvez se estudássemos um pouco sobre a técnica de Marshall Rosenberg, perceberíamos como somos violentos na comunicação com o outro e que essa comunicação cada vez mais tem acirrado nossos conflitos.


Veja o fato mais recente: a tentativa de assassinato de um candidato a presidente que se apresenta como solução para a criminalidade.


Claro que a violência e a criminalidade tem causado sofrimento cada vez maior à população. No Brasil é uma questão séria e está ligada a diversos fatores históricos, culturais, estruturais e sistêmicos. Precisa ser enfrentada com urgência, planejamento, seriedade e responsabilidade, pois uma transformação verdadeira também depende da mudança de postura das diversas estruturas sociais, desde a família até a escola, os meios de comunicação, as religiões, as forças policiais, o sistema de justiça, o sistema político, o sistema econômico etc.


Ora, se a violência e a criminalidade fossem ruins para todos elas não existiriam. Se existem é porque há muitos se beneficiando delas. Em entrevista concedida no início de 2018 a importante meio de comunicação, o ex-desembargador Wálter Maierovitch, considerado um dos maiores especialistas em combate à criminalidade, afirmou que no Brasil as organizações criminosas financiam igrejas e influenciam eleições.


Então veja o paradoxo: pode ser que uma pessoa se posicione totalmente contra a violência e a criminalidade, mas talvez não tenha conhecimento nem percebe que pode estar fazendo parte de uma entidade social, política ou religiosa que se beneficia ou é financiada pela criminalidade.


Há de se convir que não será com bravatas, nem uma ou outra medida isolada e radical, que se combaterá verdadeiramente a criminalidade no país. Talvez pensar que se pode diminuir a criminalidade dessa forma seja exatamente o meio de perpetuá-la.


E o candidato que sofreu o atentado sabidamente busca se eleger se apresentando como aquele capaz de combater a criminalidade. Ocorre que não tem pudor de buscar milhões de votos defendendo, basicamente, medidas como a pena de morte e a liberação da posse de arma para a população despreparada. Mais do que isso, seu símbolo político é o gesto de apontar uma arma.


Essas medidas são obviamente oportunistas e controvertidas. Tanto a pena de morte quanto a livre posse de armas são questões onde basicamente a população está dividida: metade contra, metade a favor. Então claro qualquer candidato que defendê-las angariará milhões de votos.


Entretanto, pelas razões acima expostas, são questões sensíveis, que tem enorme impacto em todas dimensões da sociedade. Certamente ao passar para milhões de pessoas a mensagem que podemos resolver nossos maiores problemas com uma arma de fogo ou com uma faca, esse candidato não sabe o que é o inconsciente coletivo e desconhece seu impacto no comportamento da população.


Não que o candidato seja mau intencionado. Aliás ele não é pior nem melhor que nenhum dos outros candidatos. Sei que cada um deles quer o melhor para o país segundo seu ponto de vista. A questão é que todas as atrocidades já praticadas pelo ser humano sempre foram causadas por uma boa intenção cega e extremista. Então esse candidato não consegue perceber quão mais violentos se tornarão tanto seus eleitores quanto seus adversários.


Daí, lamentavelmente, esse candidato vem a ser esfaqueado publicamente por outro louco que imagina que matar e exterminar é uma boa solução. Haja psicologia par explicar que os extremos opostos se parecem e se fortalecem. Aliás, um só existirá enquanto o outro existir. Se um desaparecer o outro também se acabará.


Mas não acaba aqui. A campanha política já tendo chegado ao nível da tentativa de assassinato, os candidatos e as pessoas se tornar mais responsáveis por suas atitudes sobre a paz e a guerra. Talvez até poderiam iniciar uma campanha de tolerância, de vida e de convívio pacífico…


Só que não… em homenagem ao candidato que está hospitalizado, muitos de seus correligionários passam a se reunir para orar, cantar louvores e, com sorriso largo no rosto, reproduzir o gesto de empunhar uma ARMA!


Não me impressiona misturarem oração e arma. Sabemos que ao longo da história muitos fanáticos religiosos usaram seu deus como desculpa para assassinar e exterminar seus inimigos. Na humanidade sempre houve “guerras santas” e sempre se matou em nome de deus.


O que me impressiona é em 2018 os candidatos terem a certeza que terão mais votos apostando na morte e não na vida, na bala e não no diálogo.


Será que dialogar com quem pensa diferente é perda de tempo ou impossível?? Será que de fato cada um de nós fala só pra si mesmo e nunca é escutado pelo outro??


Será que quando o outro fala ficamos realmente abertos para ouvi-lo e compreendê-lo ??


Será que a opinião pessoal de uma pessoa é para sempre, que nada é capaz de fazê-la refletir e se aperfeiçoar??


Será que pontos de vista são imutáveis?? Penso que realmente nosso estágio desenfreado de violência e criminalidade tem muito a ver com nossa forma de comunicação. Com nosso modo violento e agressivo de defender ideias, bandeiras e pontos de vista.


Pode ser um reflexo do desejo incontrolável de expressar meros pontos de vista e da incapacidade de conexão e escuta do outro.


O saudoso Rubem Alves dizia: “Sempre vejo anunciados cursos de oratória. Nunca vi anunciado curso de escutatória. Todo mundo quer aprender a falar. Ninguém quer aprender a ouvir. Pensei em oferecer um curso de escutatória. Mas acho que ninguém vai se matricular. Escutar é complicado e sutil…”


Luciano Trindade (Advogado e Constelador Sistêmico)


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