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A paralisação dos caminhoneiros e a causa do sofrimento humano

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Vivenciamos por mais de 10 dias a “Paralisação dos Caminhoneiros”, com bloqueios, manifestações, desabastecimentos e demais consequências por todo o Brasil.


Com enorme volume de matérias, informações e opiniões sobre a paralisação, logo se constatam duas coisas: primeiro a multiplicidade de insatisfações, demandas e objetivos a justificar o movimento, criando situações nebulosas e às vezes até contraditórias. Enquanto muitos protestavam contra o valor elevado dos combustíveis e dos pedágios, pela melhoria das estradas e das condições dos transportes de cargas, outros bradavam contra políticos e governo. E, pior, houve lugares onde, paradoxalmente, ao mesmo tempo em que se protestava contra a corrupção e a ineficiência do Estado se pedia “intervenção militar” (??)


Segundo, apesar dos “caminhoneiros” ter sido utilizados para respaldar a paralisação, isso em razão da confiança e do respeito que a maioria desses profissionais tem junto à população, certo é que muitos bloqueios e protestos foram incentivados e promovidos também por empresários, políticos e variados grupos de interesses.


Para quem observa a realidade com visão sistêmica desde o início já dava para perceber que, apesar de algumas justas reivindicações, o caos estava sendo propositalmente criado por seres ocultos visando objetivos inconfessáveis e invisíveis aos olhos da população. E, nesse cenário, ficou uma sensação de que embora alguém vai lucrar muito com a paralisação, pouco mudará para os caminhoneiros.


Aliás, lamentavelmente o pior já sobrou justamente para um caminhoneiro de 70 anos de idade, morto que foi na última quarta-feira, na cidade de Vilhena-RO, atingido por uma pedra arremessada por um manifestante contra o para-brisa do caminhão. Segundo relato da Polícia Rodoviária Federal, embora a rodovia BR-364 não estivesse bloqueada naquele momento, muitas pessoas lá se concentravam para atacar os caminhoneiros que passavam. Mais um paradoxo: trabalhador assassinado a pedradas pelo movimento supostamente em defesa da sobrevivência dos trabalhadores.


Contradições essa tem sido muito comuns no Brasil. Deveriam, minimamente, nos trazer questionamentos que nos tirassem pessoal e coletivamente da zona de conforto. Contudo, embora sejam as perguntas que movam o mundo, temos aversão a interrogações que nos desafiam a pensar sistemicamente. Somos obstinados por jeitos, por soluções rápidas e fáceis. Também temos certezas aos montes, as quais defendemos com apego de vida ou morte.


Só que nossas certezas não passam de superficiais pontos de vista. Os juristas sabem que a mesma tese que serve para a acusação também serve para a defesa. Basta mudar pequenos detalhes de argumentação, dar pinceladas de pontos de vista. E praticamente todas as nossas verdades são assim, não passam de meros pontos de vistas, que tem tantos argumentos prós quanto contra.


No entanto, a ansiedade pela zona de conforto da “certeza” nos conduz a ter uma visão limitada e não-sistêmica das pessoas e das situações. Com isso, rapidamente achamos que sabemos o que é certo e o que é errado, o que é bom e o que é mau, quem são os mocinhos e quem são os malfeitores.


Veja que temos na ponta da língua o nome dos grandes culpados pelos problemas que há décadas/séculos nos assolam: são os políticos. Ok, tudo leva a crer nisso. Só que não consigo entender porquê do mesmo modo como achamos que os políticos são os culpados pelos nossos problemas também achamos que são a solução. Se realmente olharmos nossa realidade veremos que há muito tempo estamos fazemos verdadeiro revezamento maniqueísta com os políticos. Afinal todo político ora está na fase de herói salvador, ora está na fase de vilão traidor.


Claro que no geral os políticos brasileiros estão encastelados num sistema em que praticamente só se preocupam em se manter no poder, em se beneficiar à custa do patrimônio público e vencer as próximas eleições. No entanto, talvez os representantes políticos sejam apenas uma fiel representação de seus eleitores. E, afinal, como poderiam os representantes ser mais fiéis aos representados do que serem à sua imagem e semelhança?


Se, nesse momento, refletirmos verdadeiramente sobre os ônus e os bônus da “paralisação dos caminhoneiros”, o que mais se evidenciará será a nossa falta visão sistêmica. Perceberemos que não sabemos o que realmente queremos, que desconhecemos as causas e as conseqüências daquilo que achamos que queremos e que delegamos toda responsabilidade aos outros, seja para conquistar nosso paraíso ou para suportar nosso inferno.


Duvida? Então veja: dentre as principais exigências da “paralisação dos caminhoneiros” estava a redução do preço dos combustíveis e dos pedágios. Ainda que justa a reivindicação, não tivemos a menor preocupação em saber de onde viria esse dinheiro, ou o que deixaria de ser feito com ele. Em nenhum momento nos preocupamos quais áreas seriam impactadas com mais impostos ou deixariam de receber investimentos públicos antes previstos.


O Diário Oficial da União do dia 30/05 trouxe parte das conseqüências da redução de R$ 0,46 no litro do óleo diesel para garantir combustível mais barato a caminhoneiros e a empresas transportadoras. Para cobrir um custo por volta de 9,5 bilhões de reais, foram feitos cortes em programas e políticas públicas em áreas como saúde, educação, saneamento básico, moradia popular, ciência e tecnologia, etc. Só para exemplificar, foram cortados 4,1 milhões de prevenção contra drogas, 55,1 milhões de universidades, 135 milhões do SUS, 661 mil para Promoção da Igualdade e Enfrentamento à Violência, 5,4 milhões para Agricultura Familiar, 12 milhões para Regularização Fundiária em terras no âmbito da Amazônia Legal, 1,8 milhões para Promoção da Educação do Campo, 5,64 milhões para Organização da Estrutura Fundiária. Por outro lado, há grande apreensão com o inevitável aumento da carga tributária de outras áreas.


No artigo intitulado País se revolta contra si e não sabe, o articulista da Folha Vinícius Torres Freire destaca que os brasileiros continuam acreditando que a “culpa de ‘tudo que está aí’ é do bode expiatório de duas cabeças, a corrupta e a política, que nos impede de chegar até o fim do arco-íris, onde está o pote de ouro a ser aberto e dividido para benefício geral, sem conflitos.”


Segundo pesquisa Datafolha, 87% dos brasileiros eram a favor da paralisação dos caminhões, porém os mesmos 87% recusavam a solução de aumentar impostos ou cortar gastos a fim de pagar a conta do diesel (??).


Então o articulista conclui que “o povo que se revolta contra a mão pesada dos impostos é o mesmo que quer a mão do governo a balançar o berço, subsídios para todos.”


Se isso for real, que povo é esse que não pensa minimamente em seus atos e suas conseqüências?? Não podemos negar que nesse episódio dos caminhoneiros novamente fizemos aquilo que tem sido nossa rotina: delegamos a um Governo Federal acusado de não ter legitimidade política nem capacidade de gestão toda responsabilidade de fazer os ajustes necessários, de redistribuir a receita e a despesa pública. Claro que o Presidente Temer fez conforme a conveniência dos seus interesses políticos, partidários e de sustentação no poder.


Dizemos que a máquina pública é pesada e ineficiente, que esse governante é ilegítimo, que aquela era incapacitada e que aquele outro corrupto. Mas além de acusar, o que nós, povo, população, fazemos para criar nosso paraíso aqui na terra, ou minimamente amenizar nosso sofrimento?


Conta-se que após se iluminar Buddha transmitiu as 4 Verdades Nobres sobre o “sofrimento humano”. De acordo com elas o sofrimento existe e é percebido pelo nosso permanente estado de insatisfação, medo e raiva. Sua causa é a ignorância de quem realmente somos. Mas é possível eliminar a causa do sofrimento tomando o caminho do autoconhecimento, buscando o despertar da consciência e a sabedoria.


Para nós, brasileiros, o sofrimento é a nossa permanente insatisfação com a realidade, o medo da escassez e raiva contra algo ou alguém. E talvez isso nos tome tanto tempo que ignoramos a nós mesmos e o que queremos.


Se isso for verdade, então não temos consciência de nossas verdadeiras capacidades e se explica porque nos apegamos às ilusões vendidas pelos políticos, quando dizem que atenderão todas as nossas necessidades e desejos num estalar de dedos. Contudo, jamais alguém poderá dar autoconsciência, pois esta cada um só pode conquistar para si próprio.


Para eliminar a causa do nosso sofrimento (a ignorância) precisamos seguir um caminho diferente da mera indignação, da simples lamuriação e do vício de culpar dos outros. Deve ser um caminho com autoresponsabilidade e visão sistêmica, com humildade para reconhecer que sempre estamos na exata situação em que nos colocamos e com coragem necessária para assumirmos as conseqüências das mudanças que realmente queremos.


Continuar sofrendo sem consciência nem sabedoria só serve para acumular raiva e dor. Mas para se livrar desse sofrimento a primeira coisa necessária é a capacidade de se desapegar dele e evoluir. É necessário abandonar as muletas, romper padrões e desculpas confortáveis.


As limitações do mundo, as forças incontroláveis da natureza, as incertezas da vida e dos relacionamentos podem ser oportunidades de evolução. Afinal, se tivéssemos o controle de tudo não precisaríamos mais de nenhuma mudança. Então os obstáculos da existência servem exatamente para buscarmos a consciência e sabedoria de sermos melhores e capazes de seguir adiante assumindo a responsabilidade pela própria vida e destino.


Luciano José Trindade, advogado e constelador sistêmico.


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