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Como planos de Facebook e WhatsApp ilimitados podem potencializar notícias falsas

Por
BBC

Uma notícia chega por mensagem de WhatsApp, mas é impossível clicar no link que a acompanha. Sem acesso à internet, o usuário acaba lendo apenas o título.


A situação acontece com parte dos brasileiros, usuários de planos de celular que dão a possibilidade de usar aplicativos como o Facebook e o WhatsApp, entre outros, sem que seu uso seja descontado do pacote de dados do consumidor e mesmo quando os dados de internet do celular acabam.


Isso significa que, terminado o pacote de dados, o usuário só pode acessar esses aplicativos, mas não pode abrir links, fazer uma simples pesquisa na internet ou ler notícias em portais de jornalismo ou de outras fontes.


Uma notícia chega por mensagem de WhatsApp, mas é impossível clicar no link que a acompanha. Sem acesso à internet, o usuário acaba lendo apenas o título.


A situação acontece com parte dos brasileiros, usuários de planos de celular que dão a possibilidade de usar aplicativos como o Facebook e o WhatsApp, entre outros, sem que seu uso seja descontado do pacote de dados do consumidor e mesmo quando os dados de internet do celular acabam.


Isso significa que, terminado o pacote de dados, o usuário só pode acessar esses aplicativos, mas não pode abrir links, fazer uma simples pesquisa na internet ou ler notícias em portais de jornalismo ou de outras fontes.


Acesso

Mas quantos consumidores utilizam a internet dessa forma em seus celulares? As operadoras telefônicas no Brasil não divulgam quantas pessoas são adeptas a esse tipo de plano de celular.


Há alguns dados, contudo, que ajudam a traçar um panorama para entender hábitos do uso de internet e celular no Brasil.


As classes mais baixas, por exemplo, só têm acesso à internet pelo celular. Dados de 2016 do Cetic.br (Centro Regional para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação) mostram que, enquanto nas classes A e B a maioria das pessoas acessam a internet tanto pelo computador quanto pelo celular (85% e 74%, respectivamente), nas classes C, D e E é mais comum ter acesso à internet somente pelo celular (46% das pessoas da classe C e 76% das pessoas das classes D e E).


Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua de 2016, do IBGE, mostram que a atividade mais popular entre os brasileiros, ao usar a internet, é trocar mensagens por meio de aplicativos – 94,5% dos brasileiros responderam que usam a internet para fazer isso. Provavelmente, a maior parte deles utiliza o WhatsApp, aplicativo de mensagens mais difundido no Brasil.


Já a prática de zero rating é comum entre as operadoras no Brasil. Segundo a Anatel, em dezembro de 2017 existiam 58 ofertas da telefonia móvel sendo comercializadas, entre promoções e pacotes, com previsão de zero rating na navegação de pelo menos um tipo de aplicativo no Brasil.


A Vivo, por exemplo, oferece um plano pré-pago de 1GB para internet válido por uma semana com acesso gratuito ao Facebook, Messenger (aplicativo de mensagens do Facebook) e Twitter. Em outros pacotes, aplicativos como YouTube, Netflix e EasyTaxi são oferecidos da mesma forma.


Já a Claro e a TIM oferecem WhatsApp “à vontade sem descontar da internet” em grande parte dos planos, alguns com 100MB de internet por dia.


Para se ter uma ideia, 100MB permitem cerca de quatro horas de navegação pela internet ou o carregamento de por volta de seis vídeos de quatro minutos.


“As técnicas de zero rating que patrocinam somente os aplicativos dominantes, como as redes sociais, contribuem enormemente para a redução da variedade de informações acessíveis para o usuário”, diz Luca Belli, pesquisador do Centro de Tecnologia de Sociedade da FGV Direito Rio e especialista de neutralidade da rede pelo Conselho da Europa. “O usuário precisa de uma dieta informacional de variedade para se informar de maneira independente.”


Para ele, “não significa que proibindo zero rating você acabe com o problema das ‘fake news’, mas com zero rating você maximiza o impacto das ‘fake news'”. Em outras palavras, as notícias falsas não nascem porque as pessoas têm acesso gratuito a esses aplicativos, mas pode ser que não sejam desbancadas ou, ainda, que sejam replicadas, porque as pessoas ficam sem outras fontes de informação.


A BBC Brasil questionou as operadoras de telefonia móvel no Brasil sobre a associação entre zero rating e notícias falsas. O SindiTelebrasil, sindicato que representa as empresas, respondeu por elas. “É preciso esclarecer que a prática de zero rating não limita o acesso dos usuários. Uma vez conectado à internet, o usuário pode acessar qualquer aplicativo ou fonte de informação. Portanto, a insinuação de que zero rating fomenta a prática de notícias falsas é equivocada”, afirmou, em nota.


Questionado sobre os casos em que a franquia do usuário acaba, o sindicato respondeu: “Dependendo do tipo de zero rating praticado pelo provedor de acesso que o usuário contratou, ele poderá ter a possibilidade de (mesmo sem pacote de internet válido) navegar pelos sites que são objeto de programa de zero rating. Assim, nesse caso, o zero rating ainda possibilita alguma navegação na Internet, como acessar serviços públicos, comprar produtos em sites conveniados, usar as redes sociais, mandar mensagens, fotos etc. Assim, o zero rating amplia e não limita”.


“A prática está cada vez mais comum, não se aplicando somente às redes sociais ou serviços de mensageria. Ela já vem sendo praticada em acordos com diferentes tipos de provedores de aplicação de Internet, como bancos (Bradesco), comércio eletrônico (Netshoes, Natura), educação (Wikipedia), serviços governamentais (e-gov), entre muitos outros. Tais inciativas beneficiam os usuários de forma geral, uma vez que todos podem adquirir planos de serviços mais baratos junto aos provedores de acesso.”


De fato, o consumidor também têm tido acesso subsidiado a aplicativos de empresas e outras organizações, argumento usado mundo afora para defender a prática – principalmente quando se trata de aplicativos do governo.


E quem paga pelo acesso gratuito? Segundo o sindicato, “o acesso patrocinado é objeto de um acordo comercial entre o provedor de acesso (prestadoras de telecomunicações) e os provedores de aplicações de internet” e “a forma e responsabilidade pelo pagamento desse tráfego depende do acordo comercial firmado, sendo que, nas modalidades mais comuns de zero rating, o custo é absorvido pelo provedor de aplicação”. Ou seja, na maioria das vezes, são as próprias empresas donas dos aplicativos que pagam pelo acesso ilimitado.


Também questionada, a Anatel informou não possuir “estudos técnicos ou posicionamento oficial já exarado sobre a relação entre ‘zero rating’ e a proliferação de notícias falsas” e disse não saber a quantidade de consumidores no Brasil vinculados a esses tipos de planos.


No mundo

Zero rating existe sob diferentes legislações em diferentes regiões do mundo. Nos Estados Unidos, tem sido objeto de debate nos últimos anos, e o governo Trump se mostrou mais aberto à prática do que o governo Obama.


Já países como a Eslovênia, Noruega, Holanda têm legislação mais restrita em relação ao zero rating, abraçando mais o conceito chamado “neutralidade da rede”, de que as informações que trafegam na internet devem ser tratadas da mesma forma e, a navegação, com a mesma velocidade, dando livre acesso para conteúdo aos usuários. Na Europa, o país com legislação mais permissiva ao zero rating é Portugal.


O maior projeto que difunde zero rating no mundo é do próprio Facebook. O “Free Basics”, da rede social, oferece acesso gratuito ao Facebook e alguns aplicativos parceiros com o objetivo, segundo a empresa, de universalizar o acesso à internet. Ou seja, quem adere ao Free Basics tem em seu celular um grupo de aplicativos, com Facebook e, por exemplo, Wikipedia, ESPN, o site de buscas Bing, que pode acessar de graça.


O projeto está em 63 países e cidades – grande parte dos participantes, na África. Mark Zuckerberg, fundador do Facebook, chegou a se encontrar com a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) para falar sobre o projeto.


Mas em 2016 o programa sofreu um de seus maiores revezes, com o banimento do programa na Índia, um dos maiores mercados consumidores do Facebook, sob alegação de que o Free Basics violava a neutralidade da rede.


Diante de repetidas acusações de que permite a circulação de notícias falsas, o Facebook tem anunciado uma série de medidas para combatê-las na rede. A empresa anunciou medidas como a inserção de logotipos dos veículos de mídia ao lado de artigos, o teste de um botão no feed de notícias que, ao ser clicado, oferece mais contexto aos usuários e a eliminação da possibilidade da customização de títulos e descrições de links, entre outras mudanças.
A empresa diz que “boatos, notícias falsas são ruins para nossa comunidade e tornam o mundo menos informado”. “Trata-se de um tema complexo, e todos – empresas de tecnologia, mídia, academia, governos e organizações não-governamentais – temos a responsabilidade de buscar soluções para o tema.”


Cidadania

Críticos ao zero rating também dizem que a prática viola o Marco Civil da Internet, lei que regula o uso da internet no Brasil, e fere a livre competição, já que privilegia alguns aplicativos.


O Marco Civil da Internet estabelece que o acesso à internet é “essencial ao exercício da cidadania”. “Mas uma enorme porcentagem da população, por causa de suas condições econômicas, não têm possibilidades de ter acesso livre à internet. Têm, portanto, uma cidadania limitada. São cidadãos de segunda classe”, afirma Belli. Ele lembra que para fazer o imposto de renda é preciso estar conectado à rede. “Você pode falar o dia todo no WhatsApp, mas não pode pagar impostos. É um serviço público essencial e o acesso é pago. Mas para o WhatsApp, é patrocinado.”
O texto da legislação também defende a “neutralidade de rede”, estabelecendo que “o responsável pela transmissão, comutação ou roteamento tem o dever de tratar de forma isonômica quaisquer pacotes de dados, sem distinção por conteúdo, origem e destino, serviço, terminal ou aplicação”.


Segundo o SindiTelebrasil, zero rating não viola o Marco Civil da Internet, que definiu “um conceito de neutralidade de rede que não se confunde e não veda a prática de zero rating”.


O Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) arquivou em setembro de 2017 um inquérito administrativo aberto contra contra Vivo, Tim, Claro e Oi, que investigava práticas comerciais discriminatórias e a suposta violação à neutralidade da rede por meio de zero rating. A denúncia havia sido feita pelo Ministério Público Federal.


No processo, a Vivo se manifestou dizendo que “não possui relação de exclusividade com as empresas objeto de suas políticas comerciais, e permanece aberta a negociar em termos isonômicos com qualquer outra empresa que tenha interesse em ser parte de políticas similares”. A Anatel informou que “além de gerar ganhos de eficiência, a prática de preços diferenciados denunciada pelo MPF não produz efeitos limitadores da capacidade de inovação e do caráter disruptivo do mercado de provimento de conteúdo, e, por este motivo, não criaria barreiras à entrada no mesmo”.


Em sua decisão, o Cade afirmou que o zero rating pode, ao contrário do que estimular notícias falsas, estimular a busca por outras fontes de informação: “Por serem os aplicativos mais acessados mesmo antes das promoções [os aplicativos ofertados pelas operadoras], é natural supor que, na ausência de tais ofertas, os usuários continuariam a utilizar grande parte da franquia de dados contratada para navegar em tais conteúdos. Por essa perspectiva, pode-se inferir que a oferta de gratuidade no acesso a esses sites teria o efeito de poupar a franquia de dados contratada, que poderia ser utilizada, portanto, para experimentação de novos aplicativos e conteúdos. Sob esse ponto e vista, as práticas analisadas poderiam fomentar o acesso a outras fontes de informação, gerando incentivos ao consumo de outros conteúdos e aplicativos”.


Belli, da FGV, diz que não é contrário a todas as técnicas de zero rating. “Poderiam patrocinar uma classe inteira de aplicativos. Todos os de mensagem, todas as redes sociais, e assim o consumidor poderia escolher”, sugere.
Para Córdova, pesquisadora de Harvard, “o certo seria baixarem o preço de acesso à toda a internet”.


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