Rio Branco se tornou uma cidade muito perigosa, com índices crescentes e alarmantes de assassinatos, principalmente de rapazes jovens. Os números assustam e o perigo assombra a todos que vivemos aqui.
A situação não é muito diferente no restante do Acre e do Brasil, ainda que os números da capital acreana sejam proporcionalmente maiores que os de grande parte do país, inclusive maiores que os de capitais de mais visibilidade midiática como o Rio de Janeiro ou Fortaleza, por exemplo. O crime organizado em facções regionalizadas saiu do controle do aparato de Segurança Pública e agora guerreia entre si para a conquista de territórios. Isso é o que assistimos nos jornais da TV e acompanhamos na internet diuturnamente.
O diagnóstico comumente apresentado tem sido de que a lei brasileira é frágil e que a Polícia prende e a Justiça solta. E os remédios postos em discussão são a pressão por redução da maioridade e pela facilitação à população do acesso e porte de armas.
Faz pouco mais de dez anos eu migrei da carreira acadêmica, onde ensinava para alunos de engenharia, para atuar no meio policial como Perito Criminal da Polícia Federal. Um cargo que me pôs mais próximo da questão Segurança Pública e me permite acompanhar a evolução da criminalidade, principalmente no âmbito local.
Assim, comecei a me questionar, talvez pelo vício herdado da academia, sobre o que interfere ou determina realmente no aumento da criminalidade e não permite o recrudescimento da barbárie associada às facções instaladas por aqui. Não me convencem nem os argumentos e nem os remédios postos, que me parecem simplistas demais para um problema de bastante complexidade. Daí que tenho usado, este ano, muito do meu tempo livre para conversar com outros personagens que atuam no cenário da Segurança Pública no Acre.
Mapeei rapidamente as instituições independentes que estão diretamente ligadas à área, com o intuito de direcionar minhas conversas com pessoas que trabalham em cada uma delas. Só da estrutura estadual do Poder Executivo, encontrei seis unidades do governo diretamente envolvidas na segurança:
Afora outros órgãos estaduais, como Detran e Bombeiros, municipais, como os Conselhos Tutelares, a RBTrans e fiscalizações de costumes (obras, finanças etc) e federais como as polícias Federal e Rodoviária Federal e o Exército Brasileiro, que em área de fronteira oferece também ações de segurança. E há ainda o Ministério Público, estadual e federal, como promotor das ações penais e controlador das atividades da polícia judiciária e o Poder Judiciário, em especial por suas varas de execução penal, que integram a máquina pública voltada à segurança da sociedade e dos cidadãos.
Mas há algo errado nesse sistema que uma infinidade de estudos recentes vêm demonstrando: a proporção de solução de crimes é muito baixa, a prisão provisória se estabeleceu como regra e o sistema penitenciário é caótico.
Constituiu-se uma máquina com muitas partes que não funcionam em conjunto, provocando um enorme desperdício de meios e energia para produzir um resultado pífio.
Há gargalos que me parecem culturais e cuja mudança implica ora na forma de se entender a justiça pela sociedade, ora na forma de se conduzir os procedimentos por seus agentes. Nesse pacote eu incluo o ímpeto vingativo que atribuímos ao sistema penal, nos preocupando mais com a extensão da pena e do encarceramento que com a ressocialização do indivíduo. Também o modelo cartorial e burocratizado da fase investigativa, que tira celeridade da polícia judiciária exatamente nas fases de produção das provas e comprovação da dinâmica, autoria e materialidade dos crimes.
Ainda que as taxas de aprovação da pena capital não sejam plenas, há um sentimento generalizado de que o apenado, em uma unidade penitenciária, perdeu o direito à sua condição humana e que merece o tratamento que não damos nem aos nossos animais domésticos. Isso reflete não somente nas taxas de ocupação das unidades prisionais, mas também em muitos outros aspectos de seus projetos físicos, qualidade das construções, adequação dos espaços às diversas atividades internas e aos diversos tipos internados, dimensionamento das equipes de trabalho, procedimentos de higiene entre muitos outros temas. Um ambiente fértil para que os próprios presos tenham que se organizar e garantir suas condições mínimas de sobrevivência.
Queixas de diversos governos estaduais sobre a dificuldade de utilização dos fabulosos recursos retidos no Fundo Penitenciário Nacional – FUNPEN são rebatidas pelos gestores do Ministério da Justiça com o argumento de que os projetos encaminhados, quando há, são incompletos e muito ruins.
Mas também há gargalos de origem meramente funcional e administrativa. Onde, acredito, que a máquina precisa de um projeto novo e integral, onde as engrenagens de uma parte se ajustem perfeitamente às das demais. Um exemplo é a pulverização de setores governamentais que tratam da segurança e justiça, cada um deles instrumentalizado por um grupo político e com pouca ou quase nenhuma interlocução entre si.
Outro exemplo é a total independência entre a polícia ostensiva, militarizada, geralmente a que prende, e a polícia judiciária, de caráter civil, que formaliza a detenção e instrui (morosa e ineficientemente) a investigação do crime. Deriva daí muito do discurso de que “a Polícia prende e a Justiça solta”, amplificado com o advento das Audiências de Custódia implementadas exatamente com o intuito de proteger os indivíduos dos abusos autoritários dos agentes públicos.
Da mesma forma há uma distância enorme, do ponto de vista operacional, entre os procedimentos de inteligência voltados à investigação criminal, pelas policias judiciárias, e o acompanhamento dos apenados do sistema prisional, em especial aqueles em regime aberto que cumprem medidas alternativas, seja com uso de tornozeleiras ou impedimento de frequência a locais específicos, entre outras. Ou seja, não se controla/previne efetivamente a rescindência, a não ser por flagrantes, nem o financiamento dos sistemas ilícitos que governam a maioria dos presídios.
Talvez minhas constatações aqui tenham sido por demais óbvias, porém não vislumbro, ao menos localmente no Acre, essa discussão acontecer com um mínimo necessário de profundidade. Não acredito que armar cidadãos seja o caminho para reduzir o crime. Eu próprio somente ando armado, há mais de um ano, quando desempenho efetivamente de minha atividade policial. Nem para casa levo arma porque, nesse ambiente de extrema insegurança, somente me poria como alvo e portador de um objeto de desejo do agressor. Porém também não acredito que a proibição da posse, cujos pressupostos já são bem definidos na legislação nacional, e o modelo vigente, altamente discricionário, de emissão do Porte de Armas sejam soluções importantes.
Hoje o caminho que vejo a ser perseguido é o da profissionalização e integração dos procedimentos de investigação, inteligência e produção de provas, na área policial, a organização e qualificação do sistema prisional e, principalmente, a despartidarização da máquina pública da Segurança. Servidores provisórios, terceirizados, estagiários demais e um exército de comissionados não funcionários é um veneno para o foco num trabalho eficiente e de qualidade.
Roberto Feres é engenheiro civil e perito da Polícia Federal
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