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Amores líquidos e amizades sólidas em tempos de redes sociais

Por
Charlene Carvalho

Sou daquelas pessoas que ainda gostam de Zygmunt Bauman. Não me jogue pedras, me mande flores! Gostava mais antigamente, gosto menos hoje, mas ainda gosto. Claro, não há como não citar Amor Líquido seu escrito mais famoso no Brasil. Os que leram e os que não leram sua obra quase sempre se referem a ele através deste texto. Talvez porque, entre outras centenas de coisas, ele nos ensine no fim do prefácio: “Este livro é dedicado aos riscos e ansiedades de se viver junto, e separado, em nosso líquido mundo moderno.”


Tenho vários amigos “amigos” de Bauman E ele sempre me vem à mente quando um amigo, sempre depois de muitas cervejas na cabeça, me manda uma mensagem mais ou menos assim:


– Chá, como é o nome do nosso filósofo-preferido? A cachaça não me deixa lembrar o nome dele. O do amor líquido…


– Bauman?


– Isso! Bauman!


Sempre fico a observar as conversas que se desenrolam a partir dessa premissa, por me remontar à realidade de nossa vida moderna e reações à conectividade, distâncias, relacionamentos fugazes etc.. Nisso, quase sempre a defesa voraz da teoria de Bauman se faz presente. Em horas assim sempre lembro de minhas relações de amizades. As antigas, as novas, as frugais. As que se dispersam na rapidez de um delete e as que permanecem ainda que eu pise mil vezes no disco rígido da memória. E é disso que quero falar. Não vou aqui explicar em detalhes, fazer uma resenha do pensamento de Bauman. Até porque gostar do autor não significa conhecer seu pensamento ao ponto de destrincha-lo. E não, não tenho elementos para isso.


Sugiro aos que por isso se interessam, que o conheçam melhor. Detenham-se em seus pensamentos, deleitem-se nessa bela fonte inspirada em Baudelaire, Walter Benjamim e Bronislaw Malinowski (os antropólogos pira), a esquerda delira e a direita sofre, mas Bauman faz parte da nossa realidade global e pouco atualizada.


Essa é naturalmente mais uma daquelas minhas colunas-malucas-com-viagem-na-maionese, uma vez que essa é minha especialidade. Bauman era só uma desculpa pseudo-intelectual para começar o texto. O que quero mesmo é falar sobre amizade, amor, vidas conectadas, almas irmãs que se encontram e partilham o pão e debulham o milho. Almas que percebem a importância e o valor do companheirismo de todas as horas, de amar, dar e receber.


Na vida moderna a gente constrói ou destrói amizades na velocidade de um clique na rede social. Basta um desfazer a amizade, um unfollow ou um block. E pronto! Era uma vez uma amizade. Aliás, um parêntese aqui para dizer: amo blocks. Amo o poder que ele dar de não precisar mais me conectar com o outro e odeio a possibilidade do outro me bloquear e me devolver a maledicência virtual na mesma moeda (é bitcoin que fala, né?). Com o o block a gente dá “adeus” àquela pessoa impertinente que nos magoou, nos traiu ou simplesmente deixou de ser importante por uma série de pequenos motivos. E se com um block ferres, lembre-se que com um block poderás ser ferido. Amizade em tempo de rede social é assim. Sorry…


Como dizia, apenas um clique e já era a melhor amizade da última semana. Duro, mas essa é a pura verdade. Há muitas teorias sobre vida virtual e vida real, mas creio que a pressa, o stress do dia-a-dia, muitas vezes nos leva a excluir amizades como se exclui spam na caixa de e-mail (quem ainda usa caixa de e-mail? Só eu? Juraaa?? Poxa vida…). Obviamente isso não é legal.


É duro, doído reconhecer, mas vivemos um mundo em que se vive tudo muito rápido, de forma muito intensa. E como ondas no mar, as coisas vão e vêm na velocidade do vento. E esse vento mudou, inclusive, a forma como as amizades se fazem e desfazem no mundo virtual.


Na aurora de 2018, amigos mais próximos já não são mais definidos nos seguidores do Twitter como no longínquo 2008, (lá se vão 10 anos, meu pai!) ou nos amigos adicionado no Facebook nos últimos 12 meses. Moderno, que é moderno tem sua lista de amigos prioritários 24 horas conectados e plugados no WhatsApp. Se for moderno do vera tem Telegram funcionando e não só quando o Whats baleia (palavra antiga de rede social, hein?), já deixou de usar Skype há décadas, mas sabe mexer direitinho no Zoom.


Mas é lá no Whats, querendo ou não, que a gente separa e faz definição da amizade nas conversas privadas e em grupo. Quanto maior o grupo, mais difusa e confusa a amizade, já que hoje participamos cada vez mais de grupos com pessoas que não conhecemos e jamais conheceremos.


Em compensação, grupão que é grupão tem um subgrupo e o subgrupo tem um outro subgrupo, que forma outro, outro e assim por diante, até restarem no máximo três. Sim, grupo bom é como cordão de três dobras, meu bem!! Quanto menor a lista, mas íntima, mais preciosa. Ou pelo menos a gente acha que assim deve ser, embora nem sempre seja.


Mas há uma questão a ser ressaltada: nem todas as amizades são virtuais ou acabam em um clique. Amizade que é amizade tem que ser desdobrável (como bem diz Adélia Prado) e cada vez mais sólida, sabe por quê? Porque não se resume a um bate papo no smartphone de madrugada ou às 7h da manhã do domingo se houver necessidade. Amizade muitas vezes precisa de um “olhos no olhos”, para dizer o que se pensa, ainda que doa, e assim manter a relação no prumo, no rumo, sem invadir a privacidade alheia, sem fazer concessões absurdas, cedendo sempre que necessário e somente cuidando uns dos outros, para que nenhum caia e amizade permaneça como nos velhos tempos.


Quando a amizade é verdadeira, o cuidado é genuíno, real, palpável e palatável, a rede não se desfaz quando a internet cai, a energia vai embora e a bateria começa a dar sinais de que está acabando (acabou a bateria acabou o amor, sabe como é, né?). Não é essa conexão corriqueira, maleável que Bauman tanto questiona. É a conexão mais profunda, a união de almas irmãs. Irmão Sol. Irmã Lua (São Francisco está cada dia mais na moda). Reações entre pessoas que decidiram acreditar em seus sonhos, em favorecer a amizade apesar da distância e da correria do dia-a-dia, mas que não abrem mão da convivência. Amizades assim são, na realidade, amores sólidos que não se dissolvem com o calor do verão, que não se dissipam como uma nuvem passageira e nem com as discordâncias corriqueiras. Porque são como a casa firmada na rocha.


Nesse mundo contemporâneo e high-tech, onde a vaidade e o egoísmo imperam, saber que podemos contar com amigos fiéis e sinceros, torna a caminhada leve e o jugo suave. Como diz Bauman, “sem humildade e coragem não há amor. Essas duas qualidades são exigidas, em escalas enormes e contínuas, quando se ingressa numa terra inexplorada e não-mapeada. E é a esse território que o amor conduz ao se instalar entre dois ou mais seres humanos.”


Sou grata a Deus pelas amizades sólidas que tenho. Inclusive a sua!!!


Bom dia!!


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Charlene Carvalho

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