Aníbal Diniz*
Recebi, no final de 2017, a honrosa incumbência de substituir eventualmente o conselheiro Juarez Quadros do Nascimento na presidência da Agência Nacional de Telecomunicações – Anatel. Entendo que essa nova missão, conferida pela unanimidade de meus pares, coroa a postura colaborativa que tenho adotado na busca das soluções mais adequadas para as questões importantes que dizem respeito ao setor e que impactam diretamente na vida das pessoas que cada vez mais dependem das telecomunicações no seu dia-a-dia.
A Anatel foi criada nos idos de 1997 com uma visão futurística e inovadora. Nessa trajetória de vinte anos de incontáveis conquistas, a Agência mantém sua missão perene de guardar a governança da regulação do setor de telecomunicações, que se renova a uma velocidade de difícil acompanhamento. Não há dúvida de que a essencialidade de vinte anos atrás, a telefonia fixa, foi sendo superada por outras tecnologias e acabou dando lugar ao mundo digital. A demanda por internet em banda larga fixa e móvel para a recepção e transmissão de dados a velocidades cada vez maiores é o grande desafio do momento.
Avançamos na expansão das redes móveis com a adoção dos compromissos de abrangência nos últimos leilões de radiofrequência, que possibilitaram a chegada do 3G a praticamente todos os municípios, a maior parte deles hoje cobertos também pela tecnologia 4G. Mas ainda existem falhas de cobertura pelas quais as operadoras são frequentemente cobradas e sancionadas. Alteramos o regulamento do Serviço de Comunicação Multimídia para que os provedores com até 5 mil assinantes sejam dispensados de autorização e apenas comuniquem à Anatel onde estão prestando serviço. O Plano Geral de Metas de Competição, que é instrumento fundamental para o desenvolvimento e competitividade do setor, também está sendo revisado. E no fechamento de 2017 houve a aprovação do Plano de Recuperação Judicial da Oi, que teve acompanhamento preciso tanto da área técnica quando do conselho diretor da Anatel, sempre com absoluto zelo pelo interesse público.
É certo que 2018 será um ano atropelado pela fervura do calendário eleitoral, tanto no plano nacional quanto nos estados, e pela euforia da copa do mundo na Rússia, onde a seleção do técnico Tite busca a superação do trauma vivido em 2014 no Brasil. O mês de janeiro já passou, mas há quem diga que só a aprovação das novas diretrizes no caso Martiniano, atinente ao tema da reversibilidade, ocorrida na primeira reunião do conselho diretor, a partir do voto aglutinador do presidente Juarez Quadros, garantiu por antecipação o sucesso do ano regulatório. Além de afastar as diretrizes que apontavam para a tese patrimonialista, o acórdão prevê para 2018 tanto a consulta pública quanto a deliberação final sobre o regulamento de controle de bens reversíveis, ansiosamente aguardado pelas concessionárias do setor.
Muitos outros assuntos regulatórios terão atenção especial em 2018, alguns deles sob a nossa relatoria. Já no primeiro trimestre planejamos levar à consulta pública o Regulamento de Fiscalização Regulatória, que mudará de forma significativa a fiscalização e o sancionamento setorial. Será um marco para a atuação da agência, uma vez que abrirá horizontes para uma atuação responsiva, onde a correção de uma infração em benefício da sociedade terá absoluta prioridade.
O novo regimento interno proporcionará atuação mais célere e eficiente. Também entregaremos o Centro de Altos Estudos em Telecomunicações – Ceatel, que já foi submetido à consulta pública e, quando implantado, oportunizará espaço de aprimoramento para todo o quadro funcional e pode se constituir numa referência em estudos regulatórios em telecomunicações no futuro. O Regulamento Geral de Interconexão – RGI também se constitui num importante item da nossa agenda e será fundamental para facilitar e ampliar negócios entre as prestadoras, aproveitando a evolução tecnológica para reduzir custos.
Além dos temas constantes da agenda regulatória, considero imprescindível que haja um esforço coordenado para a revisão do modelo de concessão do STFC, que é a popular telefonia fixa prestada em regime público, cujas obrigações de universalização continuam impondo severas restrições às operadoras concessionárias. As pessoas em todas as regiões do país clamam por banda larga fixa e móvel, e o órgão regulador tem o poder-dever de propor ao Poder Executivo uma política pública compatível com os anseios da atualidade. Nesse sentido é que estamos conduzindo o relatório do Plano Estrutural de Redes de Telecomunicações – PERT, que terá três missões estratégicas: identificar a infraestrutura existente; apontar as áreas mais deficientes para onde as políticas públicas devem ser direcionadas e identificar as fontes de recursos para financiar os projetos, encontrando uma forma legal de usar os fundos para o desenvolvimento e universalização das telecomunicações que o setor arrecada.
Há temas como o uso eficiente do espectro com a definição da faixa que será destinada à tecnologia 5G, a internet das coisas (IOT), que cada vez mais ocupará espaços nos fóruns setoriais daqui para frente. O leilão da sobra de espectro da faixa de 700 MHZ, que está sendo preparado pela área técnica e já anunciado pelo presidente Quadros constitui-se em agenda positiva e mobilizadora do setor. Mas teremos que nos dedicar à busca de medidas regulatórias e legislativas para o pleno desenvolvimento da internet das coisas no Brasil, uma vez que os milhões ou bilhões de dispositivos inteligentes a serem conectados não poderão conviver com a taxa de habilitação hoje praticada.
Vivemos num ambiente em que as mudanças ocorrem de forma cada vez mais acelerada. O que conhecemos e a regulação que aplicamos hoje podem não fazer o menor sentido amanhã. A Anatel precisa estar à frente no sentido de identificar as tendências do mercado, mas, ao mesmo tempo, não pode se arriscar a aplicar regras por antecipação porque não temos nenhuma segurança quanto às falhas de mercado que surgirão com as novidades tecnológicas. O melhor é que o mercado amadureça por conta própria, que os prestadores de serviços satisfaçam às exigências sempre crescentes dos consumidores, e que o órgão regulador só atue onde realmente se fizer necessário.
A aproximação da Agência com os órgãos que cuidam de inovação e temas correlatos, como a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial – ABDI, Rede Nacional de Pesquisa – RNP, a Telebrás, a Câmara e o Senado com suas comissões de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática, o CPQD, o próprio MCTIC e muitos outros órgãos públicos e entidades privadas será fundamental para que alcancemos nossos objetivos em 2018, que passam por possibilitar as condições para que a internet de banda larga chegue ao maior número possível de residências e esteja acessível à maioria dos brasileiros.
É incrível como a Exposição de Motivos EMC Nº 231/MC da Lei Geral de Telecomunicações permanece atual quanto aos desafios a serem superados:
“…A necessidade de adotar uma regulamentação que permita que as operadoras possam reagir rapidamente aos imperativos do mercado e da evolução tecnológica, oferecendo assim toda gama de serviços de telecomunicações exigida pela sociedade, não significa que não se deva conferir peso adequado ao papel social das telecomunicações. Num país como o Brasil, com grau inadequado de atendimento à demanda, deve continuar sendo um objetivo central da política governamental a oferta à sociedade de serviços básicos de telecomunicações em toda a extensão do seu território, de forma não discriminatória, com atributos uniformes de disponibilidade, acesso e conectividade, e a preços satisfatórios. De uma forma ampla, o que se pretende é criar condições para que o progresso das tecnologias da informação e das comunicações possa efetivamente contribuir para mudar, para melhor, a maneira de viver das pessoas…”
É nossa responsabilidade mantermos elevado o nível das discussões em torno da atualização do arcabouço regulatório diante das transformações que o setor de telecomunicações vem experimentando. E o ano de 2018 pode ser um marco importante na busca de soluções inovadoras que harmonizem o interesse do mercado com a demanda crescente da cada vez mais exigente sociedade brasileira.
* Aníbal Diniz, 55, conselheiro da ANATEL. Graduado em História pela UFAC, atuou no jornalismo acreano na década de 1980, foi diretor de jornalismo da TV Gazeta (1990 – 1992), secretário de comunicação da Prefeitura de Rio Branco (1993 – 1996), secretário de comunicação e assessor especial do Governo do Acre (1999 – 2010), senador pelo Estado do Acre (Dez/2010 – Jan/2015). Relator da comissão de avaliação do PNBL na Comissão de Ciência e Tecnologia – CCT do Senado em 2014.