A criminalização da violação às prerrogativas dos advogados, garantidas por lei, será um avanço para o direito de defesa no Brasil, na opinião de Erick Venâncio, membro do Conselho Nacional do Ministério Público.
Para ele, a batalha do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil para tentar a aprovação do projeto que prevê a punição em alguns casos, atualmente em tramitação no Congresso, é “fundamental”. “Hoje fazemos um desagravo, manifestamos o veemente repúdio, mas deve haver uma sanção”, disse, em entrevista à ConJur.
O advogado acriano foi indicado ao CNMP pela OAB e tomou posse em setembro deste ano. Antes disso, representava a entidade no colegiado, mas sem direito a voto. Segundo Venâncio, o aumento da paridade entre membros do MP e da advocacia dentro do colegiado seria importante não só para a categoria, mas para toda sociedade.
Atual ouvidor nacional do MP, defende a integração de todas as ouvidorias no país para que o sistema funcione melhor. Os órgãos, diz, “podem ser instrumentos de efetiva transformação e produção de melhorias para o Ministério Público, tanto na atividade-fim quanto na administrativa”.
Leia a entrevista:
ConJur — O CNMP estabeleceu que os ministérios públicos têm de divulgar os salários dos promotores, mas cada um resolve como vai ser essa divulgação. O que o senhor acha disso?
Erick Venâncio — Existem procedimentos de controle administrativo tramitando em relação a MPs que não têm sido transparentes, descumprindo as determinações do conselho. O ideal é que a divulgação seja feita se resguardando a segurança necessária, pois sabemos que tem casos em que isso se torna extremamente difícil. Por exemplo, promotores que atuam no combate ao crime organizado. Ressalvadas essas exceções , a divulgação deve ser feita da forma mais transparente possível, como determina a lei.
ConJur — O que fazer com os vários auxílios dos procuradores e promotores?
Erick Venâncio — Falarei especificamente do auxílio-moradia. É difícil sustentar a manutenção desse auxílio de forma indiscriminada, que pode desvirtuar seu caráter indenizatório. Relatei um caso em que o Plenário do órgão decidiu que o membro do MP não pode receber auxílio-moradia se o cônjuge já tem o benefício e more no mesmo local. É difícil ir de encontro aos interesses das entidades de classe, mas temos que mostrar que a pauta é absolutamente negativa ao Ministério Público.
ConJur — O CNMP tem cumprido bem o seu papel?
Erick Venâncio — O órgão tem demonstrado que é possível atuar tanto auxiliando a gestão administrativa, o planejamento estratégico das unidades, quanto na questão correcional. Além disso, temos julgado processos importantes. Após críticas da magistratura e da advocacia, mudamos a Resolução 181/2017, do próprio CNMP, que permitia a promotores e procuradores desistirem da persecução penal, por conta própria, em troca da confissão de suspeitos de crimes sem violência ou grave ameaça. A regra ainda admite os acordos, mas devem sempre passar por análise prévia do Judiciário.
Garantimos o acesso do advogado, mesmo sem procuração e independentemente de fundamentação, a autos de procedimento de investigação criminal, encerrados ou em andamento, previsão que não aparecia na versão original da resolução.
ConJur — Na sua opinião, o MP pode fazer esses acordos?
Erick Venâncio — Sim, desde que haja o controle judicial e as garantias do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa. E também a possibilidade de a pessoa que está firmando o acordo ser acompanhada por um advogado.
ConJur — O papel disciplinar do CNMP é mais importante do que o de gestão?
Erick Venâncio — A questão deve ser definida de acordo com a necessidade da instituição, jamais uma escolha. Nas correições e demandas que recebemos é que vamos identificar os problemas de cada unidade e qual viés o órgão deverá adotar em relação ao problema.
ConJur — O CNMP é corporativista?
Erick Venâncio — Todo conselho tem sua pauta corporativista, mas acredito que o órgão não tem se guiado nesse sentido. Cito novamente o caso da Resolução 181, que é algo bastante caro ao Ministério Público brasileiro. Houve uma discussão aprofundada e diálogo permanente para se tentar construir a possibilidade de o MP atuar dentro daquilo que ele entende ser sua atribuição constitucional, com a preservação de outros interesses, inclusive com os da advocacia, de proteção às prerrogativas profissionais e ao direito de defesa.
ConJur — A OAB deveria ter mais representantes no Conselho?
Erick Venâncio — Quando se iniciou a discussão a respeito de controle externo, tanto do Ministério Público quanto do Judiciário, pretendia-se uma representação paritária, mas hoje não temos isso. Creio que a advocacia tem uma representação relevante tanto aqui quanto no CNJ, mas poderíamos avançar ampliando essa paridade, o que seria muito importante não só do ponto de vista da classe, mas de toda sociedade.
ConJur — O senhor e o conselheiro Leonardo Accioly, também indicado pela OAB, apresentaram uma proposta que estabelece condições para se processar o advogado parecerista…
Erick Venâncio — Por ela, os membros do MP devem demonstrar elementos que indiquem a presença da intenção dolosa a justificar que o advogado responda a processo penal ou de improbidade. Advogados têm sido processados pelo simples fato de terem emitido parecer, uma opinião técnico-jurídica. É crime de hermenêutica. Ou seja, membros do MP estão fazendo aquilo que tanto questionaram quando se discutiu a lei de abuso de autoridade.
ConJur — Advogados reclamam muito do desrespeito às prerrogativas por parte do MP.
Erick Venâncio — Accioly e eu estamos atuando de forma a equilibrar mais a atuação do advogado com o Ministério Público, trazendo efetivamente paridade de armas. Estamos recebendo o que a advocacia tem encaminhado, quais são as prioridades, as grandes questões que envolvem a atuação do advogado, notadamente na defesa das prerrogativas profissionais.
ConJur — O senhor é a favor da criminalização da violação das prerrogativas?
Erick Venâncio — Essa é uma batalha correta da OAB e fundamental. Não podemos continuar com uma norma que garante inúmeras prerrogativas aos advogados, mas não pune quem as viola. Hoje fazemos um desagravo, manifestamos o veemente repúdio em relação àquela violação, mas deve haver uma sanção. A Lei 13.245/2016 já estabelece, por exemplo, que o condutor da investigação que não agir de acordo com o que ali está estabelecido em relação às prerrogativas profissionais está sujeito inclusive à investigação criminal. Entendo que que isso deve ser aperfeiçoado. O projeto que tramita no Congresso, se aprovado, será um grande avanço no direito de defesa
ConJur — Qual é a receptividade dentro do CNMP em relação a esse projeto?
Erick Venâncio — Obviamente, os membros do Ministério Público, em sua imensa maioria, não concordam com a criminalização da violação de prerrogativas. Entendem que o tipo, inevitavelmente, vai ser aberto, mas isso é uma diferença de perspectiva e de visão de como as coisas se estabelecem.
ConJur — Alguns membros do MPF, principalmente os que atuam na “lava jato”, têm feito manifestações à sociedade por pressão sobre investigações. Esses pedidos não afrontam a presunção de inocência?
Erick Venâncio — Uma resolução do CNMP prevê os limites da manifestação dos membros em redes sociais, por exemplo. Grosso modo, devem estar vinculadas à atividade desenvolvida pelos membros e não veicular opinião político-partidária. O CNMP tem atuado para coibir a manifestação que extrapola os limites do razoável e aquilo que está previsto tanto na legislação quanto nos normativos internos do órgão que tratam especificamente dessa matéria.
ConJur — Como tem sido o trabalho do senhor à frente da ouvidoria nacional do MP?
Erick Venâncio — O sistema de ouvidorias merece maior atenção porque não há forma mais direta e franca de chegar ao MP a informação acerca daquilo que o cidadão pensa da atuação do órgão. Por isso temos que oferecer um atendimento mais eficiente. É uma parte da estrutura que não pode ser simplesmente decorativa. As ouvidorias, se bem aproveitadas, podem ser instrumentos de efetiva transformação e produção de melhorias para o Ministério Público, tanto na atividade-fim quanto na atividade administrativa. Tenho trabalhado forte para integrar todas as ouvidorias do Ministério Público. Essa será a prioridade.
ConJur — Como o senhor avaliaria a condução da procuradora-geral, Raquel Dodge, na condução dos trabalhos do CNMP?
Erick Venâncio — Ela tem dado bastante atenção ao conselho, trazendo, inclusive, novas temáticas para apreciação do colegiado, como as voltadas à proteção aos direitos humanos.
Fonte: Conjur
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