O termo acima não é meu. É do rabino Nilton Bonder. Uso seus conceitos do maravilhoso “Tirando os sapatos – o caminho de Abrahão, o caminho para o outro”, para uma reflexão natalina necessária. Ao menos para mim.
Sou dos que acreditam que existe um caminho, mas ele não é um meio. Ele é o fim. É o caminho para si. E no meio caminho, como me ensina Bonder, não há endereço, só o chamado. Deus convocou Abrahão. Esse é o chamado primordial dos judeus. Deus nos enviou Jesus. Ele, por sua vez nos chamou: “eu sou o caminho a verdade e a vida…”
Abrahão saiu da terra de Ur dos Caldeus para a terra que Deus lhe mostrou, Canaã para os judeus, Levante para os seus filhos de muitas raças e tribos.
Jesus não nos mostrou o caminho. Ele é o caminho. E no seu chamado para caminharmos juntos, o que espera é que possamos ir aos confins da terra levando sua palavra.
Natal é o nascimento desse chamado sem endereço. Não importa para onde vás. Importa seguir Jesus. Ao nascer na manjedoura em Belém da Judéia e da Palestina, Jesus fez brilhar a estrela que conduziu os três reis magos ao estábulo da cidade de Davi. Seu objetivo, assim como o do Pai, não é a terra apenas, mas o ir, o “vai” para os judeus, o “ide” para os cristãos. Sempre foi. Sempre será. Ele morreu para nos salvar. Ressuscitou para nos levar à presença do Pai. E alcançarmos essa presença quando caminhamos com ele. E com o próximo.
Na terra somos todos peregrinos. Os que vão e os que se estabelecem, como eu, nos confins da terra. Lá ou cá, precisamos nos atentar para o fato de que a caminhada nos dá acesso ao outro, ao diferente. E ao acessarmos nosso interior, assim acessando o outro, nos transformamos. Ali acessamos também “a terra do possível, de um futuro que não tem que ser uma sina, o cenário de nossas certezas, mas um futuro nunca antes imaginado, repleto de esperança.” (Bonder)
Aqui há que se ter a consciência de que precisamos nos desnudar… tirar os sapatos ( “tira teus sapatos de teus pés; porque o lugar em que tu estás é terra santa”) para essa peregrinação diária se faz necessário. Comumente sempre buscamos mais o sagrado, a comunhão, o Deus de Abrahão, Isaque e Jacó, em períodos de festas como Natal e Páscoa. Mas Cristo nos ensina que sagrado é todo o tempo. E por ser sagrado, melhor que peregrinos que somos, caminhemos descalços.
Nossas regras e condutas são nossos sapatos. Precisamos tirá-los. Acredito nisso porque acredito, também, que o chão é o pavimento da vida. Um pavimento que não se ajusta à nossa pisada. O solo sagrado pode nos ferir, mas nos redime ao ponto de encontrarmos o verdadeiro sentido da vida, o verdadeiro sentido do Natal. E aí deixamos de sermos nós e buscamos o outro que está entre nós. E não podemos esquecer que nessa viagem, bagagem não é necessária. Podemos ir de Gol ou de Tam pagando preços abusivos, mas Jesus nos lembra que Ele, e apenas ele, que é no caminho a verdade e a vida, nos basta no caminhar, porque se bebermos da água que ele nos dar, nunca mais teremos sede.
Caminhar com Jesus é o que importa e o seu banquete, não custa lembrar, é sempre compartilhado. Com o outro. Com os outros! Eu sei que se esse outro é próximo é sinal de problemas, mas lembre-se: É Natal!!! Seja mais tolerante! Não esqueça que a casa que habitamos não é nossa. Ela também é compartilhada. E o outro, bem, o outro tem lá seus senões conosco e ainda assim compartilha a jornada.
Por fim, não esqueça que somos apenas poeira de vento. Não somos nada exceto pó da terra, o solo sagrado que pisamos de pés calçados para não sentirmos a força que dela emana. Bonder ensina, e eu creio, que na perspectivava da fé, seja ela qual for, a identidade sagrada está nos pés descalços, que sentem a dor da caminhada íngreme, atenuada pelos sapatos ( a identidade mundana). Por isso não esqueça: quanto mais confortáveis seus sapatos, mas distantes estás do solo sagrado que te conecta com o Pai, o Filho e o Espírito Santo. E conectamos com Ele, podemos nos conectar com o outro. “Deixar seu próprio sapato e, gradativamente calçar o sapato do outro, nos permite partilhar o pão.”
Que seu Natal seja repleto de bençãos e alegrias compartilhadas. Que sua Ceia seja a comunhão do verdadeiro espírito natalino, o nascimento do Cristo que vive e reina em nós. E no outro!
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