O promotor de Justiça Rodrigo Curti, da 10ª Promotoria de Justiça Criminal da 1ª Vara do Tribunal do Júri fez revelações preocupantes sobre a escalada da violência e o número de homicídios no Estado do Acre até o final do mês de novembro. De acordo com ele, 461 homicídios foram registrados, uma taxa de 55,5 homicídios para cada 100 mil habitantes. “Se o Acre fosse um País, ele seria o 4° País mais violento do mundo. Estatisticamente, é mais fácil você ser assassinado aqui do que na Síria, um país em guerra com terroristas”. Curti acredita que a segurança não pode ser politizada.
A reportagem de ac24horas procurou o promotor para ele comentar os números alarmantes de execuções de pessoas que ocorreram em todo o Estado. Rodrigo Curti afirma que a principal causa para o alarmante crescimento da violência no Estado, seria a falta de investimentos pesados em equipamentos e qualificação de servidores da segurança pública para fazer o combate adequado à criminalidade. “A culpa não é dos valorosos membros das polícias do nosso Estado, se não fossem eles, a coisa poderia estar pior. O que falta é investimento em equipamentos, qualificação técnica dos nossos agentes de segurança e inteligência para investigar e chagar aos autores das atrocidades”.
A politização e transformação da questão da segurança em um palanque eleitoral para os diferentes grupos partidários que disputam o poder no Estado seria um equivoco, acredita o promotor. Para ele, cada um dos entes federativos teria que fazer sua parte para garantir a segurança da população do Estado, deixando questões partidárias em segundo plano. Para Rodrigo Curti, a melhor estratégia seriam os investimentos para colocar as policiais sempre um passo à frente dos grupos criminosos que buscam espaço. O promotor descarta que as audiências de custódia interfiram no trabalho das policiais do Estado quando a questão é o combate ao crime.
Rodrigo Curti afirma que apenas acusados flagrados cometendo de pequenos delitos passam pelas audiências de custódia. O promotor afirma ainda que “há muito que o crime deixou de ser uma exclusividade dos bairros periféricos da capital para ser uma realidade nossa. Tá batendo na nossa porta. Faço um desafio aos leitores dessa matéria: quem nunca foi vítima de um crime nessa cidade? Se não foi, conhece alguém ou um membro da família que foi. É lamentável. Hoje sair de casa em Rio Branco é uma loteria, você não sabe se vai ser assassinado, ou você não sabe se vai ser assaltado”, ressalta.
Questionado sobre os assassinatos e que a grande parte estaria sendo atribuída à guerra de facções, o promotor foi enfático: “Você pode atribuir à guerra de facções muito bem, mas eu te garanto que a quantidade de meus inquéritos policiais não traduz isso. Eu não vejo que é a guerra de facção que está matando. Eu vejo execuções, acertos de contas, tráfico e muitas pessoas assassinadas inocentemente, muitas pessoas assassinadas por engano. Esse é o perigo. Quando você não quebra essa corrente, ou seja, quando você favorece a impunidade ou tem essa sensação de impunidade, o criminoso vai se sentir à vontade para praticar o crime”.
Para Curti, um exemplo que a impunidade gera lucro para os criminosos seria o número de homicídios. “Olha que custo benefício excepcional, 461 homicídios e somente 35 denúncias, 35 elucidações. Isso é vantajoso, meu amigo. Qual o comércio, qual a empresa que tem um lucro desse? Questiona. O promotor citou a questão do julgamento de acusados de realizar decapitações de pessoas, para demonstrar que acontecem execuções por engano. “Um foi pego por engano, não era o cara, eu acompanhei a instrução do processo. Pegaram o cara, acharam que era parecido. Ele deu azar de estar com uma das pessoas que tinha problema com a facção rival”.
O promotor criticou o ponto de vista de pessoas que justificam os assassinatos como uma guerra particular de criminosos. “Esse é o problema, você estar incentivando a impunidade. Esse é o problema de tapar o sol com a peneira e não reconhecer a gravidade do problema que hoje não é só bandido matando bandido, não é só guerra de facção não. Pessoas inocentes estão morrendo no meio dessa fictícia, dessa pseudo guerra que justifica todos esses assassinatos, mas a realidade dos nossos inquéritos não é isso. A motivação é o tráfico de drogas. Se mata por mínimos detalhes, por uma dívida de drogas de 10, 15 reais – se mata pelo ponto da venda da droga – se mata porque eu tive uma discussão – se mata porque eu comecei a namorar com a namorada do cara que está preso – se mata por qualquer coisa. Há, mas é bandido que está matando bandido. Não é assim, são pessoas, são vidas humanas. É essa a sociedade que nós queremos? É esse tipo de Justiça, esse tipo de comportamento que nós vamos aceitar e fazer vista grossa para o fato de as pessoas estarem se matando nos bairros periféricos? Cadáveres estão sendo encontrados nos ramais, boiando nos rios. É isso que nós queremos? Questiona Rodrigo Curti.
Ele acredita que as autoridades não podem fechar os olhos para a onda de execuções nas cidades acreanas. “São vidas humanas. Quando eu incentivo, quando eu faço vista grossa para esse tipo de comportamento criminoso, primeiro que eu não estou dando o devido respeito à vida humana, porque todos são seres humanos. Segundo, pessoas inocentes podem estar morrendo nessa luta de facções. Terceiro, que tipo de Justiça nós queremos? A Justiça das barbáries, a Justiça com as próprias mãos onde a pessoa não tenha o direito da dúvida, o direito sequer de expor suas razões? Se mata por qualquer coisa, a vida se se banalizou no Estado do Acre”, ressalta.
Rodrigo curte destaca que as pessoas que moram na periferia que são as que mais sofrem com as deficiências na segurança pública. “Os moradores da preferia são as maiores vítimas dos criminosos. Como é que elas estão se sentido lá? Alguém foi lá perguntar para Dona Maria, que mora no Belo Jardim – para seu João, que mora na invasão do caladinho – alguém foi perguntar para o seu Zé, que mora na Sobral, como eles se sentem tendo que sair de manhã cedo para trabalhar, para ganhar seu sustento honestamente, se eles voltam para casa à noite sem medo de serem assaltados em seus bairros, de ter que pagar pedágio, ou tomar um tiro de uma bala perdida numa troca de tiros entre traficantes? Alguém foi perguntar para essas pessoas o que elas estão sentindo?
Voltando a falar das execuções que aconteceram ao longo de 2017, Rodrigo Curti destaca a sensação de medo vivenciada pela população e relembrou a época de atuação do esquadrão da morte no Estado. “E o que os clientes passaram no Araújo com uma pessoa correndo atrás de outra com uma arma na mão? Como eu já disse, os assassinatos estavam restritos a eles, os criminosos, mas pessoas inocentes começaram a morrer. Quando baterem na nossa porta, depois não venham reclamar porque esse é o tipo de segurança que nós criamos. Então, bandido está matando bandido, deixa eles se matarem é uma faxina social, mas esse tipo de comportamento é muito perigoso, porque se eu começo a justificar que bandido mata bandido, eu vou justificar, inclusive, o renascimento de algo muito perigoso que nós já tivemos no Estado do Acre”, disse Rodrigo Curti.
Números que ultrapassam países em guerra
O promotor de Justiça informa que os números de homicídios que ele cita fazem parte do observatório de dados do MPACA. “Quando eu falo que, se Acre fosse um país, ele seria o 4° país mais violento do mundo é com base em dados. A Síria tem uma taxa de 28 homicídios para cada 100 mil habitantes e é um país que está em guerra. O Acre tem uma taxa de 55,5 homicídios para cada 100 mil habitantes e é considerado um pequeno estado. Quero deixar claro que não estou entrando em discurso político. Eu quero apenas contribuir, colocar meu ponto de vista, da forma como nós promotores do Tribunal do Júri enxergamos a situação. Para nos, toda vida é importante. A segurança da sociedade está acima de tudo, e nós estamos aqui para lutar, para defender o direito das pessoas de viver. É esse nosso trabalho é por isso que a gente se preocupa muito com esse número alarmante homicídios e a impunidade que tomou conta da nossa sociedade. Crime é uma questão de lucro, se você não prende quem está praticando crime, o criminoso está lucrando e se está lucrando, ele vai continuar fazendo. É uma questão econômica que não nos interessa”, finaliza Rodrigo Curti.
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