Fonte: Os verminosos por Futebol
O futebol é um dos campos onde o preconceito sexual está mais enraizado culturalmente no Brasil. Para quebrar essa lógica, o Rio de Janeiro receberá no próximo sábado (25) a 1ª edição do campeonato brasileiro de futebol gay. O nome fará um trocadilho com o mais rico torneio de clubes no mundo: é a Champions LiGay.
O campeonato contará com oito times gays de seis cidades do país, todos militantes da inclusão LGBT no futebol. Participarão as equipes BeesCats e Alligaytors (Rio de Janeiro), Futeboys e Unicorns (São Paulo), Bharbixas (Belo Horizonte), Bravus (Brasília), Magia (Porto Alegre) e Sereyos (Florianópolis).
A organização é da LiGay Nacional de Futebol, entidade fundada em agosto, no Rio. O campeonato será realizado no Complexo Esportivo Rio Sport Center, na Barra da Tijuca, de 12h às 19h, com festa prevista para a partir das 19h.
Será um torneio de futebol soçaite, com as regras do Fut7 – seis jogadores na linha e um no gol, com máximo de 16 atletas por equipe. Todos eles gays, enfatiza a organização. “Já que é um torneio para provar que gay pode jogar futebol, criamos essa restrição ‘técnica’”, explica André Machado, líder do BeesCats e da LiGay, organizador do torneio.
Confira abaixo uma entrevista com André. Ele fala sobre o preconceito contra gays no futebol e antecipa os planos para a Champions LiGay, que voltará em 2018. E mais, os melhores jogadores devem vestir em breve a camisa amarelinha!
Verminosos por Futebol – Como surgiu a LiGay Nacional de Futebol?
André Machado – A LiGay foi fundada por BeesCats (RJ), Futeboys e Unicorns (SP), após um mini torneio entre as equipes disputado em julho em São Paulo, a Taça Hornet. Nos juntamos e fomentamos a criação de novos times Brasil afora. Quatro novas equipes nasceram desse movimento (Bharbixas-MG, Sereyos-SC, Bravus-DF e Alligaytors-RJ). O BeesCats venceu o torneio que deu origem a LiGay, mas Unicorns, Futeboys, Magia e Alligaytors são boas apostas para a Champions LiGay.
Verminosos – Os jogadores são todos gays? Pode ser bi?
André – Todos os jogadores são gays. Já que é um torneio que levanta a bandeira de visibilidade para provar que gay pode jogar futebol sem problema, criamos essa restrição “técnica”. Acredito que ninguém queira trapacear. O torneio é amistoso, então não precisa inscrever “gatos”. De gatos já bastam os jogadores bonitos (risos). Pode ser bi, se o jogador for gay bi. Se for hétero bi, não pode. Sim, existem variações de bi.
Verminosos – Por que a preocupação com a presença de héteros nas equipes?
André – Misturar jogadores héteros perderia o sentido da causa, que é dar luz ao tema. Inclusive, esperamos que em breve não seja preciso mais fazer movimentos como esse de criação dos times inclusivos, pois gays poderiam jogar normalmente pelo Brasil sem se preocuparem com gracinhas ou atos homofóbicos. Vamos confiar nas equipes. Mentira tem perna curta, se algum time tentar enganar os outros, cedo ou tarde a verdade virá à tona. E aí o time que trapaceou será excluído permanentemente da liga.
Verminosos – Vocês viveram histórias de preconceito no futebol?
André – Vários jogadores das equipes sofreram preconceito quando eram mais jovens. Muitos deixaram de jogar futebol por causa do bullying que sofreram na escola. Encontrar um ambiente acolhedor e seguro para a prática do futebol, junto com seu estilo de ser, é o principal propósito da criação desses times inclusivos. O ambiente em que você pode dar a pinta que quiser sem ter alguém olhando torto para você. Outro ponto importante é a questão da falta de habilidade de algumas pessoas. No futebol gay não importa se você é bom ou ruim, estamos todos lá para nos divertir e nos integrar. O jogar bem ou jogar mal fica em segundo plano. Mesmo as disputas mais ríspidas ou discussões são deixadas de lado.
Verminosos – Tem alguma diferença no jogo entre dois times gays?
André – Tem sim. É um jogo mais leal, sem discussão ou reclamação por alguém não jogar tão bem. Até porque esse movimento é para exorcizar o trauma que muitos têm do bullying de infância e que os afastaram do futebol. E também é um ambiente seguro em que você pode ser quem você é sem medo de repreensão ou mesmo agressão verbal. Pode ser o que você quiser. Como a vida deve ser. Mas, apesar disso, na Champions LiGay com certeza a habilidade de vários jogadores irá surpreender os torcedores. É claro que não deixaremos de lado toda a irreverência e a liberdade que são exclusivas do jeito de ser dos gays.
Verminosos – Há uma percepção geral no Brasil de que, proporcionalmente, mais homens héteros do que gays gostam de futebol. Isso é mito ou verdade?
André – Sem dúvida existem muito mais héteros do que gays apaixonados por futebol, mas não é só porque existe matematicamente mais héteros do que gays na sociedade. Um dos motivos dessa disparidade é o fato dos gays serem afastados da prática esportiva no futebol quando pequenos. Esse público acaba migrando para outros esportes ou atividades. E, então, os héteros não apenas dominam o território, como também rechaçam qualquer chance de uma pessoa se revelar gay. Quando não há um apoio, cria-se o desinteresse, e assim não existe a prática. Com o surgimento dos times inclusivos, é impressionante o número de boleiros que surgem para praticar futebol. Uma galera muito boa de bola que estava desamparada, ou mesmo não havia lapidado todo seu talento.
Verminosos – Vocês cogitam lançar no futuro uma edição de futebol feminino gay também?
André – Já dá muito trabalho organizar apenas o masculino (risos). Os BeesCats passaram a aceitar mulheres em seus encontros às sextas-feiras, e faz parte de nosso objetivo de inclusão. Um dos times que eu mais admiro são os Meninos Bons de Bola, de São Paulo, uma equipe formada por jogadores trans, ou seja, meninas que viraram meninos e são mesmo bons de bola.
Verminosos – Quais os planos para a Champions LiGay no futuro?
André – A Champions LiGay deverá acontecer algumas vezes ao ano, com a segunda edição já garantida para abril de 2018, em Porto Alegre. A ideia é criar um calendário de eventos, cada vez com mais times, e um desses novamente no Rio de Janeiro. E um projeto que já está na nossa mira é a disputa do World Gay Games, uma espécie de Olimpíadas da Diversidade, que ocorrerá em agosto de 2018, em Paris, com mais de 15 mil atletas. Levaremos algumas equipes e uma seleção da LiGay.