Para Marina Silva, o Brasil mudou de patamar. Foi do fundo do poço para o poço sem fundo. Chegou às profundezas porque tomou gosto pela polarização. Prestes a decidir sobre sua participação na terceira campanha presidencial consecutiva, a estrela da Rede Sustentabilidade disse numa entrevista ao blog que Lula e Jair Bolsonoro, bem-postos nas pesquisas, reforçam o flagelo da cisão do país. Afirma que eles “acabam sendo cabos eleitorais um do outro”. Lamenta que os “projetos de poder” restrinjam o debate sobre um “projeto de país”.
O repórter perguntou a Marina se a estratégia de Lula de realçar pontos positivos de seu governo em contraposição às mazelas éticas que já lhe renderam uma condenação a 9 anos e meio de cadeia seria uma versão pós-moderna do ‘rouba, mas faz.’ Marina soou como se concordasse com a tese. E aprofundou o raciocínio: ”Antes, a gente tinha essa ideia do rouba, mas faz. Mas agora isso virou uma profusão de nomenclaturas. Tem gente que diz rouba, mas é amigo. Rouba, mas é de esquerda. Rouba, mas é de direita. Rouba, mas está fazendo as reformas. Isso não pode acontecer.”
Tecnicamente empatada com Bolsonaro na segunda colocação das pesquisas, Marina ainda não assume formalmente sua condição de candidata. Mas fala sobre 2018 como se já estivesse a um passo do palanque. “Em breve, estarei manifestando a minha posição. Há um desejo na Rede de que tenhamos uma candidatura própria. Não preciso ter falsa modéstia. O desejo é de que haja a minha candidatura. Assim como há também na sociedade. Mas a gente não pode ir pela lógica do poder pelo poder. Encaro política como um serviço. E, como serviço, você tem que prestar onde ele é necessário.” Não parece preocupada com a escassez de meios da Rede. “Se Davi tivesse olhado para sua funda nunca teria enfrentado o gigante.”
Na disputa presidencial de 2014, Marina roçou o segundo turno. Sua candidatura definhou depois de sofrer um bombardeio do marketing da campanha de Dilma Rousseff. Acha que foi derrotada por uma organização criminosa?, indagou o repórter. E Marina: “As organizações criminosas estavam presentes, porque a Lava Jato está mostrando isso. Dinheiro do caixa dois, da Petrobras, dos fundos de pensão, do Banco do Brasil, de Belo Monte, da venda de medidas provisórias. O que apareceu nas investigações mostra que houve dinheiro da corrupção envolvendo as duas campanhas, tanto de quem ganhou como de quem foi para o segundo turno [Aécio Neves].”
Instada a declarar o que faria de diferente se chegasse à Presidência, Marina esboçou o perfil de um “governante republicano”. Acha que sobreviveria ao impeachment? “A Dilma gravou até um programa [na campanha de 2014] mostrando porque eu seria cassada. Só tinha trinta e poucos deputados, não tinha a maioria no Congresso. […] Ela chegou a ter mais de 400 deputados na sua base de sustentação. Não é quantidade que mantém alguém no poder, é a qualidade.” Numa referência à atmosfera de bazar que marca as relações de Michel Temer com o Legislativo, Marina pisou no calo do sucessor de Dilma: “Pagar para ter maioria não é governar, é praticar crimes.”
Marina respondeu a um comentário que Ciro Gomes, presidenciável do PDT, fizera sobre ela. ”Não tô vendo a Marina com apetite de ser candidata”, dissera Ciro. “Não vejo ela com energia. E o momento é muito de testosterona. Não elogio isso. É mau para o Brasil, mas é um momento muito agressivo e ela tem uma psicologia avessa a isso.” Em timbre mais acomodatício do que bélico, Marina pespegou: “Ele fez uma crítica ao hormônio que ele representa. Logo, cheguei à conclusão de que o que está sendo necessário, talvez, seja uma visão mais acolhedora das coisas, uma visão que tenha uma noção de cuidado.” Arrematou: “Para mim, o poder não é motivo de apetite. Quem tem muito apetite pelo poder acaba sofrendo de indigestão com ele. Eu tenho mesmo é compromisso com o Brasil.”
No segundo turno da campanha presidencial de 2014, Marina declarou apoio a Aécio Neves. O que sentiu quando o senador tucano, pilhado pedindo R$ 2 milhões a Joesley Batista, foi pendurado de ponta-cabeça nas manchetes? “Quando eu vi a conversa do Aécio, tive a mesma sensação da conversa em que a Mônica [Moura, mulher do marqueteiro João Santana] relatava em relação à presidente Dilma, passando dicas para que os marqueteiros não fossem pegos pela Justiça. Não há diferença nenhuma. Quando as pessoas que têm a mais alta responsabilidade de representar a República resolvem sabotar a República, a gente tem que parar para pensar e começar a dizer: nós precisamos refundar a República.”