Símbolos da retomada das grandes obras de infraestrutura no País, as hidrelétricas de Jirau e de Santo Antônio levaram quase uma década para ficarem prontas. Em meio a atrasos, polêmicas e brigas judiciais, foram quase R$ 40 bilhões investidos nas duas usinas – que são, respectivamente, a quarta e a quinta maiores do Brasil. Mas, agora que estão finalmente concluídas, com suas 100 turbinas em operação, descobriu-se que uma falha técnica pode limitar boa parte da geração de energia das hidrelétricas pelos próximos dois anos.
O diagnóstico foi concluído somente no mês passado pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), que determinou uma redução de até 1.600 megawatts do potencial total das usinas – o suficiente para atender cerca de 5 milhões de pessoas – sob risco de causar um blecaute nas regiões Sul e Sudeste do País.
A origem do problema está em uma estrutura chamada “eletrodo de terra”, um aterramento de dezenas de barras de aço que tem a função de manter o equilíbrio das linhas de transmissão das duas usinas do Rio Madeira, redes que carregam energia por 2,4 mil km de distância, de Porto Velho (RO) até Araraquara (SP).
Em testes recentes, o ONS percebeu que o aterramento simplesmente foi construído em cima de um grande bloco de granito, situação que compromete totalmente o funcionamento, porque eleva a intensidade de energia, em vez de reduzi-la. O resultado disso pode ser a queima de transformadores, por exemplo.
Essa estrutura de segurança entra em operação quando há paralisações em um dos linhões de transmissão. Por conta do problema, o ONS concluiu que poderia haver riscos de blecautes em situações que exigissem o desligamento de um dos bipolos (dispositivo com dois terminais acessíveis, por meio do qual flui a corrente elétrica) que transportam energia do Rio Madeira.
“Realmente, isso foi uma surpresa para nós. É uma situação inédita no sistema”, disse ao Estado o diretor-geral do ONS, Luiz Eduardo Barata. “O local foi aprovado por nós. A concessionária IE Madeira (dona do projeto) usou os mesmos procedimentos para instalar seu outro eletrodo em Araraquara e não teve problemas. Mas encontrou essa situação geológica no terreno de Porto Velho. O solo tem granito e apresenta alta resistência. Então, é preciso buscar outro local.”
Em vez dos 6.300 megawatts (MW) de potência planejados para sair de Rondônia e chegar ao interior de São Paulo, o ONS determinou que a carga máxima não poderá ultrapassar 4.700 MW. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) confirmou que o problema, associado aos critérios de segurança adotados pelo ONS, “pode causar limitação no escoamento de energia do complexo do Madeira” e que convocou a concessionária IE Madeira e o ONS para apresentarem explicações e alternativas para resolver o problema.
A concessionária terá de procurar outro terreno em Porto Velho, comprar a área e refazer o projeto. A estrutura pode custar até R$ 60 milhões. O ONS já determinou que, até dezembro de 2019, as limitações de entrega de energia de Jirau e Santo Antônio continuarão. Segundo a Aneel, “o projeto e sua execução são de total responsabilidade da concessionária, que deve disponibilizar as instalações de transmissão em plena capacidade, conforme estabelecido no contrato de concessão”.
A concessionária IE Madeira, controlada pela empresa ISA Cteep, está em busca de outra área em Porto Velho para construir seu novo eletrodo de terra. A estimativa é de que a construção do novo aterramento vai custar entre R$ 45 milhões e R$ 60 milhões. O tempo de obra leva cerca de seis meses, mas é preciso incluir nesse cronograma etapas como desapropriação, aquisição da terra, licenciamento ambiental e testes.
Seis áreas já estão sendo estudadas para receber a nova estrutura. O objetivo é que o terreno, que tem a dimensão aproximada de um campo de futebol, fique fora da “mesa” de granito que, conforme se descobriu depois dos problemas ocorridos com o eletrodo, está presente em boa parte do subsolo de Porto Velho.
Uma empresa de geologia foi contratada para encontrar o melhor local e, segundo o diretor técnico da IE Madeira, Jairo Kalife, a empresa está em busca de alguma falha geológica no solo, onde o granito esteja quebrado.
“Foi uma surpresa e tanto. Essa mesa de granito está a alguns quilômetros de profundidade. É uma composição rochosa enorme. Prospectamos toda a região e constatamos que 90% da área em volta de Porto Velho é imprópria para essas estruturas”, disse. “Só descobrimos essa fragilidade agora, quando fomos fazer os testes com toda a potência das usinas.”
A companhia nega qualquer responsabilidade sobre as restrições de transmissão determinadas pelo ONS. Apesar dos problemas com o eletrodo, Kalife disse que as limitações para a geração das duas usinas não têm nenhuma relação com a questão no aterramento, mas sim com outras estruturas do sistema que ainda não foram concluídas em Araraquara, além de critérios de segurança impostos pelo Operador.
“Nossos bipolos podem transmitir toda a energia, sem falhas. Existem outras limitações em Araraquara que fazem com que o ONS não queira assumir riscos maiores”, disse Kalife, destacando que o linhão já chegou a operar em março a plena carga, mesmo após o ONS ter identificado a falha na estrutura.
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