Em um país em que 90% das mulheres transexuais são profissionais do sexo, Rubby Rodrigues, 30 anos, moradora da periferia de Rio Branco, é inspiração e, ao mesmo tempo, uma exceção. Em sua luta por respeito e reconhecimento, ela transpôs mais um obstáculo e protagoniza um capítulo importante da história do Ministério Público do Estado do Acre (MPAC).
Estudante de Gestão de Recursos Humanos, ela é a primeira transexual contratada pela instituição. A decisão é inédita entre as unidades do Ministério Público brasileiro e foi anunciada na terça-feira, 1, pelo procurador-geral de Justiça, Oswaldo D’Albuquerque Lima Neto, durante a abertura da XI Semana da Diversidade, ocasião em que o MPAC lançou a cartilha ‘ O que você precisa saber sobre Direitos LGBT’.
“Pra mim é uma conquista tão grande, que quase não acredito. O mercado de trabalho não aceita ou não compreende a transexualidade. Eu já fui a uma entrevista de emprego e a pessoa que ia me entrevistar ria de mim, e nessa hora, você tem que se manter firme porque a gente vai ouvir muita coisa: que aquele trabalho é difícil, é pesado, mas na verdade sabemos que não é nada daquilo. Muitos não acreditam na nossa capacidade”, comenta.
Com a contratação, Rubby passou a trabalhar no Centro de Atendimento à Vítima (CAV), onde há cerca de um ano esteve como vítima, após sofrer tentativa de homicídio pelo companheiro. Agora, retorna empenhada em acolher pessoas, que como ela, foram vítimas de crimes contra a mulher ou que tenham motivação homofóbica, que fazem parte do público-alvo do órgão.
Para a procuradora Patrícia Rêgo, coordenadora do CAV, o ingresso de Rubby no MPAC tem valor simbólico. “É difícil você ver mulheres transgêneros ou travestis ocupando posições de destaque ou mesmo no serviço público. O gesto do procurador-geral mostra e dar o exemplo daquilo que a gente, enquanto Ministério Público, tem procurado afirmar: que todos são iguais perante a lei, independente de cor, credo ou raça, orientação sexual e identidade de gênero”, diz.
Independente da questão de gênero, nós somos humanos
A frase da transexual faz parte do relato da agressão praticada pelo então namorado, a partir de quando teve o primeiro contato com o MPAC. Ela foi trancada no quarto, espancada e as agressões só terminaram quando desmaiou no estacionamento do condomínio onde morava. Os vizinhos presenciaram, mas nenhum quis intervir. “Talvez eles me vissem como um homem e que poderia me defender sem a ajuda de ninguém”, conta.
Rubby sofreu um corte profundo na cabeça, entre outras lesões. Na Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam) só conseguiu registrar o boletim de ocorrência três dias após sua primeira ida à unidade. No hospital, onde fez exame de corpo de delito, também enfrentou preconceito.
“Eles me olhavam como um homem vestido de mulher, não como uma pessoa que tinha sido agredida, ninguém perguntou se eu tinha nome social, como gostaria de ser chamada”, conta.
Um desabafo nas redes sociais fez com que o caso chegasse ao conhecimento do CAV. Uma equipe do órgão esteve na casa de Rubby e a partir de então o Ministério Público passou a acompanhar o caso. No ano passado, ela viu seu agressor ser condenado com base na Lei Maria da Penha, numa decisão inédita e que teve repercussão nacional.
Atuação do MPAC fortalece causa LGBT
No âmbito do MPAC, existe uma recomendação determinando que travestis, transexuais e todas as pessoas que não tenham identidade de gênero reconhecida sejam identificadas pelo nome social no órgão. A medida deve ser adotada no tratamento pessoal, cadastro de dados, comunicação interna, identificação funcional e na inscrição para eventos promovidos pela instituição.
Há ainda, uma recomendação, expedida pela 13ª Promotoria de Justiça Criminal, para garantir que mulheres transexuais e travestis vítimas de violência doméstica e familiar sejam atendidas na (Deam).
Além disso, no Senado Federal, tramitam duas propostas de alteração legislativa, sugeridas pelo CAV e apresentadas pelo senador Jorge Viana, que contemplam a comunidade LGBT.
A primeira inclui travestis, transsexuais e transgêneros entre as pessoas protegidas pela Lei Maria da Penha. A outra prevê que não apenas os casos de violência contra a mulher, crimes contra a dignidade sexual contra crianças e adolescentes registrados na rede pública sejam informados à autoridade policial, como também os registros que envolverem pessoas com identidade de gênero feminina como vítimas.
“A Rubby tem sido um símbolo de uma grande transformação social, em um momento em que trocamos a cultura do ódio pela cultura da paz, pela cultura do amor. O Ministério Público do Acre está empenhado em garantir dignidade e respeito a todas as pessoas, independente de questões de gênero”, ressaltou o procurador-geral Oswaldo D’Albuquerque.