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A primeira entrevista da vida do Tota

Por
Nelson Liano Jr.

Fui morar em Cruzeiro do Sul, em 2003, a convite do empresário James Cameli para montar uma programação na Juruá FM. Em pouco tempo a rádio se tornou um grande sucesso regional. Foi exatamente nessa época que conheci o João Tota. Ele era suplente de deputado federal e houve algum problema com o titular da cadeira e poucos meses depois, naquele mesmo ano, Tota assumiu o mandato de federal.


Um dia chegou um emissário do Tota, então recém deputado assumido, me convidando para uma festa na sua fazenda. Eu nunca tinha ouvido falar nele naquele momento. Me contaram a sua história de que já havia sido prefeito nomeado de Cruzeiro do Sul, quando o município ainda era área de segurança nacional, nos tempos do Governo Militar, por estar em área de fronteira e já tinha sido deputado federal outras vezes. Como além de comunicador eu era também diretor da emissora achei que seria politicamente correto aceitar o convite.


Era um sábado de muito calor e lá fui eu para almoçar na famosa fazenda do deputado federal João Tota para conhece-lo. Nunca vou me esquecer desse dia. Deveria ter mais de 300 convidados de todas as classes sociais na festa. Um farto churrasco era servido e uma coisa me chamou a atenção. Em todas as mesas tinham garrafas de uísque da melhor qualidade servido aos convidados. Naquele calor equatorial do Juruá as pessoas bebiam o scotch como se fosse um suco de frutas. Me lembro ainda que depois de horas de churrasco chamaram a todos para “almoçar”. Pensei com a minha cabeça de sulista: “Meu Deus o churrasco é apenas uma entrada”. Lá estava uma mesa farta com carneiro, leitoa, peixe e todo tipo de iguarias gastronômicas preparadas com carinho pela dona Maria das Vitórias, esposa do Tota. As festas na sua fazenda de porteiras abertas eram assim, uma fartura sem fim.


Durante a festa o Tota me chamou para conversar. Me serviu um uísque muito raro, envelhecido por 60 anos, que parecia mais um licor de malte. Uma coisa inacreditável. Lá estava eu no meio da Amazônia participando de uma festa com as melhores bebidas e comidas às margens do rio Môa.


Conversamos por algum tempo sobre política. Imaginei que a intenção de ter sido convidado era porque o então deputado federal tinha a intenção de cativar espaços na rádio para divulgar o seu mandato. Puro engano. Descobri nesse dia que Tota, já com uma carreira política consolidada, não dava entrevistas. Me contaram que nas suas campanhas quem falava por ele era a sua esposa dona Maria das Vitórias, que já tinha sido secretária de Estado e também deputada estadual.


Me tornei amigo do Tota naquele dia, o que não era difícil. Depois nos encontramos várias vezes em Cruzeiro do Sul. Conversávamos sempre muito a respeito da política acreana. O paraibano Tota com a sua alma imersa na realidade do Juruá, me contava sobre os personagens políticos. Histórias sobre a formação política do Juruá e do Acre. Ele me revelava quem era quem, as coisas boas e ruins.


Mas como todo jornalista eu também queria conseguir uma pauta inédita. O fato do Tota não dar entrevistas me fazia querer muito entrevista-lo. Um dia nos encontramos na Praça do Centro Cultural de Cruzeiro do Sul e enquanto tomávamos uma Coca-Cola convidei Tota para um bate-papo ao vivo na Juruá FM. Ele muito educadamente não aceitou o convite. Me disse que não era o seu estilo e revelou que temia ficar nervoso diante dos microfones. Então argumentei: “Deputado fica tranquilo. Será uma coisa parecida com esse momento. Esqueça os microfones. A gente toma uma Coca-Cola no estúdio e vamos conversando como se estivéssemos aqui nessa praça”. Tota riu das minhas argumentações e me prometeu que se um dia desse uma entrevista seria pra mim.


Passaram-se alguns dias e para minha surpresa Tota me telefonou. “Nelson prepare uma Coca-Cola para gente ter aquela nossa conversa na rádio”. E assim aconteceu. Tota chegou na Juruá FM no horário combinado para dar a primeira entrevista da sua vida no programa Juruá, Música e Informação que eu apresentava. Uma Coca-Cola no estúdio e conversamos por quase uma hora ao vivo. Ao final do bate-papo que teve a maior repercussão em Cruzeiro do Sul pelo seu ineditismo me lembro que disse a ele: “está vendo deputado, não doeu nada. O senhor se esqueceu que estava falando ao vivo para milhares de pessoas.”


Tota ficou muito feliz pela repercussão na cidade e por ter superado a barreira de falar publicamente já com mais de sessenta anos de idade. Essa entrevista bem sucedida nos tornou ainda mais amigos. Ele ainda me concedeu mais umas duas entrevistas, sempre com a Coca-Cola no estúdio, para caracterizar a nossa conversa informal.


O ex-deputado e prefeito talvez tenha sido um dos maiores anfitriões que conheci na minha vida. Ele costumava me dizer: “Nelson é um prazer te receber nas nossas festas na fazenda. Mas ficarei mais feliz ainda se você aparecer de surpresa lá em casa pra gente conversar”. A fazenda do Tota estava sempre aberta para os amigos. Não tinha eleição que os candidatos de todos os lados não aparecessem para pedir o seu apoio. Mesmo depois de ter abandonado a política.


Quando o Tota completou 70 anos de idade eu estava morando em Rio Branco. Claro que haveria uma daquelas memoráveis festas na sua fazenda. Ele me ligou algumas vezes para me dizer que fazia questão que eu estivesse presente. O destino facilitou as coisas e pude participar daquela celebração à vida e à alegria. O seu irmão poeta traçando versos no ar, uma banda de forró nordestina animando a dança e, como sempre, centenas de amigos de todos os lugares do Brasil.


Agora, o Tota viajou para a eternidade. Mas me deixou a certeza de uma vida bem vivida. Um homem que soube aproveitar os momentos fugidios de uma existência corporal que tem prazo de validade definido. Fica aqui a minha homenagem ao amigo que sempre me recebeu com amor e alegria na sua casa e um pedido ao Criador para que conforte a sua família e os milhares de amigos que o Tota soube cultivar nessa passagem de rabo de cometa pela vida.


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Nelson Liano Jr.

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