Dia 24 de novembro de 2016. Era para ser um dia comum de trabalho. Era. Foi nessa data que o subtenente da Polícia Militar do Acre, Adelmo Alves dos Santos, de 49 anos, pôs fim à vida do colega de farda Paulo Andrade, sargento daquela corporação que há poucas semanas prestava serviço na recepção do Comando Geral da PM.
Paulo, como nos demais dias, saiu de casa para o trabalho. Antes, havia falado com a mãe. Como de costume, tinha almoçado com ela– e isso acontecia quase que diariamente. Quando não ia no almoço, encostava para visitar a mãe pela noite.
“Paulinho”, como era chamado carinhosamente, era um filho exemplar, conta a mãe, a aposentada Josefa Andrade, de 77 anos. De família pobre, sempre trabalhou para ajudar em casa. Constituiu a própria família. Criou um filho. Paulo nunca desacreditou na geração de uma sociedade melhor e, nesse pensamento, se dedicava ao seu serviço diário: “servir e proteger” a sociedade.
Nesse final de semana, famílias se reúnem para celebrar o Natal. Não apenas isso: comemoram o nascimento, a vida. Para celebrar àquele [Jesus] que, como dizem os cristãos, “nasceu, sofreu e morreu numa cruz” para que todos pudessem ter a vida que gozam. Por longa data, Paulo Andrade saiu de casa e atuou para que as vidas de muitos desconhecidos ficassem a salvo.
Ironia ou não, bem disse a irmã mais velha de Paulo, a professora Inês Maia, de 49 anos, o sargento nunca imaginou que seria vítima de um amigo. Após muitos anos trabalhando nas ruas, Andrade sempre dizia aos familiares que se morresse atuando, defendendo as pessoas, morreria tranquilo, porque estaria fazendo o que lhe dava prazer. Tinha no rosto a expressão de amar a farda que vestia todos os dias.
Morte trágica, inesperada, polêmica e misteriosa. Aliás, nem mesmo a família sabe o que de fato aconteceu antes de Adelmo Santos atirar contra o Paulinho. Nem mesmo se sabe como o subtenente conseguiu retornar à ativa da Polícia Militar mesmo com histórico comprovado de agressões a colegas de farda e, ainda, de ligações com o uso de drogas ilícitas. Passam-se os 30 dias, mas a angustia permanece entre a família de Paulo Andrade.
A reportagem do ac24horas foi recebida na sala em que Paulo sentava com a família todos os dias. Numa casa ampla, gradeada, em um bairro de classe média, onde a mãe Josefa vive. E é ela quem mais tem sofrido nesses últimos trinta dias. “Só dorme quando toma remédio. Ela ficou muito mal com a morte do Paulinho porque ninguém espera algo do tipo. Foi uma morte trágica. Ela está sofrendo bastante. É o segundo filho que ela perde”, conta Inês Maia.
O CRIME
Segundo apurou o portal, à época do crime, Adelmo já havia chegado atrasado por diversas vezes ao trabalho. Por conta disso foi notificado, por escrito, que caso reincidisse nos atrasos e em posturas antiprofissionais poderia ser recolocado na reserva, ou seja, ele teria o contrato de trabalho cancelado. Adelmo, que era da reserva, voltou à ativa após a séria de atentados que ocorreram no Acre no segundo semestre.
O que se comenta nos bastidores- e é a versão da família e militares da PM-, naquele dia 24 de novembro Adelmo chegou novamente atrasado. Como obrigação, Paulo Andrade teria informado a Adelmo que iria anotar no boletim do plantão que havia ocorrido o atraso. Diante disso, o subtenente passou a agredir Andrade e atirou. Não houve chances de defesa. Paulo foi alvejado nas costas e morreu ali mesmo.
Não demorou muito e o Comando Geral da Polícia Militar tomou providencias drásticas. Além de abrir procedimento para investigar os fatos, afastou Adelmo, no dia seguinte ao crime, de todas as funções que por ele eram exercidas. Mas, o que chamou atenção foi o fato de que Adelmo já havia usado drogas e, mesmo assim, foi recolocado em ação, armado.
Sobre isso, o coronel Júlio Cesar, comandante da PM/AC, explicou: “A gente sabia que ele tinha se recuperado do uso da droga, a gente tinha esse laudo. Tínhamos essa ideia e estávamos fazendo o acompanhamento, mas, infelizmente, aconteceu esse fato e não tiramos a nossa responsabilidade”.
FAMÍLIA QUEBRA O SILÊNCIO
A posição de quem todos os laudos necessários à recontratação de Adelmo Santos estavam apresentados não foi engolida pelos familiares de Paulo Andrade. Eles contam que não tiveram, ainda, condição de ir em busca de novas informações sobre o processo administrativo, e que pelo fato de Santos já ter atirado contra um colega de farda já seria motivo suficiente para avaliar mais o retorno dele.
“A conduta dele já era reconhecidamente inadequada. Eu não acredito em um momento de fúria ou de inadequação. Meu irmão trabalhou mais de 20 anos nas ruas. Eu penso que se fosse na rua, seria mais compreensível, mas morrer como ele morreu, nessa situação, é diferente. Quem matou foi um marginal travestido de militar. E o pior: ele está na posição de defensor da sociedade”, lamenta a irmã Inês, emocionada.
Posição semelhante tem a mãe de Paulo Andrade. Para Josefa, há divergências entre a contratação e a permanência de Adelmo nas equipes da corporação. Ela pede que o caso seja profundamente apurado e os responsáveis punidos. Ela coloca os chefes da Polícia Militar em suspeição: “Quem é o responsável por isso? Ele precisa aparecer? Quem o colocou lá?”.
Josefa Andrade conta que nunca esperou passar esse natal sem o filho. Mãe de outros dois militares, a aposentada diz que agora o medo está multiplicado e que teme perder os outros filhos do mesmo jeito que perdeu Paulo Andrade. “Meu filho se foi assim… Tenho medo de que os outros também morrerem desse jeito. Não sabemos quem está ao nosso lado. Esse mundo não é mais o mesmo. Ele é duro, é doído”, desabafa.
“Vai ser difícil. Em toda minha vida me relacionei muito bem com ele. Quando ele não vinha um dia, eu já ligava. Agora, eu não esperava que um policial que trabalhou a vida inteira para dar segurança à sociedade, fosse morrer pelas mãos de um colega dele. Se já sabiam que ele [Adelmo] não era capaz [de atuar], porque o colocaram para trabalhar?”, questiona a mãe de Paulo Andrade.
COMANDANTE É CRITICADO
A irmã de Paulo Andrade, Inês Maia, e a mãe do sargento, Josefa Andrade, fizeram críticas ao comandante da Polícia Militar, coronel Júlio Cesar. Para elas, o discurso feito pelo comandante estava cheio de contradições. Isso porque, segundo contam, num primeiro momento o coronel afirmou que tinha conhecimento dos problemas de Adelmo e que inclusive, se sentia também responsável pela situação.
Acontece que, no outro dia, em conversa com a imprensa e colegas de farda, o comandante já não havia mais se posicionado de tal forma. “Queremos saber o que o coronel Júlio Cesar tem com essa contratação do Adelmo. Por que ele mudou de ideia e não se mostrou mais responsável pela situação? O que ele tem a ver com essa contratação do Adelmo? Queremos que ele nos explique isso!”.
INVESTIGAÇÕES EM CURSO
Além de Paulo, outros dois filhos de Josefa Maia são militares. Uma delas é a capitã Eliana Andrade, de 37 anos. Enquanto conversava com a reportagem do ac24horas, ela tentou ser o mais imparcial possível para tratar do assunto. E deixou claro logo que nos recebeu na casa da mãe dela: “vou falar como irmã. Não podemos confundir as coisas!”.
Questionada sobre o primeiro mês sem o irmão, Eliana se emociona e mostra que a maior preocupação dela tem sido com a mãe. Segundo ela, além de tratar a própria dor, há ainda a missão de amenizar –ou pelo menos tentar- a dor da matriarca da família. “Minha mãe dorme a custa de medicamentos. Eu também, meus irmãos. São duas dificuldades: uma que dói na gente, e outra que precisamos cuidar dela, e isso dói ainda mais em nós”, conta.
Sobre as investigações, Eliana explica que devido a todos os problemas ocorridos após a morte de Paulo, a família ainda não conseguiu entra de cabeça nos detalhes do processo administrativo aberto pela Polícia Militar. No final dele, Adelmo pode até ser expulso da corporação, perdendo inclusive os salários da aposentadoria.
“De fato, nós ainda não tivemos condição de nos aproximar do que fora feito administrativo e criminalmente sobre a morte do Paulinho. Sabemos até agora que ele [Adelmo] ainda está preso e que ele seja realmente investigado e julgado. Até o momento nós não tivemos nenhum contato com ele, nem com os familiares”, conta.
Antes de encerrar a entrevista, Eliana deixa claro que em nenhum momento Adelmo e Paulo haviam discutido antes do dia do crime. Paulo não seria de brigas, e é isso que mais revolta a família do sargento.
“Nada vai trazer de volta o nosso irmão, mas esperamos que a justiça seja feita e que nada disso fique em pune. O Paulinho nunca discutiu com o subtenente Adelmo. Eles não tinham nenhuma relação pessoal, extraprofissional. Esse crime aconteceu de forma grosseira, abrupta. Queremos apenas que tudo seja fielmente esclarecido, e ele saia dessa punido”, conclui a irmã.