A Fundação Nacional do Índio (Funai) fez duras críticas à veiculação de reportagem na “National Geographic”, repercutida pela imprensa nacional, com imagens de uma tribo indígena isolada no estado do Acre. De acordo com o órgão, trata-se de um desrespeito aos índios “que se mantém em isolamento por decisões próprias”. O autor das fotos, Ricardo Stuckert, se defendeu, ressaltando o caráter inesperado das imagens, enquanto o sertanista José Meirelles, que o acompanhava no momento do registro, reforçou a importância do material para a proteção dos povos indígenas.
“O teor invasivo do sobrevoo e, consequentemente, das fotografias pode ser percebido no semblante de terror dos indígenas e na postura de ataque ao empunhar arcos e flechas contra a aeronave”, criticou a Funai, em comunicado divulgado nesta sexta-feira. “Os efeitos de uma violência simbólica desse nível são social e culturalmente imensuráveis”.
Procurado pelo GLOBO, Stuckert se defendeu por e-mail, ressaltando que as imagens capturadas são fruto de um encontro inesperado em contexto jornalístico. “Em nenhuma hipótese houve intenção de desrespeitar ou invadir as tradições do povo indígena”, escreveu ele, ponderando que “sempre revelou uma profunda identificação com a cultura e a história dos índios brasileiros”. Stuckert também argumentou que realiza trabalhos fotográficos com os índios desde 1996 e tem “total consciência humanística da importância desses povos para o Brasil”.
A Funai também refutou o argumento de que a divulgação de imagens como as capturadas pelo fotógrafo Ricardo Stuckert contribuiriam à proteção das tribos, por chamar a atenção do público para o tema. Esse ponto foi destacado em entrevista ao GLOBO na quinta-feira pelo sertanista José Meirelles, que trabalhou por muitos anos na Funai e acompanhava Stuckert durante o sobrevoo. Meirelles informou ter conhecimento desses índios desde 1989, mas, até então, não havia motivos para dar visibilidade a eles, pois viviam em segurança, o que não acontece mais.
— Eles transitam na fronteira e, quando estão do lado do Peru, ficam expostos à ação de garimpeiros e madeireiros ilegais. Muitas vezes, acabam levando tiros — alertou. — E com as últimas sinalizações do governo brasileiro sobre a revisão de demarcações de terras indígenas e a falta de recursos na Funai, tememos que eles fiquem mais vulneráveis também do lado brasileiro.
Em uma nova entrevista nesta sexta-feira, Meirelles reforçou o argumento e disse que a Funai deveria “gastar energia com outras coisas”:
— A ameaça a esses povos não é passar lá em cima tirando foto, mas sim caçadores e pescadores ilegais quem entram nas matas e, em muitos casos, atiram contra os índios e ninguém fica sabendo.
Para a Funai, esse tipo de trabalho “atende somente aos interesses de venda de notícias sensacionalistas, não segue estratégias de proteção territorial e se omite diante dos direitos dos povos indígenas”.
“Prova disso é o fato de que o trabalho foi realizado à revelia dos trâmites necessários ao controle de acesso a Terras Indígenas, inexistindo autorização de ingresso ou observância do direito de imagem, o que configura violação de direitos fundamentais preconizados na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho”, afirma a nota.
O órgão destaca que a legislação indigenista tem mecanismos de proteção aos povos indígenas isolados e de recente contato, “de maneira que a Funai tomará providências para a devida responsabilização dos autores e envolvidos, assim como para o resguardo dos povos indígenas em questão”.
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