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“Ideias conservadoras defendidas hoje foram tidas como folclóricas até 2010”

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Por Pedro Canário


Passados quatro anos desde que a Ação Penal 470, o processo do mensalão, foi julgado, o ex-deputado federal pelo PT de São Paulo João Paulo Cunha olha para frente. Ele está na expectativa de receber seu registro na Ordem dos Advogados do Brasil para finalmente poder se dizer um advogado.


“Não estou mais no mundo da política, nem quero mais. Quero poder exercer com bastante seriedade e profundidade a advocacia”, diz, em entrevista à revista Consultor Jurídico. Cunha trabalha há um ano e meio no escritório Luís Alexandre Rassi & Romero Ferraz Advogados, uma banca de criminalistas que atua nos principais processos penais em curso no país, como a operação “lava jato”, que investiga corrupção em contratos da Petrobras, e a operação zelotes, que apura denúncias de corrupção no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda (Carf).

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Ex-presidente da Câmara e um dos principais responsáveis pela aprovação da Emenda Constitucional 45/2004, João Paulo Cunha conhece os poderes por dentro. Foi um dos protagonistas do espetáculo que foi o julgamento da AP 470: condenado por peculato no mensalão, cumpriu dois terços de sua pena e recebeu o perdão judicial do Supremo Tribunal Federal. Já não tem mais pendências com a Justiça, portanto.


Por isso, pretende escrever um novo capítulo da vida por meio da advocacia — embora enfrente um processo atipicamente longo para ver seu pedido de registro na Ordem aprovado pela seccional do Distrito Federal da OAB. O ex-deputado já caminha rumo ao segundo semestre da pós-graduação em Direito Constitucional, que cursa no Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP).


Da vida pregressa, pretende deixar só produtos editoriais. Já lançou Quatro, uma coletânea de poemas escritos enquanto estava preso lançada pela editora Topbooks. E em breve lançará um livro de memórias do tempo em que cumpriu pena por sua condenação no mensalão.


Leia a entrevista:


ConJur — O senhor está agora na expectativa de receber a carteira da OAB. O próximo passo é advogar?
João Paulo Cunha — 
Terminei o curso de Direito cumprindo pena, a que foi imposta na Ação Penal 470, prestei o exame de Ordem e passei na primeira tentativa. E fiz o pedido de inscrição na OAB. Estou aguardando a liberação da minha carteira, o meu número de inscrição da OAB do Distrito Federal. Só não sei ainda se vou advogar. Posso advogar, estudar, fazer qualquer coisa, mas ter a inscrição e o reconhecimento da Ordem é muito importante para mim.


ConJur — Já decidiu em que área pretende trabalhar como advogado?
João Paulo Cunha —
Não, ainda não decidi nem se vou advogar, embora esteja me preparando para isso, e nem a área do Direito que pretendo seguir. Tenho interação com muitos advogados, com muitos colegas de muitas áreas, então tenho avaliado muitas coisas. Estou pedindo minha inscrição na Ordem baseado exatamente em dois princípios constitucionais: o artigo 1º e o artigo 5º. O artigo 1º fala do direitos fundamentais, eu tenho o direito fundamental ao trabalho; e o artigo 5º da Constituição trata do direito ao trabalho. Eu tenho o direito de trabalhar e exatamente por isso estou pedindo a minha inscrição. O ofício que eu tinha não era uma profissão, era um cargo, circunstancial, de deputado. E eu não tenho mais.


ConJur — O senhor começou o curso de Direito já durante o cumprimento da pena?
João Paulo Cunha —
Não, terminei. Eu tinha estudado três anos de Direito e completei o resto com um pedaço da minha pena agora.


ConJur — Como foi fazer faculdade enquanto cumpre pena? Houve algum tipo de constrangimento?
João Paulo Cunha —
Sempre há certo constrangimento, evidentemente. A pena, o processo criminal é sempre complicado, porque só instaurá-lo, independentemente de ser condenado ou não, já causa um trauma pessoal e perante a sociedade. Quando ele é consumado com o cumprimento da pena, é mais constrangedor ainda. Então não foi uma coisa fácil. Foi difícil, mas, graças a Deus, já é passado.


ConJur — E agora o senhor cursa a pós-graduação?
João Paulo Cunha —
Isso, estou fazendo pós-graduação em Direito Constitucional no IDP. Fiz o primeiro semestre e agora em agosto começo o segundo.


ConJur — Não pretende voltar para a política?
João Paulo Cunha —
Eu não estou mais no mundo da política, e nem quero mais. Quero poder exercer com bastante seriedade e profundidade a advocacia. Não tenho mais interesse em ser candidato, disputar eleições etc. Essa minha fase já passou.


ConJur — A advocacia, então, é um capítulo novo?
João Paulo Cunha —
É um capítulo novo que inauguro na minha vida. Estou estudando, me empenhando, aprofundado. Da mesma forma que tive 30 anos de mandato — e graças a Deus não tive um processo na minha vida, só a AP 470 — e exerci com dedicação, com denodo, me empenhei muito no desenvolvimento dos meus mandatos, quero fazer isso também na advocacia. Eu não sei direito as coisas, eu estou começando a aprender e eu quero poder me dedicar a isso.


ConJur — Talvez ninguém tenha o seu conhecimento do Poder Legislativo. Agora estudando Direito Constitucional, mudou alguma coisa da sua percepção quanto ao funcionamento dos Três Poderes?
João Paulo Cunha —
Olha, estamos vivendo um momento, na vida do país — e no mundo todo — uma situação bastante complexa. Não só do ponto de vista político e social, mas estão emergindo temas que achávamos que já tínhamos superado. E esses temas emergem com tanta força que acabam tornando mais complexa a análise do que acontece no mundo. No caso do Brasil, estamos vivendo também um momento bastante importante na história do país.

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ConJur — Em que sentido?
João Paulo Cunha —
Evidentemente estou começando a perceber um descompasso no equilíbrio dos poderes. Não sei se isso é intencional ou não, mas o empoderamento do Poder Judiciário em detrimento do Executivo e do Legislativo me preocupa. Olhando de outra forma: o Legislativo, ao se submeter, é quase uma escravidão voluntária, né? Ele próprio abre mão de algumas atribuições que constitucionalmente lhe são delegadas. E o Judiciário, por várias razões, vive uma crise muito grande. Portanto, como espectador, acho que é preciso reequilibrar as forças dos Três Poderes.


ConJur — Qual é a crise do Judiciário?
João Paulo Cunha —
Não é exatamente uma crise, mas ele vai se assoberbando de poderes e atribuições e vai aumentando a sua influência, nem sempre paramentado pelas leis e pela Constituição. Algumas operações policiais têm dito isso, porque, mesmo sendo redefinidos parâmetros de jurisprudência, juízes de primeiro grau não corroboram com essa opinião redefinida. Ou seja, se há questionamento nesta redefinição de jurisprudência por parte de cortes superiores, os juízes da primeira instância, mesmo nessa redefinição, acabam não cumprindo direito, então vira uma instabilidade muito grande no exercício do Direito e na busca da justiça.


ConJur — O senhor presidia a Câmara quando a Emenda Constitucional 45 foi aprovada, em 2004, e, curiosamente, é que uma das ideias que a motivaram foi justamente evitar essa insegurança.
João Paulo Cunha —
O Judiciário, no começo deste século, tinha uma reivindicação de reforma em alguns aspectos. E não só por parte de membros do Judiciário, mas da própria sociedade. Aí que vem a Emenda 45. Ela foi muito complicada para costurar entre as três instâncias de poder, o Judiciário federal com as cortes superiores, os estados e a magistratura de forma geral nos tribunais, o Ministério Público, o próprio Legislativo, a academia, os doutrinadores e tal. Havia um debate muito intenso. O Congresso, naquele período de 2003/2004, acabou conformando uma proposta interessante que ajudou a dar um passo significativo.


ConJur — Falando especificamente do julgamento do mensalão, o senhor acha que, se houvesse um grau recursal, a história teria sido diferente?
João Paulo Cunha —
Não quero falar muito do mensalão, já são águas passadas. Mas foi um julgamento muito particular na história do país. Daqui, sei lá, 50, 100 anos quando, forem rescrever a história deste século, o mensalão vai ter um capítulo específico, e as pessoas vão contextualizar de que jeito foi feito esse julgamento. Foi um julgamento fora da curva, vamos dizer assim. E pela circunstância acabou dando esse resultado.


ConJur — Muita gente séria analisa o julgamento do mensalão como sendo um ponto de inflexão, e não fora da curva. O ponto acabou desviando a curva. Sente isso também?
João Paulo Cunha —
Sinto, mas não é um negócio isolado. O Judiciário não é uma ilha. Há um contexto no Brasil e no mundo de conservadorismo, potencializado por uma visão muito individualista, muito particularista das pessoas, e mais ainda pela globalização e pelas informações online. Todo mundo tem condições de ser mais bem informado que antes, mas há muitas mentiras rodando pelas redes sociais. Tudo isso acaba criando um momento contemporâneo muito complexo, e o Judiciário está nesse meio. A gente imagina que os juízes não poderiam deixar se envolver, mas eles acabam se envolvendo, têm as suas relações familiares, amigos, acabam circulando pelas redes sociais e acabam também sendo envolvidos por isso.


ConJur — Isso é inevitável?
João Paulo Cunha —
Não. É evitável. Temos juízes em determinados sistemas em outros países que guardam aquilo que secularmente a gente fala que é o tal do recato. Há juízes em outras partes do mundo que não dão entrevista, só falam nos autos. Nós temos ainda sistemas em outros cantos do mundo que preservam um pouco, ou que regulam com um pouco com mais de rigor, a atuação do juiz.


ConJur — Esse momento complexo que o mundo vive tem se refletido num Judiciário mais duro? O senhor trabalha num escritório de advocacia criminal. Tem percebido isso?
João Paulo Cunha —
O que tenho percebido é que os casos têm uma repercussão maior quando o julgador se posiciona na mão da maioria. Ou seja, quando um juiz se posiciona contra uma opinião do Ministério Público ou contra uma opinião publicada, há um julgamento por parte de um pedaço da sociedade e da própria mídia de que ele está errado. Agora, quando é o contrário, não. Então fica uma cobertura desbalanceada do Judiciário. O juiz só é bom quando está no sentido da maioria, quando está de acordo com o MP e com a imprensa, com a opinião publicada. Quando o juiz não está de acordo com o MP nem com a imprensa, não mas está baseado na Constituição e na lei, ele não está certo por quê? Esse desbalanceamento tem preocupado muita gente.


ConJur — A pressão da imprensa e da sociedade aumentou? O próprio Congresso tem dado muito mais valor a uma pauta moralista.
João Paulo Cunha —
O momento conservador que vivemos é propício para o aparecimento de salvadores de pátria, de posições esdrúxulas. Lembro, por exemplo, que cheguei na Câmara em 95 e algumas posições que são apresentadas hoje já existiam em 95. Mas entre 95 e 2009, 2010, essas posições eram tratadas como folclóricas, ninguém dava atenção. Hoje, não! Hoje elas têm repercussão social, têm a cobertura da imprensa e são posições que não caberiam no nosso ordenamento, porque o próprio artigo 17 diz que o partido político que atenta contra o regime democrático não pode subsistir.


ConJur — Esta é a maior crise que já presenciou?
João Paulo Cunha —
Já passei por muitas crises, não é nem o primeiro impeachment que vejo. O que eu fico muito preocupado é que para situações complexas as saídas são complexas, e eu vejo muita gente querendo, para temas complexos, arrumar uma saída fácil, e não existe isso. Precisamos amadurecer bastante.


ConJur — Está se referindo a algo especifico?
João Paulo Cunha —
Estamos vendo agora o movimento de querer mexer nas leis trabalhistas. Há dois problemas congênitos nesse debate: primeiro, que o governo do presidente Michel Temer não apresentou esse debate em disputa eleitoral. Ele não debateu com a sociedade brasileira, portanto não pode mexer nesse tema. O segundo problema é que em tempos de crise mexer em lei trabalhista significa fazer a corda arrebentar do lado mais fraco. Então os trabalhadores vão pagar a crise novamente? Essas duas razões são o que eu chamo de “saídas fáceis” para problema complexo, a crise econômica que o Brasil vive e, em decorrência dela, a crise social que chega até o emprego e a situação de trabalho.


ConJur — O que é necessário haver numa reforma eleitoral séria?
João Paulo Cunha —
Bom, temos um problema real que é o nosso sistema eleitoral. Como é um sistema uninominal, ou seja você vota em um candidato, o que ocorre é que a maioria dos votos são dados em candidatos que perdem a eleição. Em decorrência disso, uma parte das pessoas não se compromete com aquilo que foi eleito, porque fala que vai ter um candidato que perdeu. Então é um problema do sistema eleitoral nosso, que é único no mundo. Então, caso o Brasil resolvesse experimentar um outro sistema, nós poderíamos ter uma mudança substancial dessa visão. Porque o cidadão poderia votar em lista, que significa ter partido com 30%, 40%, 10%. Isso dá uma unidade maior tanto a favor como contra no julgamento posterior, porque agora o julgamento é pessoal.


ConJur — E a cláusula de desempenho para partidos conseguirem representação no Congresso? É uma boa ideia?
João Paulo Cunha —
O Brasil poderia experimentar uma reforma mais profunda que envolvesse em especial a lista, mas se não fizer é importante colocar uma cláusula de barreira. Não é razoável o Brasil hoje ter 35 partidos regularizados no Tribunal Superior Eleitoral e ter mais 25 em processo de constituição. Então em uma hipótese extremada, só para efeito de raciocínio, nós podemos ter em alguns anos 60 partidos políticos funcionando no Brasil. Em 2014, nós elegemos parlamentares representantes de 28 partidos. Como nós temos o sistema presidencialista, nós precisamos ter maioria, e então, nesse caso, ao ganhar eleição o partido do presidente geralmente é um partido pequeno em relação ao conjunto, tem 10%, 14% de 513. E então ele sai à busca de formar uma maioria que não fez parte da chapa vencedora e, portanto, não está comprometida com as ideias que ganharam as eleições. E acontecem as coisas que estamos vendo.


ConJur — Mas pela sua experiência, o senhor acha que isso passa pelo Congresso, que os parlamentares conseguirão se entender para aprovar medidas dessa magnitude?
João Paulo Cunha —
Não sei, não. Eu sou muito cético.


*Transcrito da Revista Consultor Jurídico, 31 de julho de 2016


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