“O essencial é invisível aos olhos”, ensinava o doce personagem do escritor francês Saint-Exupéry, no clássico da literatura infanto-juvenil O Pequeno Príncipe. Fosse, porém, esse Príncipe o de Maquiavel, a lição nada teria de poética. “Todos veem o que você parece ser, mas poucos sabem o que você realmente é”, ensinou o escritor florentino, que tratou de dar lições aos poderosos de como se manter no poder.
Estamos, no Brasil atual, longe de entender o essencial – e mais preocupados em manter as aparências. Vamos aos fatos.
O PMDB de Flaviano Melo e Eliane Sinhasique acaba de se enredar em um escândalo de grandes proporções, com o afastamento de um prefeito eleito e o secretário-geral da sigla trancafiado após ação da Polícia Federal.
São graves as denúncias de malversação de dinheiro público no pequeno e castigado município de Brasiléia, outrora uma cidade bela e aprazível. Uma conjunção de fatores – naturais e políticos – transformou-a em mera sombra do que foi no passado.
Enchentes, descaso administrativo e – agora se comprova – muita corrupção açoitaram Brasiléia até o limite de suas forças. O quadro geral é de desalento. E a fuga de moradores foi a principal saída de quem não via perspectivas em continuar vivendo ali.
O PMDB, que às vésperas das eleições municipais emite uma nota em que sustenta defender o trabalho da PF e da justiça, consentiu, até ontem, que tudo ia bem numa cidade que apresentava inúmeros sinais de que tudo ia muito mal.
Não houve preocupação do presidente regional da sigla, Flaviano Melo, em reverter a situação de penúria dos moradores, relegados ao esquecimento, enquanto seus correligionários – ao que tudo indica – traficavam benesses às mancheias. E como faria isso? Representando, definitivamente, a população de um município castigado pelos aliados, o que é extensivo à deputada estadual Eliane Sinhasique.
Todavia, fez-se vista grossa aos desmandos praticados por Aldemir Lopes, cuja influência na prefeitura era conhecida de todos. Ignorou-se a inaptidão de Everaldo Gomes para a gestão pública, fiados talvez na indulgência do eleitor desatento e na impunidade que grassa no país.
E quando todos esperavam que o partido, afinal, chocado com a vergonha que se impõe, teria a resposta que se espera, eis que os peemedebistas vêm a público para dizer que colocaram os advogados da sigla à disposição dos quadrilheiros.
Na cultura jurídica norte-americana existe a Teoria da Cegueira Deliberada, que vem a ser uma doutrina criada pela Suprema Corte dos Estados Unidos “para as situações em que um agente finge não enxergar a ilicitude da procedência de bens, direitos e valores com o intuito de auferir vantagens” (Wikipédia).
A Teoria da Cegueira Deliberada foi desenvolvida, portanto, para punir o agente que, intencionalmente, se coloca em estado de ignorância para não conhecer as circunstâncias de uma situação suspeita.
Ora, pelo princípio de tal teoria, só ignorava os desmandos em Brasiléia quem não tinha o mínimo desejo de enxergar a realidade – ou o essencial do que lá acontecia –, visando contribuir com a aparência de que tudo seguia o seu curso normal.
A conclusão é de que os culpados não são apenas Everaldo Gomes, seus secretários e Aldemir Lopes – mas todo o PMDB que fingiu não enxergar que as coisas desandavam ali, na fronteira com a Bolívia.
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