Osmir Lima – constituinte de 1988
Este simples artigo não tem a pretensão de debater em profundidade o complexo sistema carcerário brasileiro e, no particular, o do Acre. É apenas mais uma advertência dessa crise que envolve mais de 700 mil brasileiros que estão encarcerados e que um dia retornarão ao convívio dos demais cidadãos. E eles precisam retornar úteis à sociedade.
A CPI da Câmara dos Deputados, criada em 2015, destinada a investigar a realidade do sistema carcerário brasileiro, manifestou extrema preocupação com os fatos apurados e pediu uma atenção especial do Estado para os graves problemas verificados pela Comissão. Os membros da comissão consideraram que os presídios se transformaram em verdadeiros infernos, por responsabilidade única de governos através das omissões de seus mais diversos agentes. Vamos a alguns números:
A taxa de presos no Brasil é de 289,0 por 100 mil habitantes.
O Acre possui a segunda maior taxa com 558,00, quase o dobro da média nacional.
O Mato Grosso do Sul é o primeiro com 634,5 (que é uma das maiores taxas de encarceramento do mundo).
Outro dado negativo para o nosso estado é a taxa de ocupação, fundamental para a tentativa de ressocialização do preso. O percentual de presos estudando é de apenas 12,40%, e o de presos trabalhando é de 14,11” (dados de início de 2015).
Nesse particular tentei junto com a secretaria de Direitos humanos do nosso Estado, a quem o IAPEN está vinculado, criar uma Escola de música dentro do presídio chamado P 3. Encontrei boa receptividade do Secretário e de seu assessor para assuntos carcerários, mas a ideia não vingou. Não sei, até hoje, quais as razões.
A reincidência é outro fator de grande proporção no aumento da superlotação. A reincidência tem sido provocada principalmente pela falta de ocupação dos presos pois em boa parte dos presídios brasileiros mais de 75% dos encarcerados não trabalham nem estudam (neste particular, os dados do Acre estão acima expostos). Assim ao cumprir sua pena e ser colocado em liberdade, o cidadão está sem nenhuma qualificação, sem estudos, e ainda com atestado de ex-presidiário, consequentemente acabará voltando ao mundo do crime.
Há um número elevado de presos provisórios aqui no Estado. Na casa de detenção a capacidade é para apenas 179 detentos e lá estão recolhidos mais de 729 presos, (com dados de meados de 2015).
Em 1935 o “código Penitenciário da República” estabeleceu, além do direito do estado de punir, o dever de recuperar o detento. E isso ficou na letra morta da lei, pois o preso ao ser encarcerado perdeu não só a liberdade, mas a alma, a dignidade e a vida.
A falta e a deficiência de assistência jurídica aos presos iniciam-se desde o momento da prisão. A falta, também, de assistência social adequada aos encarcerados, da mesma forma que as famílias dos presos, não possuem qualquer tipo de aconselhamento, orientação ou acompanhamento, ao contrário, o que se vê são agentes penitenciários; mas minorias, ressalve-se; grosseiros, mal-educados, arrogantes e sem qualquer preparo para o exercício da função. E quero crer que não há uma reciclagem para essa melhoria.
A Lei de execução penal salienta que o condenado será alojado em cela individual, que conterá dormitório, aparelho sanitário e lavatório. Apenas um sonho. A realidade é outra: Os presídios estão superlotados, em condições desumanas e aviltantes ao mínimo de dignidade humana, com celas inadequadas, algumas vezes sem luz e sem leitos. E assim vivem os presos no Brasil e no Acre… reforçado pelo fato de que a quase totalidade de deles são originários da periferia, pobres, com baixa escolaridade e sem ou com pouca renda, o que agrava o sentimento de revolta social que impede quaisquer perspectivas de mudança de vida.
E é assim que o Brasil cuida de seus presos, transformando o sistema numa verdadeira “universidade do crime”. O resultado dessa barbárie é a elevada reincidência expressa em sacrifícios de vidas humanas, elevados custos financeiros e insegurança à sociedade.
Na realidade a justiça pouco pode fazer. Em muitas comarcas o juiz é um só e tem que atuar desde a instrução processual até a execução da sentença, além de presidir as sessões do tribunal do júri e exercer a função de juiz eleitoral. O mesmo se aplica, em muitos municípios a carência de promotores e, principalmente, de defensores públicos.
Em oportuna hora a Justiça começa a se utilizar do mecanismo de penas alternativas, para aliviar esse caldeirão fervente do sistema.
Só para imaginar a gravidade do nosso sistema carcerário, a juíza da vara de execuções penais de Rio Branco, Luana Campos, fez um justo desabafo no começo desde ano. Disse a nossa competente Magistrada: “resta claro, após diversas tentativas de solucionar a problemática de superlotação existente no sistema prisional, que o estado abandonou o estabelecimento penal e não adotará nenhuma medida para o seu regular funcionamento”. E acrescentou, ainda: “No Estado do Acre, a realidade do sistema carcerário mostra que viver com dignidade não é um direito garantido às pessoas que estão sob a tutela do poder público”.
Ela chegou a proibir, por duas vezes, a entrada de presos no regime provisório e na unidade de regime fechado 01.
O Ex-presidente da OAB-AC, o saudoso Florindo Poersch, já há alguns anos atrás chamava a atenção e denunciava que o sistema prisional acreano era uma verdadeira bomba-relógio e que “apesar de já ter debatido com várias instituições a melhoria do sistema, no qual ficou acertado que as violações aos direitos dos presos seriam contidas, lamentavelmente reiterados incidentes vem ocorrendo no presídio estadual”.
A crise é muito séria. Procurei ver os resultados práticos da CPI a que me referi junto a Câmara dos Deputados e fui informado de que o sistema continua abandonado, e o que se vê são apenas projetos de lei para mudar esta situação. E assim o Brasil continua a “pós-graduar” seus presos. Lastimável.
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