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Meirelles: indigenas têm muito a ensinar sobre solidariedade

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Nelson Liano Jr.


Um dos mais importantes sertanistas brasileiros, José Carlos Meirelles, vive entre os índios brasileiros há mais de 40 anos. Com 68 anos de idade, a maioria vivendo nas florestas do Acre, Meirelles talvez seja o “homem branco” que mais aprendeu com as culturas indígenas, como ele gosta de dizer. Durante a sessão solene da ALEAC, em Rio Branco, o experiente indianista, estava lá, incógnito, entre a pompa dos deputados estaduais e os multicoloridos cocares indígenas.


Apesar desta terça, 19, ser o Dia do Índio, resolvi entrevistar um branco que dedicou toda a sua vida para a preservação das culturas humanas primitivas da floresta amazônica. Meirelles mostrou-se preocupado com a onda conservadora da sociedade brasileira refletida na votação dos deputados federais sobre o acatamento do impeachment na Câmara Federal. Questões políticas e religiosas radicais que colocam em risco as conquistas dos povos indígenas.


ac24horas – Meirelles, nesse Dia do Índio há o que comemorar? Ou não há o que comemorar?


José Carlos Meirelles – Acho que as duas coisas. Não vamos ser radicais. Há o que comemorar, mas também com o quê se preocupar. Mas antes de te responder quero te dizer que estou tentando aprender com os índios. Na verdade, eu muito mais aprendi com eles, porque não sei se ensinei alguma coisa. Vou falar dos índios do Acre como um estudo de caso. Quando eu cheguei no Acre, em 1976, aqui não havia serviço de proteção aos índios, o antigo SPI. Me lembro bem que o saudoso governador Geraldo Mesquita, quando a gente começou falar que tinha índios no Acre, ele fez uma brincadeira. Disse que estava pintando cearense de urucum para dizer que tinha índios no Acre. Segundo ele, no Acre não tinha índios, só tinha caboclos. Mas o fato é que no Acre existiam várias aldeias indígenas espalhadas por aí. Mas de repente eles descobriram os seus direitos e se uniram assessorados por várias pessoas comprometidas com essa causa. E esses índios caminharam primeiramente em direção à conquista dos seus territórios. Isso não está totalmente terminado, mas no Acre é onde o processo de regularização fundiária indígena é o mais rápido da história do Brasil. Em 30 anos quase que 90% das terras indígenas estão resolvidas. Então os índios passaram de pessoas que viviam em seringais ou em agropecuária, sem direito nenhum, uma mão de obra semiescrava para os índios de hoje. Nós temos índios na universidade, alguns fazendo doutorado, temos outros negociando os seus projetos econômicos diretamente com os Estados Unidos, temos índios poliglotas, cineastas. Então eles caminharam muito nesses tempos. Isso é motivo para se comemorar. Uma geração de indígenas que batalhou pela terra e próxima que está batalhando em outro nível.



ac24horas- O senhor acha que essa onda de conservadora que a gente assiste, como no domingo,17, na votação do impeachment na Câmara Federal, pode acabar retirando alguns direitos indígenas?


Meirelles – O que há de se preocupar é que a situação política atual não está muito favorável às minorias, como índios, quilombolas, LGBT. Pelas declarações que tenho ouvido no Congresso Nacional estou muito preocupado. Se pelo menos nesse momento político não se pode avançar na conquista de mais direitos ou dos direitos que eles têm segundo a Constituição, mas que pelo menos se faça um movimento para que não se perca direitos já conquistados. Não existe hoje nenhum estado mais parceiro dos índios que o Acre, isso é inegável. Você vai para o Mato Grosso do Sul e fala que trabalha com índios para ver se pelo menos entra numa repartição pública. Aqui índio conversa com o governador, tem índio na estrutura do Estado. Então acho bom os índios se unirem como se uniram nos tempos depois da Constituição de 88 para não perderem direitos já conquistados.



ac24horas – Agora Meirelles a gente sabe que os índios têm uma cultura riquíssima em todos os aspectos. E a gente assiste a conflitos em todo o planeta, não só no Brasil que passa por esse momento turvo e de trevas. Os índios têm uma cultura relacionada a floresta, a espiritualidade, que inclusive tem sido bastante devastada por algumas religiões cristãs. Na sua opinião qual o grande legado e o ensinamento que a cultura indígena pode deixar a cultura ocidental, a cultura “branca” ?


Meirelles – Eu não vou dizer que as comunidades indígenas são o paraíso. Eles são seres humanos como a gente, onde existe divergências e diferentes opiniões. Agora, tem uma coisa que os povos indígenas podem nos ensinar. Eles não são povos que desenvolveram uma tecnologia como nós brancos, eles não fazem chips e computadores. Mas desenvolveram uma solidariedade ao outro muito mais avançada que a nossa. Se você for a alguma aldeia indígena existem coisas que são comuns. Por exemplo, comida é uma coisa comum, ou todo mundo come ou ninguém come. Ou todo mundo está bem, ou todo mundo está na pior. Essa solidariedade entre eles é notável. Se você tem um filho, e meus filhos foram criados em aldeias, é a coisa mais gostosa do mundo porque todo mundo toma conta dos seus filhos. Você não tem a obrigação só com o seu filho. Se o filho do outro tiver um problema você está de olho nele, faz parte das suas obrigações. Então esse tipo de solidariedade que os índios construíram ao longa da sua história é um ensinamento. O outro é que a gente não pode esquecer das origens da família brasileira. Quando os portugueses chegaram aqui não tinha muitas mulheres. A proto-família brasileira é um português casado com uma índia, depois um português casado com uma negra escrava. Nós temos na nossa genealogia sangue indígena. A gente deveria prestar mais atenção nessas particularidades dessas culturas indígenas da solidariedade com o outro. Eu acho que isso não é uma coisa piegas, mas algo real. Claro que existem conflitos, mas são resolvidos de uma forma diferente da nossa. As pessoas raramente vão às vias de fato. Assassinatos nas aldeias indígenas são muito raros. Eles conseguem resolver os seus conflitos de uma maneira mais confortável que a gente. E isso a gente deveria aprender.



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