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Aos 90 anos, Padre Paolino Baldassari morre na UTI do Huerb

Por
Ana Paula Batalha

Aos 90 anos, Padre Paolino Baldassari morre na UTI do Huerb

O padre Paolino Baldassari, 90 anos, morreu na tarde desta sexta-feira, 8,  na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital de Urgência e Emergência de Rio Branco (Huerb). A informação foi confirmada pelo Padre Jairo Coelho. A direção do Hospital informou que o motivo da morte foi uma falência multipla de órgãos.


Paolino deu entrada na unidade hospitalar no dia 28 de março após uma bradicardia, que é o retardamento do ritmo cardíaco abaixo de uma frequência de 60 batimentos por minutos. O religioso passou mal após o atendimento de rotina que faz aos fieis em uma igreja na cidade Sena Madureira, distante 144 quilômetros de Rio Branco.


Durante a internação, o padre apresentou diversas complicações no quadro clínico como choque cardiogênico, DPOC agudizado e insuficiência renal aguda dialítica. Nessa semana, chegou a ser diagnosticado com pneumonia e precisou passar por procedimento de traqueostomia e hemodiálise, sendo esse último feito nesta quinta-feira (7). O padre respirava por ajuda de aparelhos e passou sedado a maioria dos dias em que permaneceu na UTI.


Lider da Igreja Católica no Acre, Dom Joaquim Pertinez visitou Paolino na UTI

No dia 30 de março o bispo Dom Joaquim visitou o padre Paolino da UTI, onde foi feita uma oração. A foto foi postada na rede social e mostrava o padre bastante debilitado. O governador Sebastião Viana também visitou o religioso no último final de semana e uma corrente de orações foi feita por diversos fieis na praça do Pronto-Socorro às vésperas do aniversário do padre.


O governador Sebastião Viana também visitou o padre durante o final de semana

O velório deve ocorrer em Sena Madureira. A igreja Católica deve se pronunciar oficialmente a qualquer momento.


QUEM FOI PADRE PAOLINO?


Nascido em Bologna, Itália, padre Paolino foi mais que um importante líder religioso do município de Sena Madureira, no Acre. Foi um reconhecido ativista ambiental devido a sua liderança ligada à preocupação da comunidade em relação à preservação das florestas e dos meios de vida tradicionais, como do seringueiro, do castanheiro e do ribeirinho.


Por muitas vezes fez viagens a pé, a cavalo ou barco para levar o evangelho à comunidades isoladas. Antigamente, quando a maioria da população de Sena Madureira morava na zona rural e as distâncias e dificuldades eram maiores, as viagens duravam até seis meses. Padre Paolino chegou a percorrer 300 quilômetros nessas missões e foi acometido 84 vezes por malária. Paolino recebeu muitos prêmios, nacionais e internacionais, em reconhecimento do seu trabalho.


O padre nunca gostou de comemorar o aniversário, celebrado em 2 de abril, por ter sido abandonado pela mãe quando nasceu. Ele foi criado pelo pai e foi ajudado por uma senhora que dava a ele água com açúcar, até que apareceu uma mulher que o amamentou por sete meses. Após o pai casar novamente, ele foi criado pela madrasta que a considera como mãe.


“Por isso, digo: eu me arrependo de ter feito o mal, mas não o bem. Eu fiz o bem”, disse o padre em carta enviada à Folha de S Paulo.


No ano passado, o padre Paolino Baldassari enviou depoimento ao site Folha de S. Paulo relatando sua vida. Na carta, ele relata como chegou ao Brasil, as profissões que exerceu, as doenças que teve e a missão no Acre onde viveu o maior tempo de sua vida em pro de ajudar o próximo. Veja na íntegra:


Aos 89 anos, o padre e médico autodidata italiano Paolino Baldassari abre seu consultório de segunda a sexta­feira para atender a doentes que lotam a antessala, em Sena Madureira (a 140 km de Rio Branco, no Acre). Um por um, ouve os sintomas, faz perguntas e embrulha os comprimidos dados gratuitamente na receita que escreve com orientações nutricionais e chás. Com experiência de mais de meio século na Amazônia, incluindo 84 malárias e viagens de até seis meses pela mata, o padre Paolino afirma que o gado está destruindo a floresta e que os pobres “hoje são acomodados”.


Depoimento:

Estou no Brasil desde 1950. Primeiro, fiquei em São Paulo, onde estudei teologia na PUC por quatro anos. Depois, fui ser professor perto de Araranguá (SC), mas me botaram para fora porque era duro demais. Fiquei um ano.


Padre Paolino caminha em Sena Madureira (AC) para conversar com fiéis – Foto Eduardo Anizelli/FolhaPress

Fizeram uma festa quando saí, porque eu só dava zero, zero, zero. De lá, fui ser padre na Amazônia. A primeira cidade foi Brasileia (AC). Naquele tempo, era mato, mato. O bispo disse: “Não pense que está na Itália, que o padre tem escritório. Não, não. Lembre­se de que o seu povo está no interior. Portanto, não faça o ninho na cidade”.


Não tinha onde dormir, me botaram na casa do prefeito. Cada família me mandava marmita durante uma semana. Eles preparavam a minha comida e eu, no fim do mês, agradecia. Tinha gente que era muito pobre. Eu dizia que não gostava de galinha, para não matarem a galinha pra mim. Queria comer como a gente comia. Para ser igual.


De Brasileia, vim pra Sena Madureira em 1963, pelo rio. Levei um tempão. Rio Acre, Purus, e depois o rio Iaco.


Por muitos anos, fiz os desobrigas [viagens a seringais, aldeias indígenas e comunidades ribeirinhas para celebrar batismo, casamentos e outras cerimônias]. Fazia ciclos de dois anos. Primeiro, seis meses no rio Purus.


Depois, voltava a Sena Madureira por seis meses. Em seguida, mais seis meses no rio Iaco e outros seis meses na cidade e tudo recomeçava.


Eu sofria muito no desobriga. Peguei 84 malárias. Tive muita infecção intestinal. Sempre que voltava de um desobriga, fazia exame. Pra malária e verme, ganhei o campeonato.


MEDICINA


Na Itália, fiz um cursinho de enfermeiro. Aqui, encontrei uma região pobre, cheia de lepra, malária e febre amarela. Aí, comecei a aprender sobre medicina da floresta e consegui montar um laboratório em Sena Madureira.


No começo, atendia 130 pessoas por dia. Depois, por causa da minha saúde, veio uma ordem de não atender mais de 60. Agora, atendo apenas 20, 25 por dia. Eu não sou médico prático, me deram o título de doutor honoris causa na Universidade Federal do Acre.


Durante as viagens, tive a ideia de fazer escolas. Encontrava algumas pessoas vindas do Nordeste que sabiam ler. Eu dizia: “Você ensina ao menos a ler. Se sabe escrever, ensine a escrever também”.


Foram talvez umas cem escolas, em todo lugar fazia escolas de madeira. Nos rios, nos seringais, nas estradas. Essas escolas acabaram. Derrubou a mata, acabou a gente. Não é como o seringal. Para derrubar a mata, havia uns 500 peões. Quando acabava a mata, pronto, mandavam todos embora. No seringal, não, alguns tinham mil pessoas. O seringalista é um pai em comparação com os fazendeiros.


Aqui, a madeira e a venda de terras acabaram com a mata. Escrevi para vários presidentes. O primeiro foi o Itamar Franco, suplicando que desse alguma coisa, porque estava um desastre de fome.


Muitos vieram para as margens do rio e plantavam feijão, arroz. Depois, começaram a descobrir o valor do gado. Agora, todo mundo tem gado. Mas com o perigo de destruir a mata. Porque o gado quer mata, mas essa terra não dá para o gado nem para a agricultura. Essa terra é boa por três anos. Depois, é uma terra dura, dura.


A solução? Mecanizar a parte que já está destruída.


AJUDA


O governo fez tudo para os pobres, hoje dá dinheiro para ir para a aula. Infelizmente, o pobre se acomoda. Vive do governo, vive de esmola. Antes, eram escravos e hoje são acomodados. A ideia do Bolsa Família é muito boa, tirou mesmo gente da miséria. Mas, por outro lado, abriu uma porta para agente não fazer nada. É difícil.


Quando fazia escola, era combatido pelos patrões e pelas autoridades. Agora que tenho quase 89 anos, eles compreenderam que a escola é um marco bom.


Por isso, digo: eu me arrependo de ter feito o mal, mas não o bem. Eu fiz o bem.


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Ana Paula Batalha

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