O relator da comissão especial do impeachment da Câmara dos Deputados, Jovair Arantes (PTB-GO), apresentou nesta quarta-feira (6) parecer favorável (LEIA A ÍNTEGRA) à abertura do processo de afastamento da presidente Dilma Rousseff.
A leitura do parecer, de 128 páginas, levou quase cinco horas e terminou às 20h44. Concluída a leitura, deputados favoráveis ao afastamento de Dilma levantaram cartazes com os dizeres “Impeachment já” enquanto parlamentares contrários portavam cartazes com a inscrição “Impeachment sem crime é golpe”. Os parlamentares pró-impeachment cantaram o Hino Nacional enquanto os governistas gritavam: “Golpistas, golpistas!”
Na conclusão do parecer (veja ao final desta reportagem), Jovair Arantes diz que a denúncia, de autoria dos juristas Hélio Bicudo, Miguel Reale Junior e Janaina Paschoal, preenche “todas as condições jurídicas e políticas” para ser aceita. No parecer, o relator avalia somente a “admissibilidade” do processo, isto é, se reúne os requisitos mínimos para ser instaurado. Na hipótese de o plenário da Câmara aprovar a abertura do processo, o julgamento do impeachment será feito posteriormente pelo Senado.
“Uma vez que a Denúncia preenche todas as condições jurídicas e políticas relativas à sua admissibilidade, e que não são pertinentes as diligências, a oitiva das testemunhas e a produção de provas ao juízo preliminar desta Casa, sendo relacionadas ao juízo de mérito, vale dizer, à procedência ou improcedência da acusação, conclui o Relator pela admissibilidade jurídica e política da acusação e pela consequente autorização para a instauração, pelo Senado Federal, do processo por crime de responsabilidade”, escreveu o relator no texto.
Após a divulgação do relatório, o G1 procurou a assessoria do Palácio do Planalto, que, até a última atualização desta reportagem, não tinha informado se irá se manifestar.
Atribuições do relator
No texto, o relator explica que cabe a ele e à comissão analisar:
– se há na denúncia elementos informativos que indiquem atentado à Constituição;
– se há elementos mínimos de “prova” que dão lastro à acusação e indicam, em tese, o cometimento de crime de responsabilidade;
– se a acusação é vazia, temerária, ou infundada a ponto de comprometer a viabilidade de eventual processo;
– se os fatos analisados seriam de gravidade suficiente para justificar a instauração do processo;
– se, considerados os argumentos da defesa técnica da presidente, subsistem a gravidade dos fatos narrados e os elementos de prova que acompanham a denúncia
‘Pedaladas fiscais’
Um dos principais pontos em que o relatório se baseia para justificar a abertura do processo são as chamadas “pedaladas fiscais“, nome dado ao atraso do repasse pela União aos bancos públicos do dinheiro para pagamento de pagar benefícios sociais de diversos programas federais. A prática é interpretada por alguns como um empréstimo dos bancos ao Tesouro, o que é vedado pela Lei de Responsabilidade Fiscal.
Jovair Arantes sustentou que os atrasos nos repasses do Tesouro Nacional para os bancos públicos “não eram apenas meros atrasos ou aceitáveis descompassos de fluxos de caixa, mas constituíram engenhoso mecanismo de ocultação de déficit fiscal, com valores muito expressivos a partir de 2013”.
O relator diz ainda que “a continuidade e a magnitude da prática”, assim como a “notoriedade e a repercussão” desde as primeiras discussões no âmbito do Tribunal de Contas da União, “podem caracterizar o dolo da sua conduta, assim como a prática de crime de responsabilidade, no decurso do atual mandato”. Segundo o deputado, os atrasos são empréstimos à União, o que pode, sim, configurar crime de responsabilidade.
Em outro trecho do documento, o relator afirma que o Poder Legislativo “não permitirá a usurpação de sua função mais importante” que é o de fazer o controle político das finanças públicas.
“As condutas da Denunciada, a princípio, violentam exatamente essa missão constitucional do Poder Legislativo, em grave ruptura do basilar princípio constitucional da separação dos Poderes, além de por em risco o equilíbrio das contas públicas e a saúde financeira do País, com prejuízos irreparáveis para a economia e para os direitos mais fundamentais dos cidadãos brasileiros”, diz o deputado.
“Enfim, segundo a minha análise, a magnitude e o alcance das violações praticadas pela Presidente da República constituíram grave desvio dos seus deveres funcionais, com prejuízos para os interesses da Nação e com a quebra da confiança que lhe foi depositada. Tais atos justificam a abertura do excepcional mecanismo do impeachment”, afirma.
Créditos suplementares
Arantes também aponta como justificativa para o processo de impeachment a abertura de créditos suplementares, por decreto, sem autorização do Congresso.
“Não se tratam de atos de menor gravidade”, registrou Arantes. Segundo ele, há “sérios indícios de graves e sistemáticos atentados a princípios sensíveis da Constituição Federal, mais precisamente a separação dos poderes, o controle parlamentar das finanças públicas, a boa gestão dos dinheiros públicos e o respeito às leis orçamentárias”.
Segundo o relator, a edição dos decretos, ampliando despesas, somente seria admitida sob a condição de que a meta fiscal estivesse sendo cumprida, para não contrariar a Lei de Responsabilidade Fiscal. No entanto, ele destaca que “a meta fiscal em vigor na data de edição dos decretos estava comprometida”.
Ele alega que a presidente “tinha conhecimento do caráter proibitivo e da ilicitude da conduta” porque em 2015 já havia um debate público acerca do tema. Jovair Arantes considerou ter havido ainda “sérios indícios de conduta pessoal dolosa” (intencional) da presidente ao desrespeitar a competência do Congresso em controlar as finanças públicas e as leis orçamentárias.
Para Jovair Arantes, ao editar decretos de crédito suplementar sem autorização do Congresso, num total de R$ 2,5 bilhões, em 2015, Dilma usurpou competência do Legislativo de fazer o controle do Orçamento. O deputado afirmou ainda que o Congresso se viu “constrangido” a aprovar a revisão da meta fiscal de 2015, autorizando rombo de R$ 119,9 bilhões.
“Os fatos mostram sérios indícios de inconstitucionalidade, ilegalidade e irresponsabilidade fiscal, negando-se a vigência e eficácia do art. 4º da Lei Orçamentária, e, por consequência, atentando contra o Poder Legislativo, que se vê constrangido, diante do fato consumado e, no intuito de evitar o colapso das contas públicas, a aprovar uma meta fiscal que passa a depender, em última instância, da vontade exclusiva da Presidente da República”, disse.
Atos anteriores ao mandato
No parecer, Jovair Arantes afirmou que Dilma também pode ser responsabilizada por atos cometidos em seu primeiro mandato e que estejam listados na denúncia de Hélio Bicudo, Miguel Reale Júnior e Janaína Paschoal.
Segundo ele, há jurisprudência no sentido de que, desde que os atos tenham sido cometidos na função de presidente, pode haver punição em mandato posterior.
“Em nosso entendimento, a interpretação mais fiel à vontade constitucional deve ser no sentido de possibilitar a responsabilização do Chefe do Poder Executivo por atos cometidos em qualquer um dos dois mandatos consecutivos, desde que ainda esteja no exercício das funções presidenciais”, sustentou o relator.
Apesar de defender esse posicionamento, Jovair Arantes disse que só considerou no relatório trecho da denúncia relativo a 2015, para evitar questionamentos e por considerar as acusações “suficientes” para instaurar o processo.
“A primeira razão é o intuito de evitar eventual alegação de violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa, até mesmo porque a Defesa nada disse sobre esses fatos. A segunda é porque, nos termos em que a Denúncia foi supostamente recebida pelo Presidente da Câmara dos Deputados, no entendimento deste Relator, já existem motivos suficientes para a formação de juízo desta Casa”, disse o deputado.
Ao acolher o pedido de impeachment, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), só considerou acusações relacionadas ao segundo mandato de Dilma, por entender que ela não poderia ser responsabilizada por fatos ocorridos antes. Cunha destacou na semana passada, porém, que a comissão especial poderia discordar dele e considerar acusações relativas a 2014. Já deputados do PT alegam que o colegiado precisa se ater aos termos da decisão de Cunha.
‘Golpe”
No documento, Jovair Arantes contesta a afirmação dos movimentos contrários ao impeachment de que o processo enfrentado por Dilma seria um “‘golpe’ contra a democracia”.
“Com todo o respeito, ao contrário! A previsão constitucional do processo de impeachment confirma os valores democráticos adotados por nossa Constituição. Se fosse ‘golpe’ não estaria em nossa Lei Maior”, diz o deputado.
“Desde que respeitadas as suas balizas democráticas, o processo do impeachment não é golpe de Estado, na exata medida em que ele objetiva preservar os valores ético-jurídicos e político-administrativos consagrados na Constituição Federal de 1988”, afirma.
Arantes cita trechos de entrevistas dos ministros do Supremo Tribunal FederalDias Toffoli e Carmen Lúcia que disseram não considerar que o impeachment seja um golpe.
O documento também traz exemplos de pedidos de impeachment “formulados por correntes políticas que, hoje, dizem que se trata de “golpe”, mas que, no passado, legitimamente, pediram o impedimento do Presidente da República” da época, entre eles deputados do PT e do PCdoB, que formularam pedidos para afastar o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
“Não é porque a Denunciada foi eleita legitimamente, pelo voto popular, com mais de 54 milhões de eleitores, que estaria ela beneficiada por um salvo conduto para praticar quaisquer atos, ainda que nocivos ao País e, principalmente, contrários à lei e à Constituição”, continua o deputado.
Votação
A expectativa é que a votação do relatório de Jovair Arantes na comissão especial do impeachment aconteça só na segunda-feira (11). Se o parecer for aprovado na comissão, terá de seguir para votação no plenário, onde são necessários pelo menos 342 votos dentre os 513 deputados para que a abertura do processo seja autorizada. Se autorizada, o processo segue para o Senado, que é a instância julgadora, responsável por determinar se a presidente cometeu ou não crime de responsabilidade.
Após a leitura do parecer, será concedido pedido de vista coletivo (mais tempo para os deputados analisarem) no prazo de duas sessões legislativas. Esse prazo terminará na próxima sexta-feira (8), quando, a partir das 15h, terá início a etapa de discussão do parecer.
Todos os 65 integrantes titulares e os 65 suplentes da comissão terão direito a discursar durante 15 minutos cada um. Além disso, deputados que não são membros e que estiverem inscritos também poderão falar por dez minutos cada.
O presidente da comissão, deputado Rogério Rosso (PSD-DF), tentou fazer um acordo com os líderes partidários para reduzir o tempo dos discursos, uma vez que, somadas, as falas dos integrantes da comissão somariam mais de 32 horas.
No entanto, não houve consenso, e o mais provável é que sejam convocadas sessões para sábado ou domingo para que todos possam discursar.
A decisão sobre isso só será tomada na sexta-feira à tarde conforme o número de inscritos para discursar. O prazo para os parlamentares se inscreverem começa às 14h desta quarta e termina quando a sessão começar, na sexta.
As discussões serão encerradas às 17h de segunda-feira, quando deverá ter início a votação do parecer. Para que o parecer seja aprovado na comissão, basta maioria simples. Se não for aprovado, um relator será nomeado na hora para elaborar outro parecer contrário.
No dia seguinte à votação na comissão, o resultado da votação na comissão será publicado no “Diário Oficial da Câmara”.
Depois de transcorrido o prazo de 48 horas, a proposta de impeachment será incluída na pauta do plenário principal para ser votada por todos os deputados.
Para que o processo seja aberto e possa seguir para deliberação pelo Senado, são necessários pelo menos 342 votos favoráveis, dentre os 513 deputados.
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