*João Correia
Minha filha, Joema Felipe Lima, é médica e vive no exterior. Perguntou- me, com a angústia da falta de informação e de uma saudade atroz, se eu considerava o momento atual parecido com o do golpe de 1964. Disse-lhe que não, em absoluto. Ali, a meu ver, o Brasil não tinha chance democrática; o auge da guerra fria conduzia- nos inelutavelmente para uma de duas ditaduras: ou de esquerda ou de direita, ambas totalitárias; a CIA acabou vencendo a KGB. Os militares das Forças Armadas foram os aríetes do golpe e o resto da história é mais ou menos conhecida de todos.
Tenho a sensação de que o momento atual é bem diferente e contempla uma certa ironia. Nestes trinta e poucos anos de Estado Democrático de Direito, um dos mais longevos do período republicano, tivemos a sucessão de governos de centro para a esquerda até o estacionamento no largo período de domínio da esquerda mais ideológica e radical, até hoje; ela nos ofereceu uma das mais profundas e graves combinações de crises já ocorridas em nossa pátria amada e de mais difícil solução nos marcos da democracia liberal.
Muitos têm se apressado em proclamar, talvez mais como desejo de auto- convencimento, que as nossas instituições estão sólidas, maduras e aptas a construírem uma solução que nos retirem do lodaçal em que o Brasil está mergulhado. Considero estas afirmações um tanto precárias, verdadeiras apenas em parte. É que os três poderes estão republicanos mais na retórica do que na realidade.
É certo que eles não podem ser comparados, ainda, com as instituições venezuelanas que submergiram no autoritarismo e cometimento de todos os tipos de crimes, naquele infortunado país.No entanto, não é possível duvidar de que os nossos Executivo, Legislativo e Judiciário estão bichados, embaralhados e despreparados a conduzirem uma saída rápida e barata do feixe das crises, que rebate e machuca as populações mais pobres e vulneráveis. Dia após dia, hora após hora constata-se o travamento e o despreparo de seus quadros incapazes, sequer, de um diagnóstico real das situações objetivas e dos rumos necessários a trilhar.
Seria esta tempestade perfeita um caldo de cultura estimulante para uma solução bonapartista de um golpe? Poderia ser. Mas aí encontra- se a grande ironia: os esbirros que podem pensar em golpes ( não me refiro à hipocrisia propagandística do governo e sua cabriola) são desencorajados por uma instituição considerada a mais confiável pelos brasileiros. Qual? Justamente as Forças Armadas. Muito mais que o funcionamento capenga dos Três Poderes, as Forças Armadas do Brasil são o garante do Estado Democrático de Direito neste momento em nossa pátria. É fácil verificar que as Forças Armadas do Brasil têm se mantido discretas, quietas, resguardadas, bem distantes das pantomimas e leviandades expressadas pelos poderes da República.
Não, minha querida Joema, não se aflija. Não estamos diante da escolha de uma de duas ditaduras como em 1964; estamos diante do Estado Democrático de Direito, garantido pelas Forças Armadas do Brasil, hoje, certamente, a principal instituição verdadeiramente republicana em nossa pátria amada.
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