Do lado direito do ringue, o senador mineiro Aécio Neves, candidato derrotado na última disputa para a Presidência da República. À esquerda, o petista Jorge Viana, também senador e igualmente ex-governador de seu estado, o Acre. O juiz da contenda, o ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, no irônico papel de moderador.
O palco do encontro foi o 4º Seminário Luso-Brasileiro de Direito, em Portugal, onde se discutiu a funcionalidade das constituições em tempos de crise, como a que se vive no Brasil. Do lado de fora da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, cerca de 80 manifestantes acusavam o encontro de ser um convescote de conspiradores, em razão da presença de Aécio, Gilmar e do senador José Serra.
Jorge Viana falou primeiro. Perguntou de que crise a oposição tanto fala. E comparou os números da economia brasileira de 2002 com os registros do final de 2015. O PIB, afirmou, aumentou de 508 bilhões de dólares para 1,77 trilhão; o PIB per capita cresceu de 22,9 mil reais em dezembro de 2002 para 28,8 mil em 2015. A exportação de bens passou de US$ 60 bi para 190 bilhões. A importação de bens foi de 48 bi para 172 bilhões de dólares. O risco Brasil caiu de 1.400 para 400 pontos. A inflação de 12,5 % para 10%. A taxa de desemprego de 12% para 8%. Os investimentos diretos no país saltaram de US$ 16,5 bilhões para 75 bi. O senador citou também a queda da dívida bruta e líquida e o crescimento do rendimento médio real dos trabalhadores.
A mesa dos senadores propunha-se a debater os “Desafios dos Regimes Democráticos no Constitucionalismo Contemporâneo”. Mas o duelo real foi para ver quem tinha os melhores argumentos para sustentar ou negar a continuidade do governo Dilma Rousseff.
Na sua vez, o tucano Aécio Neves invocou Norberto Bobbio, para quem um governo para se sustentar tem que garantir três condições básicas: legitimidade, governabilidade e legalidade. A administração Dilma, disse Aécio, já perdeu essas três condições. Como todo governo populista que se fragiliza, argumentou, a presidente lançou mão do discurso da vitimização: “Mas o fato é que os primeiros a pagar pelas políticas erradas são exatamente os mais pobres que eles dizem defender”, disse Aécio.
O oposicionista também trouxe seus números e disse que o Brasil hoje tem 10 milhões de desempregados e 1,7 milhão despejados nos últimos doze meses. “Um em cada cinco jovens está desempregado. A dívida pública, segundo os mais otimistas, ultrapassará os 70% em breve”. E aproveitou para ironizar a versão de que as manifestações públicas são um truque da oposição: “Quiséramos nós ter força para mobilizar tanta gente. Se tivéssemos, teríamos ganhado as eleições”.
Futuro misterioso
Tanto Aécio quanto Jorge Viana concordaram em um ponto. O futuro imediato do país é um mistério. Nenhum dos dois manifestou qualquer esperança em relação a um governo chefiado pelo PMDB. O petista chamou a atenção para o fato de que nas manifestações públicas, a rejeição é democraticamente contrária a todos os partidos. E mostrou preocupação em relação ao sucesso que fazem nesse momento representantes do setor mais abjeto da política, como o deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ).
Apesar da ressalva de que o PT sempre que fica entre os interesses do partido e os do Brasil opta por olhar pela sigla, Aécio não sonegou um elogio aos adversários. “O PT é um partido importante para o país”, mas para agulhar em seguida, “fará muito bem aos petistas passar um tempo na oposição”.
Ao argumentar sobre a necessidade de um entendimento civilizado entre as forças políticas do país, Aécio narrou o dissabor de quando, ao reconhecer a derrota para Dilma, em 2014, telefonou para a vencedora. “Liguei para cumprimentar, mas também para me colocar à disposição na tarefa necessária de unir o país”, narrou. “Mas a resposta não foi a que eu esperava. Ela foi arrogante. Respondeu que havia vencido com o amplo apoio da sociedade. Hoje, sitiada no Planalto sem poder se comunicar com a sociedade, fala-se em trauma. Mas o trauma maior para o país é a permanência da presidente Dilma no governo”.
Palavra do juiz
Da sua posição de moderador, o ministro Gilmar Mendes observava o embate, até que resolveu se posicionar. Foi enfático quanto à necessidade de mudanças no sistema partidário do Brasil, criticou medidas do Judiciário e profetizou que o país tem encontro marcado com a reforma política.
“As intervenções do judiciário não foram as mais felizes. Permitimos a sobrevivência de pequenas legendas o que provocou obesidade no sistema. Logo após o mensalão começou um processo de infidelidade partidária mediante transferência paga. O Supremo então julgou e disse que a infidelidade partidária pode gerar perda de mandato. Mas criou-se uma brecha para criar novos partidos e isso estimulou o surgimento de legendas. Uma das últimas a aparecer é o Partido da Mulher Brasileira, que não tinha uma única mulher. Isso é grave e é preciso uma reforma. Temos feitos intervenções que podem confundir o sistema”, disse Gilmar.
Serra contra a Constituição
Na palestra anterior, o senador José Serra dividiu mesa com o respeitado professor português Carlos Blanco de Morais. O tucano defendeu insistentemente o parlamentarismo dentro do tema “Os sistemas políticos em avaliação em tempos de crise”. Em sua fala, Serra destacou o período recorde de estabilidade política e econômica do país, destacando como vitórias a derrubada da inflação, a redução da pobreza e o desaparecimento do fator militar na política.
Serra criticou a Constituição, que “não contente em determinar as regras do jogo pretendeu também determinar o resultado da partida” com decisões como a de limitar juros e vedar a transferência de valores dentro do país.
Outro ponto negativo apontado por ele foi a evolução da economia. “O crescimento nesses 30 anos foi medíocre. De 1950 a 1980 o PIB cresceu três vezes. De 1985 a 2015, o Brasil cresceu 40%. A desindustrialização só se acentuou e nesses 30 anos a sua participação no PIB caiu de 24% para menos de 10%.” Para Serra, a falta de resposta para os problemas nacionais já há tempos permitia prever o desfecho da atual administração. “Nunca acreditei que a presidente Dilma conseguiria concluir seu segundo mandato”, disse o senador.