“Na escola tinha um grupo de adolescentes que eu admirava, eles eram ‘maneiros’, pulavam o muro da escola para beber e eu queria fazer parte desse grupo e consegui ser que nem eles. Logo, passei a fazer as mesmas coisas que eles e foi aí que eu experimentei pela primeira vez, aos 15 anos, bebida alcoólica: a cachaça. Logo depois, eu estava frequentando boates e festas. Aos 17 anos conheci a maconha e de repente eu, de bom aluno, passei a péssimo”.
Foi assim que Jorge da Silva, nome fictício, mergulhou no mundo das drogas ainda na adolescência. Em entrevista ao ac24horas, ele conta que graças a prática do programa de Narcóticos Anônimos (NA) têm conseguido vencer a dependência com uma sugestão básica compartilhada nas reuniões de NA: “só por hoje (24 horas) eu decidi que não vou usar drogas, aconteça o que acontecer”.
Partindo dessa filosofia de vida, ele diz estar ‘limpo’ (sem consumir drogas) a exatos seis 6 anos, 7 meses e 9 dias. Hoje ele relembra como se deu sua trajetória no submundo das drogas. “Consegui concluir o 2º Grau aos trancos e barrancos, por um milagre entrei na faculdade e quando fui estudar a noite que, por meio de outras amizades, conheci a cocaína aos 24 anos. Cheguei num ponto que me tornei uma pessoa improdutiva. Eu fumava vários cigarros de maconha por dia, meu nariz vivia ferido de tanto usar cocaína, eu precisava usar droga porque não suportava a vida que eu levava, não aguentava minha vida, me sentia fracassado e não sabia como lidar com as frustrações.
Por não aceitar que tinha se tornado incapaz de controlar o uso de drogas, cheguei a interromper o processo de recuperação duas vezes, voltando a usar exatamente a mesma quantidade de droga que usava quando parei, uma quantidade absurda que me levou a um surto psicótico e precisei ser amarrado numa cama do Pronto-Socorro. Foi quando eu aceitei que não tinha controle sobre isso. Era preciso aceitar que não devia interagir com aqueles velhos amigos, que devia evitar determinados lugares, pois essas atitudes tendem a alimentar falsas evidências de que ainda podemos usar drogas ou beber e ter controle. O álcool é um grande fator de recaídas, muitos dependentes em recuperação retornam ao uso de drogas ilícitas devido ao autoengano de achar que uso de álcool não vai devolvê-los ao inferno que viviam. Eu aprendi isso em NA.
Foi lá que aprendi a admitir que isso é uma doença, que não consigo controlar esse desejo, meu organismo por algum motivo não reage bem a certas substâncias. Todos os dias quando acordo, eu me esforço diariamente para não usar novamente. Hoje levo uma vida de uma pessoa normal, tenho algumas limitações, evito certas companhias, locais onde se consumem bebidas e outras substâncias”, relata Jorge da Silva.
Ex-dependente conta como as reuniões da Narcóticos Anônimos ajudam a superar vício no dia a dia
Jorge da Silva conta que encontrou em Narcóticos Anônimos (NA) o que faltava para superar a dependência. “Lá, encontrei o que senti falta a vida inteira: pessoas que acreditassem em mim, pessoas que não me julgassem pela minha condição social, pessoas que não se interessavam pelo o que eu tinha, elas só interessaram pelo meu problema e como elas poderiam me ajudar”.
Uma coisa que me atraiu – em primeiro lugar – foi o valor do abraço e do não julgamento. Outra coisa também muito importante foi a troca de experiência que eles passaram pra mim, isso foi muito importante porque ao ouvir e ver o exemplo e as dificuldades vencidas por eles nos motiva a acreditar que eu também posso, que eu também vou conseguir, só por hoje eu vou conseguir!”.
Narcóticos Anônimos reúnem mais de 2 mil participantes por ano; troca de experiências ajudam dependentes no Acre
Na capital acreana, Rio Branco, acontecem reuniões todos os dias em dois espaços, um na Catedral Nossa Senhora Imaculada Conceição, centro da cidade, e outro na Paróquia Santa Rita de Cássia, no bairro Estação Experimental. Um terceiro espaço está sendo adaptado no bairro São Francisco, na Igreja em frente ao posto de saúde.
Apesar dos encontros ocorrerem em espaços religiosos, os membros explicam que a “irmandade de Narcóticos Anônimos (NA)” não possui qualquer vínculo religioso ou político, tampouco é ligado a setores públicos ou privados, e a utilização desses espaços ocorrem em virtude do fácil acesso que as igrejas proporcionam bem como o valor cobrado pela utilização das salas, geralmente condizente com a realidade financeira dos grupos de NA.
Segundo eles, NA é uma associação internacional, sem fins lucrativos, que funciona em mais de 131 países, que existe no Acre há 28 anos (há 13 anos funcionando ininterruptamente). A irmandade tem como objetivos ajudar na recuperação pessoal de homens e mulheres (sem distinção de idade, raça, crença religiosa e opção sexual) por meio do valor terapêutico da troca de experiências entre os membros, bem como tornar a irmandade de NA um recurso comunitário valioso para a sociedade acreana, com um programa eficaz para quem tem problemas com drogas.
Em Rio Branco, de 15 janeiro de 2015 a 16 janeiro de 2016, ocorreram 335 reuniões com a participação total de 2.248 mil membros participantes composto por homens e mulheres de todas as idades. Cada reunião conta com duas horas de duração e participam em média sete (07) pessoas por encontro.
No mesmo período, foram realizadas aproximadamente 33 visitas em diversas instituições ligadas a setores sociais, abrigos, centros de recuperação e presídios. Foi graças a essas visitas que 27 pessoas decidiram participar do programa e estão vencendo – a cada dia – a dependência.
Membro, que usou drogas por 33 anos, convida dependentes a partilhar experiências em NA
“Estou limpo a três anos e 28 dias, mas o importante para mim é só por hoje que não usei drogas e nem fiz nada que pudesse alterar a minha mente e o meu humor. Comecei a usar droga com 13 anos e depois conheci outras drogas, eu vivia para usar e usava para viver. Numa dessas internações, eu conheci a mensagem de Narcóticos Anônimos (NA) onde na primeira reunião me disseram que era a pessoa mais importante naquele dia, naquela sala. Eles não me cobraram nada, nem meu endereço, nem quanto eu ganhava, só me falaram que se eu tivesse o desejo de parar e me torna um membro basta eu levantar a mão e ouvir a mensagem dos meus companheiros.
E foi assim que continuei voltando num momento que eu achava que não tinha mais jeito pra mim. Participei de várias igrejas, meu desespero era tamanho que onde me falavam para eu ir, eu ia. Mas só consegui parar com apoio da irmandade de NA. O NA é um programa simples de 12 passos, onde compartilhamos as dificuldades do dia a dia. Através dessas reuniões que eu encontrei uma nova forma de viver.
O NA me devolveu o respeito, a dignidade, me deu uma nova família, eu estou conseguindo funcionar como pai, como filho, esposo, irmão, como companheiro e membro produtivo da sociedade. Quero falar para você que está no desespero, que tá trocando sua comida por droga, sua roupa por droga que a NA te oferece uma nova maneira de viver. Basta que você tenha boa vontade, mente aberta e força de vontade para frequentar as reuniões. É possível viver sem drogas, ninguém foi condenado a viver usando drogas, basta que se dê uma chance para que possa conhecer essa irmandade mundial que vem salvando vidas mundo a fora. Eu usei drogas por 33 anos e consegui parar. Estou limpo graças a esse programa, então participe e frequente. Nós podemos lhe ajudar também”, relatou Luiz Mendes (nome fictício).
A reportagem cita nomes fictícios, afim de preservar a verdadeira identidade dos entrevistados. Nenhuma outra informação adicional ou fotos dos encontros de NA foram divulgadas para evitar a exposição desnecessária dos participantes.
SAIBA MAIS
O que é o Narcóticos Anônimos – Narcóticos Anônimos ou NA é uma Irmandade ou Sociedade sem fins lucrativos, de homens e mulheres para quem as drogas se tornaram um problema maior. Somos adictos em recuperação, que nos reunimos regularmente para ajudarmos uns aos outros a nos mantermos limpos.
Este é um programa de total abstinência de todas as drogas e há somente um requisito para ser membro: o desejo de parar de usar. Sugerimos que você mantenha a mente aberta e dê a si mesmo uma oportunidade. Nosso programa é um conjunto de princípios escritos de uma maneira tão simples que podemos segui-los nas nossas vidas diárias. O mais importante é que eles funcionam.
Visite Narcóticos Anônimos – NA não tem subterfúgios, não somos filiados a nenhuma outra organização, não temos matrícula nem taxas, não há compromissos escritos, nem promessas a fazer a ninguém. Não estamos ligados a nenhum grupo político, religioso ou policial e, em nenhum momento, estamos sob vigilância.
O recém-chegado é a pessoa mais importante em qualquer reunião, porque só dando podemos manter o que temos. Qualquer pessoa pode juntar-se a nós, independentemente da idade, situação financeira, raça, condição sexual, crença, religião ou falta de religião.
Não estamos interessados no que ou quanto você usou, quais eram os seus contatos, no que fez no passado, no quanto você tem ou deixa de ter; só nos interessa o que você quer fazer a respeito do seu problema e como podemos ajudar. Aprendemos com nossa experiência coletiva que aqueles que continuam voltando regularmente às nossas reuniões mantêm-se limpos.
QUEM SÃO OS MEMBROS DO NA
Qualquer um que queira parar de usar drogas pode ser um membro dos narcóticos anônimos, anônimos. Ser um membro de NA não está limitado ao consumo de uma droga em particular. Todos aqueles que sintam que podem ter um problema com drogas, legais ou ilegais, incluído o álcool, são bem-vindos em NA. A recuperação foca-se no problema de abstinência (adicção ou adictos), não numa droga em particular.
O ANONIMATO
A premissa básica do anonimato permite aos adictos frequentarem reuniões sem receio de repercussões legais ou sociais. Esta é uma consideração importante para um adicto quando se propõem a ir a uma reunião pela primeira vez. O anonimato garante também uma atmosfera de igualdade nas reuniões e ajuda a assegurar que nenhuma personalidade ou circunstancia individual venha a ser considerada mais importante do que a mensagem de recuperação compartilhada.
Sobre os 12 passos de Narcóticos Anônimos
1º. Admitimos que éramos impotentes perante a nossa adicção, que nossas vidas tinham se tornado incontroláveis.
2º. Viemos a acreditar que um Poder maior do que nós poderia devolver-nos à sanidade.
3º. Decidimos entregar nossa vontade e nossas vidas aos cuidados de Deus, da maneira como nós o compreendíamos.
4º. Fizemos um profundo e destemido inventário moral de nós mesmos.
5º. Admitimos a Deus, a nós mesmos e a outro ser humano a natureza exata das nossas falhas.
6º. Prontificamo-nos inteiramente a deixar que Deus removesse todos esses defeitos de caráter.
7º. Humildemente pedimos a Ele que removesse nossos defeitos.
8º. Fizemos uma lista de todas as pessoas que tínhamos prejudicado, e dispusemo-nos a fazer reparações a todas elas.
9º. Fizemos reparações diretas a tais pessoas, sempre que possível, exceto quando faze-lo pudesse prejudica-las ou a outras.
10º. Continuamos fazendo o inventário pessoal e, quando estávamos errados, nós o admitíamos prontamente.
11º. Procuramos, através de prece e meditação, melhorar nosso contato consciente com Deus, da maneira como nós O compreendíamos, rogando apenas o conhecimento da Sua vontade em relação a nós, e o poder de realizar essa vontade.
12º. Tendo experimentado um despertar espiritual, como resultado destes passos, procuramos levar esta mensagem a outros adictos e praticar estes princípios em todas as nossas atividades.