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Crônicas de um Francisco: a mais completa definição de amor

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Por Francisco Rodrigues Pedrosa – f-r-p@bol.com.br


Chegara do sul do país sem a mágoa de não ter tido a companhia do marido num momento tão difícil da vida. Os filhos teriam ficado com os parentes dele, o medo de avião deveria ser destruído e o trabalho poderia muito bem entender que se tratava da perda da mãe de sua companheira.

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Talvez como castigo pela ausência, pela falta de compromisso para com ela, Samara não retornou sozinha a sua casa. Ainda com os olhos abalados pela tragédia, fazia-lhe companhia, agora e até a morte, seu único irmão. Eram os únicos remanescentes de uma família que fora paulatinamente espalhada pelo Brasil e destruída em suas andanças mais particulares.


Sozinho com a mulher, Elder teve apenas nove meses de casado. Os três filhos que teve com Samara tinham mais contato com o irmão dela do que com ele. Era pai, mas não era muito presente, visto que, desde sempre, trabalhava arduamente, até altas horas da noite num posto de gasolina, para ajudar a manter o mínimo reclamado pela família.
Já não discutia mais acerca de ela tolerar um irmão descompromissado com a vida e com o seu próprio futuro. No começo, quando a esposa pediu para que ele viesse morar com sua família, tinha jurado que era apenas por alguns dias. Era compreensível nos momentos como aquele em que tinham perdido a mãe, que vivia em uma cidade tão longe, aceitar e possibilitar um gesto de tamanha grandeza.


Cinco anos depois, Jean, o irmão de Samarra, tinha poucas vezes buscado afazeres profissionais para a vida. Não se ateve aos estudos e tinha se transformado, na verdade, numa babá dos filhos do casal. Nessa persistência movida por muito afeto, graças a ele, quando o casal chegava à casa a noite, as crianças estavam banhadas, com sono e dando prova de que eram realmente bem cuidadas. Naturalizou-se sua presença e, depois de tanto tempo, Elder tinha desistido de tocar num assunto que deixava a mulher com raiva por vários dias.


Talvez pelo trabalho, onde permanecia mais de doze horas com aquele uniforme de posto de gasolina, pesado e calorento, ou talvez pela assiduidade e apetite que tinha na cama, fazendo a esposa reclamar constantemente da libido do marido, dizendo-lhe que ele precisava ser mais calmo, Elder informou a mulher de fortes dores em parte de seu sexo, deixando-o muitas vezes relutante em dar dois passos à frente.


Tirou férias, fez exames médicos e ao receber o resultado, reflexivo e consciente, iniciou o tratamento da doença que tinha. Como que um sinal, uma mensagem para que avaliasse sua postura, Elder passou o restante de suas férias sem se quer olhar para mulher.


Como não tinha mais aquela chama que fazia derreter os lençóis, informou à esposa que iria visitar os parentes fora do estado, queria preencher vazios afetivos que ela, por ter seu irmão sempre a seu lado, nunca sentiu.


Considerando que estavam em uma distância relativamente pequena, Elder não precisava morrer vivo para entrar em um avião. Iria de ônibus, e conheceria muito melhor a paisagem que flutuaria na sua retina lentamente.


Visitou a mãe, o tio, os primos e todos os outros que os dias restantes de férias permitiram. Nenhuma vez sentiu falta do corpo da mulher, nenhuma vez entendeu como pôde ser tão animal com as paixões carnais. Amava sua mulher, mas o mundo não era só sexo. Comprou livros, voltou a estudar música e deu, enfim, novo sentido para sua vida.


Viveu, sendo esse novo homem, muitos anos. Ao lado de quem sempre amou, viu os filhos crescerem, se formarem e saírem de casa para buscar os respectivos rumos. Não dava mais importância para o irmão dela; e até acertou com a esposa em fazer um quarto pra ele no fundo do quintal. Era uma forma de reconhecimento pelo trabalho que ele teve, pelo carinho dispensado e pela atenção aos três filhos de Elder por todo esse tempo.


Morreu de câncer após um longo e doloroso tratamento. Nos pertences do defunto, nunca achariam o exame que comprovava que ele teve varicocele, doença que nunca lhe permitiu ter sido pai biológico. Ninguém nunca saberia que o gerente do trabalho de Elder tinha lhe informado acerca da impossibilidade da viagem e que, a insistência lhe faria tomar medidas mais drásticas para com o empregado. Também nunca achariam a pesquisa que fez no cartório onde nasceu Samara,

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Perdido o medo de avião, decidido a eliminar suas suspeitas mais angustiantes, no Rio Grande do Sul, Elder conseguiu comprovar com eficácia que sua esposa era filha única de um simpático casal de imigrantes alemães, e que Jean, bom, Jean era um daqueles amores eternos que o orgulho de Elder não teve coragem de atrapalhar. Alimentou-se, em todas as suas crises masculinas, com a frase bíblica que define o amor, não pelo o que ele seja, mas por meio de sua capacidade:


“Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.” (1 Corintos 13)


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