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José Ribamar: mais do que uma arrebatadora paixão, o futebol tem sido uma das razões de viver

Por
Manoel Façanha

Em Xapuri, sua cidade natal, José Ribamar Pinheiro de Almeida fez de tudo um pouco, até 1970, época em que ele estava no auge dos seus 23 anos (ele nasceu em 10 de fevereiro de 1947). Entre essas tantas coisas, resumidamente falando, ele foi locutor de alto-falante, líder estudantil, promotor de eventos sociais, presidente da liga de futebol local, lateral-direito do Esporte Clube Brasília e jogador de dominó.


Brasília (Xapuri) – 1966. Ribamar é o segundo em pé. Foto: arquivo pessoal de José Ribamar

A mudança para Rio Branco, dada toda essa atividade, talvez jamais tivesse acontecido se ele não tivesse sido preso no auge da repressão desencadeada pela ditadura militar. É que um juiz da cidade entendeu que ele o havia desacatado. Só que no ato da prisão, Ribamar foi enquadrado na Lei de Segurança Nacional. Cadeia sem chance de relaxamento. Só foi solto por intervenção do governador Jorge Kalume.


Com a barra pesando para o seu lado, Ribamar resolveu mudar de ares. Ao chegar em Rio Branco, além de um emprego como datilógrafo no Departamento de Estradas e Rodagens do Acre (Deracre), ele tratou de continuar seus estudos, matriculando-se na Escola Técnica de Comércio do Acre (ETCA). Virou contabilista. Depois foi trabalhar no Incra, ao mesmo tempo em que foi estudar Direito na Ufac.


José Ribamar (de bigode), numa jornada como auxiliar de arbitragem. Foto: Acervo pessoal de José Ribamar

Formado em Direito e com a devida inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ribamar passou em um concurso para fiscal do trabalho, em 1985. Anos depois foi exercitar o seu saber jurídico na Advocacia-Geral da União (AGU), órgão pelo qual se aposentou em 1997. Mas, no meio dessa trajetória toda, ele passou para a história pelo fato de ter sido um dos maiores árbitros de futebol do Estado.


Uma vez pendurado o apito, não podendo mais largar o mundo da bola, ele passou a exercer outras funções dentro do futebol, entre as quais as de comentarista esportivo e treinador. Uma “figuraça”, o Ribamar, que mesmo convalescendo de uma cirurgia recente, não se negou a receber a mim e ao parceiro Manoel Façanha para a conversa cujos principais trechos passamos a reproduzir nas linhas que seguem.


Futebol Acreano em Revista – Conte-nos como foi o seu primeiro envolvimento com o futebol Ribamar – O meu primeiro envolvimento com o futebol, pra valer mesmo, com ingressos pagos e num time organizado deu-se em Xapuri, na segunda metade da década de 1960. Eu jogava de lateral-direito num time chamado Brasília. Era um timaço. Tinha muita gente boa. Casos do Hélio Fiesca, do Ramé, do Curica, do Mucuim, do Jerico. Grande parte desses jogadores depois fez sucesso na capital. Quando jogava Brasília e América o pau quebrava. Era o maior clássico da cidade.


Futebol Acreano em Revista – E em que momento você resolveu ser árbitro de futebol?


Ribamar – Primeiro de tudo, eu tive que parar de ser jogador porque lá pelas tantas eu estourei o meniscos. Foi até num jogo beneficente Isso me impedia de jogar, mas não de correr. Aí, para não ficar de fora do esporte, eu resolvi começar a apitar. A coisa, aos poucos foi encaixando, foi pegando, até deslanchar. Um dia foi um time de um colégio de Rio Branco jogar em Xapuri, levado pelo Adalberto Pereira, que era árbitro em Rio Branco. Perguntaram se havia juiz na cidade. Eu fui indicado. Depois do jogo, a gente estava num barzinho tomando umas cervejas, quando o Adalberto disse que eu era o Armando Marques de Xapuri e perguntou se eu queria mudar para Rio Branco. De imediato eu não quis. Mas, quando eu precisei mudar para a capital, me apresentei na federação e fui admitido no quadro de árbitros de imediato. Depois eu fiz um curso e, modéstia a parte, me destaquei muito entre os participantes.


Futebol Acreano em Revista – Qual a sua primeira partida como árbitro?


José Ribamar (D) trabalhando de auxiliar com o amigo Gadelha. Foto: acervo pessoal de José Ribamar

Ribamar – Minha primeira partida aqui em Rio Branco, já como árbitro da federação foi um Juventus e Independência, pelo campeonato juvenil. Um jogo difícil, de uma rivalidade desgraçada. Passei a noite pensando em como é que eu ia me conduzir. Felizmente, deu tudo certo. Na semana seguinte aconteceria o Torneio Início dos times principais. Pelo Juventus, tinha o Álvaro Curu, que fazia gols pra caramba. E do lado do Independência tinha o Flávio, que dava porrada em todo mundo. Mal começou o jogo, o Flávio deu uma joelhada nas costas do Curu. Eu o expulsei no ato. Em seguida, o Curu se meteu noutra confusão e eu tive que expulsá-lo também. Resultado: ao fim do jogo fui aplaudido de pé pelas duas torcidas.


Futebol Acreano em Revista – Como era o árbitro José Ribamar?


Ribamar – Muito sarcástico, falando o que bem entendia dentro do campo, mas sempre com cuidado de não sacanear os jogadores. Às vezes eu dizia alguma coisa e o jogador executava, mas a jogada dava errado. Quando ele reclamava, eu respondia que ele não tinha nada que fazer o que eu mandava, porque eu não era treinador dele. Durante algum tempo, o árbitro luta para se firmar e nisso ele tenta se conduzir de várias maneiras. Até que chega um momento em que ele encontra o melhor caminho e segue em frente nele. Tem hora que tem que ser duro, tem hora que tem que ser maleável. Ser só uma coisa ou outra o tempo inteiro não dá certo. Mas a gente comete muitos erros também. Todo árbitro comete erros. A gente só tem que se cuidar para acertar mais do que errar.


Futebol Acreano em Revista – Comenta-se que você costumava responder às reclamações dos jogadores de forma espirituosa. Como era isso?


Ribamar – Sim, às vezes eu respondia mesmo de forma bem-humorada. Uma vez, por exemplo, eu fui escalado para apitar um jogo de um time do Amapá, pelo Copão da Amazônia. Aí, antes de começar um jogo, faltava acender apenas uma luminária. Mas isso não atrapalhava em nada. Um zagueiro chamado João de Deus veio reclamar comigo que a lâmpada não acendia etc. Aí eu perguntei se ele era engenheiro. Ele disse que não. Eu falei que também não era. Então, se nem eu nem ele podíamos fazer nada, o jeito era começar o jogo assim mesmo. Então era isso.


Futebol Acreano em Revista – Qual a partida mais difícil que você apitou?


Ribamar – Com toda a honestidade, os jogos mais difíceis era os confrontos entre Juventus e Rio Branco. O chamado clássico Pai e Filho. Esses jogos sempre davam confusão. Juventus e Independência era o melhor jogo. O Independência tinha a maior torcida, faziam um estardalhaço, mas ninguém brigava dentro do campo. Já o Juventus e o Rio Branco, que nem torcida tinha, passavam os noventa minutos brigando dentro do campo. Então eles dificultava o quanto podiam o trabalho da arbitragem. Invariavelmente eu tinha que expulsar jogadores dos dois lados. E cada vez que se expulsava um, dava meia hora de confusão.


Futebol Acreano em Revista – Quais os jogadores mais chatos, aqueles que mais atrapalhavam o seu trabalho?


Ribamar – Os mais chatos eram o Emilson, o Dadão e o Bruno Couro Velho. Cada um era chato à sua maneira. O Emilson era chato, mas era gente boa, fazia um monte de sacanagem, mas era educado, jamais me ofendia. Ficava perturbando no papo, mas nada que me forçasse a expulsá-lo. Já o Dadão queria ser estrela demais. Queria ser o Messi de hoje, ou o Maradona de um tempo atrás. Não tinha quem aguentasse, reclamava de tudo. O adversário não podia encostar nele que ele já queria falta e cartão. Era um saco apitar jogo com o Dadão em campo. No caso do Bruno Couro Velho, o lance dele era cavar uma expulsão o mais cedo possível, para ir pescar. Ele já entrava em campo fazendo confusão. Teve um dia que eu falei pra ele que não iria expulsá-lo de jeito nenhum, nem que ele ficasse nu em campo. Esses três eram os jogadores mais chatos que eu tive contato em minha vida como árbitro.


Futebol Acreano em Revista – Que você considera ter sido o melhor árbitro acreano de todos os tempos?


Ribamar – Evidentemente que fui eu mesmo. Eu tanto tinha uma boa cultura, como dominava os fundamentos da regra, além de saber me posicionar bem em campo. Agora, depois de mim teve dois outros grandes árbitros. Um deles foi o Adalberto Pereira que, apesar de não apitar tão bem assim, se impunha pela intimidação. Ele só apitava armado com uma “peixeira” na cintura. Inclusive porque ele era policial. O outro foi o Wagner Cardoso, que tinha boa técnica, além de ser muito malandro. O Wagner, com a sua malandragem, levava o jogo sempre numa boa. Podia dar o rolo que desse, ele ia levando na boa. Quando ele via que os ânimos estavam se acirrando, terminava o jogo mais cedo. O Wagner cansou de terminar o jogo aos 41, 42 minutos. Tudo para evitar tumulto. Era um jeito esperto de apitar.


Futebol Acreano em Revista – Apesar de todo esse preparo técnico e cultural citado, você chegou a ser agredido em campo. Como foi isso?


Ribamar – Eu tive duas situações de agressão. Uma delas foi apenas uma tentativa. Não chegou a se consumar. A outra, eu fui atingido mesmo. Essa foi com o Valdir, centroavante do Atlético. Mas eu revidei. Dei uma porrada no Valdir que até hoje tenho a mão doída. Ele me acertou, mas eu acertei ele muito mais. Foi num jogo entre Atlético e Juventus. Acertei ele com a mão esquerda. O pessoal até disse pra ele não se meter comigo que eu era faixa preta. Eu não era faixa preta coisa nenhuma. Mas aí ficou por isso. A tentativa de agressão aconteceu com o José Augusto Cunha, quando ele era treinador do Internacional. Mas essa ficou só na ameaça.


Futebol Acreano em Revista – Depois de encerrar a carreira como árbitro, em 1993, você virou técnico. Comente essa passagem de uma função para a outra.


Artemar, Alan, Osmar Valente (diretor) e José Ribamar observam o desempenho do Independência do banco de reservas. Foto: acervo pessoal de Manoel Façanha

Ribamar – Passar de árbitro para treinador foi a melhor coisa que aconteceu comigo. Porque como árbitro você não aprende muita coisa. Você vive numa eterna rotina. Já como treinador, pelo fato de você ter que trabalhar com muita gente, o dia a dia é um aprendizado constante. Eu posso dizer que tive sorte como treinador. Eu comecei a carreira em 1999 e desde então jamais tive problema algum com nenhum dos meus comandados. Minha primeira experiência foi no Independência, a convite do Nei Braga, presidente do clube. O time havia perdido para um adversário de Porto Velho, vinha mal das pernas, o treinador que estava lá, segundo o Nei, não sabia de nada, não tinha moral nenhuma, chega atrasado, briga com os jogadores. E aí, por tudo isso, me convidou. Eu topei a parada e fiquei nessa até o ano passado [2014].


Futebol Acreano em Revista – Quais times você treinou e qual aquele que você considera ter feito o melhor trabalho?


Independência – 1999. Em pé, da esquerda para a direita: Manoel Carmona (massagista), Tenente Messias (preparador físico), Cleiber (auxiliar técnico), José Ribamar (técnico), Bené (roupeiro), Magá (massagista), Jorge e Claudinho. Sentados: Lauro, Mariano, Sales, Dênis, Tidalzinho, Dorielson, Jorge Cubu e Nego. Agachados: Redson, Pereira, Milson César, Getúlio, Artemar,  Robertinho, Pitiú e André. Foto: Manoel Façanha

Ribamar – Dirigi, inicialmente, o Independência durante três anos: 1999, 2000 e 2001. Era pra ter sido tricampeão nesse período. Por um desses caprichos do futebol, isso acabou não acontecendo. Nos dois primeiros anos fomos vice-campeões. Depois disso, a pedido do Toniquim, fui treinar o Atlético. E aí saí rodando. Passei pelo Adesg, pelo Juventus, pelo Amax e pelo Náuas. Meu último trabalho foi no Independência, na segunda divisão de 2014.


Futebol Acreano em Revista – Para concluir, Ribamar, eu gostaria que você fizesse uma comparação entre o futebol acreano do passado e do presente.


José Ribamar, que mesmo convalescendo de uma cirurgia recente, não se negou a receber a reportagem para uma entrevista. Foto: Manoel Façanha

Ribamar – Eu tenho uma opinião diferente da maioria. Pra mim, o futebol atual é muito melhor. No passado existiam alguns bons jogadores. Mas a maioria não jogava nada. Se você colocar o Rio Branco do final da década de 1960 para jogar com o Andirá de hoje, o Rio Branco perderia. Aliás, não perderia só para o Andirá não. Perderia para qualquer um. Antes de o Rio Branco importar jogadores como o Padreco, o Vale, o Fernandinho, o Espanhol e outros, o time era muito ruim. Antes desses que eu falei, o Rio Branco jogava com Jones, no gol, Grassi, Danilo Maia, Pedro Louro e Stélio, na zaga. Essa zaga segurava quem hoje? Não segurava ninguém. O Rio Branco começou as importações de jogadores e os outros times cresceram juntos. Não tenho dúvida, o futebol atual é muito melhor.


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Manoel Façanha

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