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Ensaio sobre a cegueira

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Manoel Façanha

José Saramago, escritor português que ganhou o Prêmio Nobel de Literatura de 1998, falecido em junho de 2010, foi um desses artistas prolíficos, autor de tramas que só costumam ocorrer aos grandes gênios da história da humanidade. Ler Saramago é mergulhar num torvelinho de estranhezas, fantasias e emoções intensas.


Em 1995, por exemplo, Saramago publicou um livro intitulado “Ensaio sobre a cegueira”, cuja narrativa descreve uma epidemia que torna sem visão boa parte da população de uma cidade. Para não deixar que a doença atinja todos os habitantes, o governo local coloca os infectados numa espécie de quarentena. Com recursos limitados para sobreviver, os afetados acabam se transformando em seres primitivos.


Na essência, o que o português José Saramago quis mostrar ao falar de uma sociedade composta por pessoas que perderam, de uma hora para a outra, um dos seus mais importantes sentidos, foi a reação delas à adversidade, proporcionada pela incapacidade, pelo desprezo e pelo abandono. Uma verdadeira metáfora da barbárie!


Embora nada disso tenha a ver com o futebol nosso de cada dia, não pude deixar de lembrar de José Saramago e o seu “Ensaio sobre a cegueira” quando do jogo do Brasil contra a Venezuela, terça-feira passada, pelas Eliminatórias da Copa do Mundo da Rússia. Eu fui um dos 38 mil presentes ao estádio Castelão a passar momentos de perplexidade pela condição de reservas do Lucas Lima e do Kaká.


Lento e sem imaginação, o Brasil, apesar de ficar sempre à frente no placar, demonstrava um futebol pífio, de toques laterais e extrema lentidão. O jogador  “brazuca” encarregado de armar as jogadas ofensivas da nossa seleção era o Oscar, sujeito que não produzia absolutamente nada de proveitoso. O estádio inteiro pedia a substituição do meia Oscar. O treinador brasileiro, porém, não via e nem ouvia nada.


Ali, pra mim, o Dunga era um personagem de Saramago piorado. Não enxergava, não escutava, só esbravejava. Cego e surdo, ele costuma ainda se comunicar muito mal com as palavras. Uma criatura primitiva, à beira do campo, desafiando a voz do povo e tornando dramático o que poderia ser uma vitória fácil.


Eu tive certeza, movido pelos urros da plebe rude e ignara (já li isso em algum lugar) que resolveu mais uma vez acreditar que a seleção brasileira poderia naquele dia lembrar os seus tempos de glória (afinal era apenas a Venezuela), o quanto o Dunga poderia ser um grande personagem para algum romance de Saramago. Cego, surdo, mudo e odiado. Que personagem fascinante de José Saramago ele seria!


Infelizmente, José Saramago já não faz parte desse mundo. E se não pode ser personagem de romance, o Dunga vai continuar dirigindo a seleção. Pelo menos até enquanto o time não levar uma goleada desmoralizante, igual àquela da Alemanha na Copa passada. Se cabe a lembrança, o próximo jogo é só contra a Argentina. “Só”!


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Manoel Façanha

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