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Por favor, papai, não morra!

Por
Roberto Vaz

*Moisés Diniz


Foram as últimas palavras de Aylan Kurdi, o menino sírio, antes de ser tragado pela violência do mar e provocar a maior onda de solidariedade e dor que a humanidade já viu. É que, antes, a dor humana ficava restrita ao lugar, sob o controle das grandes corporações da mídia.


Não havia facebook, whatzzap, twitter, aonde o povo pudesse se informar e protestar, viralizando a indignação. O mundo se levantou pelas redes sociais, sem, ainda, ocupar as ruas, e fez os poderosos governantes europeus abrirem algumas de suas portas de ouro aos refugiados.


A morte dolorosa de Aylan acordou o planeta: o ódio está matando no oriente Médio, em nome de Deus (Alah) e expulsando milhões de homens, mulheres e crianças. Lamentavelmente, tristemente, os idosos estão ficando para trás, para a morte, porque não suportam a longa e sofrida travessia.


Aqui reside a primeira mentira, como tragédia: não é Deus (Alah) quem mata. É o petróleo que nós consumimos e enriquece os poderosos do Oriente e do Ocidente. Do lado de cá, os donos do planeta enviam seus exércitos para derrubar ditadores que queriam ficar com o petróleo só pra eles.


Aí, os países se desintegraram, líderes tribais dominam regiões e califas e aiatolás ditam as regras, usando o nome de Deus (Alah), destruindo países, matando crianças, barbarizando mulheres, criminalizando homossexuais, enriquecendo, expulsando milhões para o mar.


São bandidos poderosos que matam por petróleo e ainda têm a desfaçatez de usar o nome de Deus (Alah), no Oriente, e enviar tomahawk em nome da democracia, no Ocidente. Nada impedirá que esses vermes antropoides, vestidos de ouro, escapem da mais dolorosa punição, no mais sombrio dos infernos! Eles mataram Aylan.


E nós, o que podemos fazer, além da nossa indignação? Nós que estamos tão distantes do mar que, criminosamente, engoliu Aylan?


Cuidar do que podemos. Fazer o que é possível dentro do mar da nossa consciência, que, com rosto inocente, mata outros Aylan todos os dias, trilhando um caminho que abrace o mundo e suas contradições, suas angústias, e não afaste mais a humanidade de si mesma.


Aqui tem os haitianos. O que podemos fazer para dar-lhe acolhimento? Devemos deixar tudo nas mãos do governo ou podemos, como sociedade, fazer a nossa parte, além de pagar impostos? Sabemos que os impostos já são absurdos, mas, aí é com a consciência de cada um.


Aylan ainda respira aqui. No Acre, Aylan ainda não morreu. Além dos haitianos, há os sem-teto, os sem-terra, povos indígenas nas ruas, mendigos, jovens sendo destruídos pelas drogas, um mundo em convulsão, pedindo amor ao próximo.


Mas, o caminho não é só o da caridade. É o da política também. Toda energia de quem tem poder deve ser canalizada para construir um modelo de transporte coletivo que garanta comodidade e respeito ao povo e reduza os carros nas ruas.


E também o da solidariedade. Olhar com mais cuidado para as nossas diferenças, sejam políticas, culturais, religiosas ou filosóficas, sejam das várias formas de escolha, porque a diferença respeitada é vital para bloquear ideologias políticas extremas e religiões que matam. Cruzar a fronteira das diferenças é declarar guerra ao outro, ao semelhante diferente, na sua individualidade, na sua opção e na sua diversidade.


Coisas simples. Conseguir parar o carro e permitir que o cidadão atravesse a rua, aonde não tem faixa, porque ele está no sol e eu estou no ar condicionado. Descobrir que o pedestre está em condição inferior, mais frágil, que precisa da fidalguia de quem dirige o carro.


Gestos mais coletivos. Cuidar mais dos amigos, da família e ajudar o padre e o pastor a aumentarem a sua caridade, a sua obra social. Perguntar ao presidente do bairro como podemos ajudar a comunidade e visitar o nosso sindicato, se filiar e ouvir mais as angústias das ruas, dos hospitais, dos quartéis, das escolas.


Detalhes que mexem com o coração. Quando encontrar alguém, seja quem for, vamos perguntar primeiro como ele está, sua família, ouvir antes de falar. Dia desses, não fiz isso, e fui de certa forma grosseiro com uma pessoa. Descobri depois: ele estava com o pai com câncer. Não consigo me perdoar.


Estudar a história. A internet abriu essa possibilidade a todos, indiferente de classe social. Nela encontramos exemplos que não devem ser repetidos, líderes que se perderam na arrogância, no medo que provocaram, no sofrimento da sociedade que dependia deles. Por outro lado, conhecer líderes que abriram portas e acenderam luzes para a humanidade, que foram comandantes do maior dos exércitos: a simplicidade. Apresentá-los, biograficamente, aos jovens do presente, aos nossos filhos, aos nossos alunos, aos filhos dos nossos vizinhos.


Dedicar pedaços do dia para visitar um amigo, tomar um café, um guaraná, um tereré. Gastar tempo convencendo um amigo a ir a uma igreja, emprestar um livro de bom romance, humanista, criar uma corrente de livros emprestados, que ficam na prateleira, empoeirados, transformando-os em vida saudável, ética e fraterna, em virtude, em entusiasmo, em autoestima.


Seja você político, empresário, religioso, sindicalista, profissional liberal, seja um cidadão comum, procure na sua região, no seu bairro, na sua cidade, aonde estão vivendo os Aylan.


Porque acho que é isso que o menino Aylan Kurdi está nos pedindo, com o seu coração ainda molhado pelas indecentes águas salgadas de um mar que não tolera fugitivos da guerra, porque ainda é dominado por quem administra a morte.


Aylan apenas está pedindo a todos nós: voltem a fazer coisas simples, coisas de gente!


Moisés Diniz é membro da Academia Acreana de Letras e autor do livro Os Últimos Irmãos.


 


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Roberto Vaz

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