A florestania hippie enxerga a cidade como o inferno de Dante e sonha acolher na floresta os seus ex-cidadãos. Uma visão romântica e inviável, pois a florestania real, que começou a ser experimentada no Acre, olha o homem e a floresta como entes inteiros.
A florestania deve ser capaz de aumentar o PIB e a renda per capita sem destruir o patrimônio natural, de construir espaços urbanos bonitos sem poluir os rios, de erguer obras vistosas sem acossar os animais da floresta, os pássaros, de levantar grandes pontes e até de cobrir o solo com asfalto sem comprometer o futuro, sem agredir o verde que sempre foi o dono do lugar.
Quando defendemos a florestania como um conceito que pode interferir na vida das pessoas, nós acreditamos que seu campo de ação não deve ficar restrito à floresta. Ela deve vencer os cipoais, cruzar os varadouros e emergir dos seus lagos encantados e sombrios.
A florestania é o homem vivendo a plenitude de seus direitos civis, sociais e ambientais na floresta e no entorno dela, das aldeias indígenas às cidades. Durante um século, o tempo de nossa existência como acreanos, fomos preconceituosos com a floresta, interditamos a sua beleza e cultuamos o concreto e as bugigangas culturais europeias.
Aqui fomos tão longe no embrutecimento de nossa memória e no extermínio de nossas raízes que, somente em 1970, o Estado do Acre reconheceu, oficialmente, a existência de povos indígenas em seu território.
Chegamos ao ridículo de construir nossas moradias, nas cidades, de costas para o rio, como se ele e suas águas, seus peixes e seus encantos nos envergonhassem. Línguas indígenas foram perdidas e escondemos a sintaxe cabocla da floresta profunda. Anulamos as nossas origens.
Ocorre que, aqui no Acre, tudo é floresta. Somos apenas 22 clareiras no meio da imensa floresta de árvores, animais, lagos, insetos, peixes, pássaros e larvas. Em nenhum lugar urbano do Acre andamos mais de 20 km para encontrar a floresta.
Estamos tão próximos da floresta que, muitas vezes, nos comportamos como os animais ou os insetos que estão no seu interior. Quantas vezes nos comportamos como a cotia, a roubar a mandioca dos roçados próximos ou como as formigas que erguem o barro coletivo e a solidariedade.
Somos um imenso oceano de árvores e toda beleza natural que brota no seu entorno, um jardim de Éden, apesar dos piuns e das muriçocas. De Mâncio Lima a Assis Brasil são milhares de km² de florestas profundas, a proteger 21 pequenas cidades que, sem a capital, nem atingem o meio milhão de habitantes.
Apenas com a decisão do STF, que deslocou a linha Cunha Gomes (retirando do Amazonas 1.184 km², o que corresponde a 1,1 milhão de hectares), o Acre ganhou uma Cisjordânia de florestas, águas, pássaros, animais e riquezas inigualáveis. Mas, os habitantes das cidades já perguntaram como vivem os novos acreanos dessa imensa área florestal?
Assim, devemos olhar a florestania como um conceito integral, que proporcione vida digna ao acreano na moradia, no alimento, no vestuário, na escola, no transporte, na cultura, no lazer e no hospital, quando adoecer.
Aqui reconhecemos que esse conceito, transformado, experimentalmente, em política de governo, evitou a morte de milhares de hectares de floresta, sustou a matança de milhares de espécies vivas e evitou a descarga de milhares de toneladas de carbono. Aonde foi possível ergueu belos espaços urbanos de lazer e de cultura e suavizou a paisagem com amplas e belas avenidas. Ergueu escolas aprazíveis e modernos hospitais.
Mas, não ganhou a militância política e jurídica, de prefeitos, deputados, vereadores, de magistrados, de jornalistas. E, mais lamentável, não atingiu ainda o coração privado.
Exemplo disso, o transporte coletivo ainda é de tirar a paciência de qualquer um que o use e as nossas construções não levam em conta uma arquitetura verde e o clima chuvoso da Amazônia.
Mesmo com todos os avanços, como a construção de novos terminais e a abertura de corredores exclusivos, o transporte coletivo não saiu do lugar comum. Precisamos construir um modelo novo, mais humanista, mais sustentável e mais digno, porque ele atende a camada mais sofrida da população.
Da mesma forma, não tem explicação a arquitetura de nossos prédios não permitir abrir as janelas durante as chuvas, que são constantes durante oito meses do ano, o que reduziria o custo da energia elétrica e combateria o aquecimento global.
A nossa arquitetura amazônica deve ser verde, capaz de aproveitar as correntes frias do ar da chuva e permitir formas mais modernas e futuristas de aproveitamento da luz do sol. É inacreditável, mas, nós ainda desperdiçamos a chuva e o sol, aqui nessa Amazônia de água abundante e forte temperatura.
Há uma exceção que merece registro. O governo de Tião Viana instalou energia solar em todas as casas da Cidade do Povo, garantindo gratuidade e uso inédito de chuveiro elétrico para a população de baixa renda.
Isso significa dizer que podemos ampliar esse exemplo para as escolas, hospitais e organizar um programa de apoio ao uso da energia solar nas residências, diminuindo a sangria que sofremos na conta de luz.
Não podemos pensar numa sociedade sustentável, aqui na Amazônia, se os lugares aonde as pessoas vivem, trabalham e estudam não forem erguidos sob os paradigmas de uma arquitetura verde. As cidades do Acre cuidam mais de suas calçadas do que de suas árvores que, quase não existem na paisagem urbana, castigada por uma temperatura hostil.
Se fomos capazes de criar um conceito inédito e de iniciar a sua experimentação como política de governo, devemos usar da mesma engenharia criativa para constituir uma arquitetura verde e um transporte coletivo que sejam modelos para o Brasil.
Além dos prédios e dos ônibus, como símbolos da sustentabilidade coletiva e do avanço das condições materiais, precisamos levar a florestania aos corações humanamente partidos, às almas contrariadas e aos lugares mais defeituosos da condição humana.
Aonde houver um acreano doente, seja no corpo, seja na alma, precisamos alcançá-lo, erguer a sua autoestima e entregar-lhe a esperança de um abraço irmão. Do contrário, será como se estivéssemos a erguer praças e esquecendo das crianças, que não conseguem brincar ou sentar nos seus bancos.
A florestania deve atingir toda a condição humana, iluminar todos os espaços, fortalecer todos os laços, anistiar o contraditório e sepultar o preconceito contra a floresta e os homens pobres. Ela precisa unir a floresta aos espaços e entes urbanos.
A florestania que defendemos é completa, é florestal, é urbana, é moderna, é humanista, é fraterna e tem no homem amazônico a sua grande aposta. Por isso, ela precisa estar cada vez mais perto do povo, acolher mais o contraditório e ouvir mais a academia, as aldeias, a intelectualidade e as ruas.
Moisés Diniz é membro da Academia Acreana de Letras e autor do livro Os Últimos Irmãos.
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