Jairo Carioca – Reportagem Especial
Estantes embutidas nas paredes, lotadas de velhos livros em prateleiras muito bem organizadas, fitas cassetes, fotografias, documentos, certificados, medalhas. Nesse cenário cheio de simbolismo entranhado e histórias registradas, a reportagem do ac24horas foi recebida por dona Beatriz Cameli, a elegante viúva do ex-governador Orleir Cameli, que carinhosamente é chamada de dona Bete. É a primeira equipe de reportagem a ter acesso ao memorial organizado pela família que vai ocupar parte das salas da empresa Colorado – que foi presidida pelo ex-governador – no município de Cruzeiro do Sul (AC) .
“Eu ia fazer uma surpresa para ele quando fossemos inaugurar esse prédio, ele ficou aqui somente três meses, não deu tempo”, revelou dona Bete.
Voz serena, olhar comprometido, formada em tecnologia de ensino pela Pontifica Universidade Católica (PUC), dona Bete afirma que a maior importância desse resgate é que as futuras gerações saibam de onde a família veio e qual foi a sua contribuição com o progresso. “O Orleir amava essa cidade”, destacou.
O arquivo morto já está organizado por assuntos. O áudio de todas as entrevistas em fita cassete foram digitalizados. Tudo com a coordenação da viúva. Até os detalhes do quadro feito em marchetaria, pelo artista Maqueson, tem sua participação. Exposto na entrada principal da empresa, o ex-governador aparece ornamentado dirigindo uma máquina moto escraper, que segundo dona Bete, “na época estava alugada para a Ensa” detalhou.
A biografia será apresentada nas escolas da rede municipal e estadual de ensino de Cruzeiro do Sul, através de uma exposição de quadros que mostram a trajetória empresarial e política do líder da família Cameli.
“Eu quero deixar o legado para os jovens darem importância às pessoas que passaram aqui para o crescimento. O tipo de mentalidade que o Orleir tinha eu admirava demais. Ele era uma pessoa que resolvia as coisas, não gostava de coisas mal feitas. Tinha que corrigir. As próximas gerações têm que se espelhar nesse personagem tão autêntico como era o Orleir” acrescentou.
A caminhada foi longa pelos corredores do moderno prédio erguido ainda pelo ex-governador em vida. Na parada para um cafezinho e um copo com água, mais histórias iam sendo reveladas.
Os irmãos Chiquinho e Orleir decidiram construir em seus locais de trabalho uma Capela para o primeiro Santo canonizado e oficialmente reconhecido Santo no Brasil, Frei Galvão. Chiquinho, no estaleiro Juruá, em Manaus; Orleir na Construtora Colorado, em Cruzeiro do Sul. A obra não é em vão, mas uma forma de agradecimento pelas graças recebidas. Chiquinho por ter resgatado a sua saúde e Orleir por ter sido curado de uma calcificação na escápula.
Dona Bete seguiu contando que o material para a construção da Capela no pátio da empresa Colorado até que chegou a tempo, mas devido ao trabalho de construção da BR 364, a obra acabou não sendo erguida com o ex-governador em vida.
“Ele se dedicou muito à construção dos demais trechos da BR 364 que estavam sob a sua responsabilidade e acabou não tendo tempo de erguer a capela” disse.
Saímos caminhando do refeitório onde tomamos um cafezinho para conhecer a Capela que foi erguida após a morte de Orleir Cameli. Segundo a viúva, o empresário queria casar com ela na Igreja Católica na inauguração da pequena Igreja.
Dona Bete é uma mulher discreta, de bastidores, foi durante muito tempo uma espécie de conselheira de Orleir Cameli, mas que deixava a ele a atuação na linha de frente. Ela reencontrou forças para continuar a conversa dentro da Capela. Mostrou vitrais que vieram da Alemanha com imagens do profeta Elias – que viveu no reino de Israel durante o reinado de Acab – e do historiador e pesquisador Jeremias, que também foi profeta. No altar central fica a imagem de Frei Galvão.
Ainda de acordo com dona Bete, o ex-governador Orleir Cameli tinha muitas superstições, uma delas era com o número 13. “Ele detestava esse número, mas acabou sendo o décimo terceiro governador e morreu em 2013” lembrou.
A Capela foi inaugurada no dia 08 de maio de 2014, um ano depois da triste quarta-feira em que Orleir Cameli deixou a família em Manaus, aos 64 anos.
A primeira homenagem
Em dezembro deste ano, dona Bete quer lançar a primeira parte da homenagem ao ex-governador, um vídeo de cinco minutos em desenho animado que conta a história de forma resumida de Orleir. Até maio do próximo ano, ela espera lançar a biografia e editar um livro que ela pesquisa há seis anos sobre comidas típicas no Juruá.
“No Acre ninguém sabe o que é arabu. Sabe? Arabu é mujangue. Em Pucalpa chamam aradu” comentou. Ela citou outras palavras do vocabulário nordestino que fazem parte de sua pesquisa como “encriquilhar” que significa, segundo dona Bete, enrugar, engelhar.
A ex-primeira Dama
Essa não é a primeira vez que Beatriz Cameli desenvolve esforço para valorização da cultura e da história acreana. Quando foi primeira dama do Estado, conseguiu desenvolver desde eventos culturais de alcance popular, como o “Natal na Praça” até iniciativa de alto apuro intelectual, como o projeto de “Memórias e Imagens da História e da Revolução Acreana”.
Outro trabalho de destaque na área cultural foi o livro “Gente Acreana de Expressão” com biografia de grandes personalidades do estado, editado em 1996 pelo jornalista José Chalub Leite.
Apoio do sobrinho
Na última agenda que cumpriu no município de Cruzeiro do Sul, o senador Gladson Cameli conheceu o trabalho que vem sendo feito por dona Bete. Sobrinho do ex-governador, Gladson garantiu apoiar a obra de resgate daquele que ele afirma ser sua grande inspiração política.
“Um homem muito autêntico, obstinado e corajoso, que sempre enfrentou os obstáculos de cabeça erguida, tanto como pai, como empresário e como político”, disse o senador.
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