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O profeta que nasceu dentro de um violão

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Moises_100psx*Moisés Diniz


Falar sobre uma religião é como interpretar a palavra de Deus, é como decifrar vontades divinas e dialogar com os anjos. Imagine falar de três. Por isso, vou aqui falar dos homens, de carne e osso, na sua dor, nos dias de frio, fome, desejos, solidão, calor, sofrimento, na sua humanidade.

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Mestres Irineu, Daniel e Gabriel, profetas da floresta, antes de tudo, eram homens, na sua beleza e na sua perversão, submetidos aos sofrimentos da carne, como nós, como qualquer um, como Buda, como Maomé, como Jesus.


Sim, como Jesus, filho de Deus, mas, humano até os ossos, que sentiu fome, medo, angústia e dor, fundador do Cristianismo. Na época do rei Herodes, o anjo Gabriel aparece a Maria na cidade de Nazaré, virgem e noiva de José, e anuncia que ela viria a conceber do Espírito Santo e que daria ao seu filho o nome de Jesus.


Jesus era um menino de prótons, neutros e elétrons. Uma criança constituída de átomos eternos, a brincar com os quasares como se fosse pedaços de gesso.


Homens de carne e osso, como Mestre Irineu, fundador do Centro de Iluminação Cristã Luz Universal – Alto Santo. Filho de ex-escravo, guerreiro das estradas de seringa, em Xapuri, Brasiléia, Sena Madureira, Rio Branco. Irineu Serra cortou seringa na terra de Chico Mendes.


Irineu Serra trabalhou com o Marechal Rondon. Se tivesse sido 15 anos antes, teria trabalhado com Euclides da Cunha, na definição dos limites entre Acre, Peru e Bolívia. Mestre Irineu fez a sua passagem em 1971.


Homens submetidos à mortalidade, como Buda, fundador do Budismo, que nasceu no século VI aC, com o nome de Siddharta Gautama, filho do rei dos Sakias.


Foi assim que esse príncipe, aos vinte e nove anos, casado com a bela princesa Yasodhar, resolveu abandonar a casa no mesmo dia em que nasceu o seu filho Rahula, após ter concebido profundos pensamentos sobre a miséria humana.


Homens pecadores, como todos nós, como Mestre Daniel, fundador do Centro Espírita e Culto de Oração Casa de Jesus Fonte de Luz. Maranhense, foi construtor naval, cozinheiro, músico, barbeiro, alfaiate, carpinteiro, marceneiro, artesão, poeta, pedreiro, sapateiro e padeiro.


Viveu no bairro 6 de agosto e no Papôco, na beira do rio, zona de meretrício. Era um boêmio, bebia, fumava, escrevia canções de amor, dormia ao relento. Mestre Daniel era um profeta que estava nascendo dentro de um violão. No Poço das Cobras Mestre Daniel recebeu a missão e em 1958 Mestre Daniel desencarnou.


Homens do seu tempo, como Maomé, fundador do Islamismo. Nascido em Meca, Maomé foi durante a primeira parte da sua vida um mercador. Tinha por hábito retirar-se para orar e meditar nos montes perto de Meca.


Os muçulmanos acreditam que em 610, quando Maomé tinha quarenta anos, enquanto realizava um desses retiros espirituais numa das cavernas do Monte Hira, foi visitado pelo anjo Gabriel que lhe ordenou que recitasse uns versos enviados por Deus, e comunicou que Deus o havia escolhido como o último profeta enviado à humanidade. Maomé deu ouvidos à mensagem do anjo e, após sua morte, estes versos foram reunidos e integrados no Alcorão.


Homens comuns, mas especiais, como Mestre Gabriel, fundador da União do Vegetal. Baiano, filho do povo, tem que abandonar todos os laços familiares, porque soube ser solidário com um amigo, contra a injustiça.

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Vem pro Norte, passa por Rondônia e vem trabalhar na seringa como um brabo, enfrentando até esporada de arraia. Em 1946 conhece sua amada, Mestre Pequenina e em 1961 Mestre Gabriel, soldado da borracha, funda a UDV no Acre. Em 1971 Mestre Gabriel fez a sua passagem.


Homens que fundaram uma religião. São como saliva de Deus, seus olhos mortais, seus ouvidos, compatriotas dos anjos, na pátria da eternidade e do sonho humano de viver sem dores.


Jesus, Irineu, Buda, Daniel, Maomé, Gabriel. Homens comuns, um, filho de Deus, que ultrapassaram o seu tempo, se fizeram maiores do que os obstáculos e todas as misérias humanas.


Capazes de vencer a dor, os vícios, as indecências, as fraquezas humanas. Homens que se fizeram próximos dos anjos. Homens que, aqui na Amazônia do Brasil, fundaram uma religião e fizeram homens e mulheres se tornarem melhores, mais fraternos, mais irmãos.


Gabriel, Irineu e Daniel ficaram próximos das dores humanas, sentiram o odor da carne e todos os seus incensos, provaram do vinho profano e abriram suas almas para as aventuras da mortalidade, apalparam a pele áspera das árvores, dos cipoais e a pele macia das mulheres amazônicas, suportaram o calor do sol e o frio das madrugadas, a sede e a fome, as doenças da época, os desejos de adolescente e os sonhos de adulto.


As mães de Gabriel, Irineu e Daniel sangraram no parto e os três Mestres nasceram cobertos de sangue como toda criança, um instrumento rústico cortante separou os seus umbigos do corpo e uma palmada carinhosa arrancou-lhe o primeiro soluço de choro.


A comida que eles consumiam se decompunha no estômago e ele precisava se desfazer delas, urinar, limpar-se, se vestir. Os Mestres Gabriel, Irineu e Daniel eram humanos como todo e qualquer homem da Terra e seus desejos seguiam a lógica da mortalidade. Eles eram homens, com todas as necessidades que acompanham a nossa espécie desde os primórdios.


Gabriel, Irineu e Daniel eram mortais, dotados de todas as habilidades humanas e perseguidos, como pássaros feridos, por todas as serpentes que infernizam os homens, especialmente aqueles que sobrevivem do trabalho de suas próprias mãos e, como herança do Éden perdido, comem e bebem do suor do próprio rosto.


Nota: discurso que proferimos na sessão especial da Assembléia Legislativa do Acre, proposta por nós, em homenagem aos mestres fundadores das religiões que têm a ayahuasca como sacramento.


Moisés Diniz é membro da Academia Acreana de Letras e autor do livro O Santo de Deus.


 


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