Um juiz, um defensor e um promotor. Três homens. Uma mesma lição: a importância da figura paterna na vida dos filhos;
TEXTO: Dulcinéia Azevedo
FOTOS: Valcemir Mendes
O JUIZ
Início da década de setenta. Uma pequena multidão aguarda ansiosa na simplória rodoviária de Guiratinga, interior do Mato Grosso. Tanta euforia tem explicação: entre os passageiros procedentes de Cuiabá, distante aproximadamente 342 quilômetros, cinco a seis horas de viagem em estrada de barro, está o novo juiz da cidade.
O desembarque é marcado por manifestações de boas vindas e muito carinho. A cena não passa despercebida aos olhos atentos do filho do magistrado de apenas cinco anos de idade. Orgulhoso, coração disparado, ele registra tudo em sua memória, sem saber que anos depois experimentaria a mesma sensação.
Meados da década de noventa. Habitantes de Tarauacá, no interior do Acre, fazem questão de deixar o conforto de seus lares para recepcionar o novo juiz daquela comarca. O novo morador do município é Élcio Sabo Mendes Júnior, o menino que duas décadas antes se emocionou durante a recepção do pai Élcio Sabo Mendes no interior do Mato Grosso.
– Na vida mudam os atores, mas os fatos são os mesmos. Várias sensações que eu presenciei durante a vida profissional do meu pai eu também senti. Serviu-me de ajuda e também de lição. Então são situações idênticas que marcam a vida da gente-, diz o magistrado.
Elcio Sabo Mendes Júnior é natural de Cuiabá/MT, filho Élcio Sabo Mendes (80) e Ruth Sabo Mendes (71). O casal teve ainda outros três filhos, dois homens e uma mulher. Todos vivos e trabalhando. É casado com a empresária Norma Matias Sabo Mendes. Não tem filhos biológicos, mas faz questão de expressar o amor que sente pelos dois enteados, Sidney e Daniela.
Graduou-se em Direito pela Universidade São Francisco – USF/SP, no ano de 1988. Em 1990 trabalhou um curto período como Assessor Administrativo da Prefeitura de Diamantina, no Mato Grosso, e posteriormente, apesar de aprovado em concurso para o cargo, não assumiu, decidiu pela advocacia.
– Comecei em Diamantina, depois fui para Cuiabá, me juntei a um grupo de outros quatro advogados e montamos escritório. Era o Celso Albuquerque, que logo foi aprovado para Procurador da República, com êxito na época; João Bosco, na seqüência virou juiz federal; Dr. Francisco Ferreira Mendes, aprovado para juiz no Mato Grosso; e eu vim ser juiz no Acre. Em pouco tempo o escritório foi fechado-, descreve satisfeito.
Uma decisão motivada pelo amor
E apesar da magistratura está no âmbito familiar, já que além do pai têm vários outros parentes no Judiciário Brasileiro, sendo primo do ministro Gilmar Mendes, a decisão de se tornar juiz foi decorrente de uma situação um pouco diferenciada. Em honra do pai, que repentinamente ficou enfermo.
– Eu estava na advocacia e meu pai ficou adoentado. Problema na garganta e como ele não gostava de ir ao médico, cheguei a pensar, naquele momento, que ele estava com câncer. Então eu decidi em dar essa alegria para ele ainda em vida-, confidencia.
A convalescência do pai do então jovem advogado durou em torno de quatro meses, mas depois retornou ao bom estado de saúde, deixando todos felizes e aliviados. Nesta ocasião, Élcio Júnior já tinha colocado em prática seu plano de estudos para se tornar juiz e resolveu levar adiante.
– Eu tinha feito uma prova para ser aluno da Escola do Ministério Público do Mato Grosso, aprovado, iniciei os estudos focando esse caminho rumo à magistratura, estudando, me dedicando-, conta.
Com isso, sua atuação na advocacia estava com os dias contados. Depois de sete anos atuando como advogado, principalmente, na área trabalhista, em 1995 presta concurso para a magistratura estadual no Acre e em fevereiro do ano seguinte é empossado.
O convite do amigo Pedro Francisco
Até então, Élcio Sabo Mendes Júnior não conhecia o Acre. Vivia e trabalhava em Cuiabá sua cidade natal. E foi por influência do amigo e, na ocasião, recém empossado juiz estadual Pedro Francisco, que ele tomou a decisão de tentar uma vaga na magistratura acreana, onde o colega já trabalhava.
– Ele falou muito bem da região do Acre e disse que tinha um concurso aberto, como eu estava fazendo a Escola do Ministério Público, à época, decidi me inscrever, e para minha alegria fui aprovado.
Assumindo a primeira comarca
Tarauacá-AC, distante a 385 quilômetros da capital, foi o primeiro destino do juiz de Direito Élcio Sabo Mendes Júnior, numa época em que não existia ligação asfáltica até Rio Branco e a estrada permanecia fechada a maior parte do ano, sendo liberada poucos dias durante o verão. Nessas condições, a via área era o único meio de acesso.
– A primeira impressão foi a melhor possível. As pessoas têm um carinho muito grande por você, respeito, isso fez com que eu solidificasse minhas bases nesse estado. Eu não pretendo sair nunca daqui, tenho orgulho de dedicar minhas funções a essa sociedade, e manter essa labuta até os últimos dias, só Deus sabe a hora de parar-frisa.
Antes de vir para Rio Branco, doutor Élcio atuou nas comarcas de Plácido de Castro (com extensão para Acrelândia) e Xapuri (com extensão para Brasiléia). Na época, o amigo Pedro Francisco era juiz de Capixaba e por diversas vezes um cobriu as férias do outro.
Apesar do grande trabalho desenvolvido no interior do Acre, o magistrado prefere não se referi a esse ou aquele caso, se limitando a dizer que ‘’todo caso tem a sua responsabilidade e que a função do juiz é atender o melhor interesse das partes, sem pender para nenhum dos lados, ficando a acusação e a defesa por conta do MPE e da Defensoria’’.
Um furacão no Tribunal do Júri
Ele é modesto ao falar em números, todavia admite que á época que ficou a frente do Tribunal do Jùri Popular da Comarca de Rio Branco, foi informado que teria ultrapassado 500 julgamentos, isso num período de quatro anos e meio.
O bom resultado contou com a ajuda de uma equipe de primeira linha, destacando-se os promotores Danilo Lovisaro e Leandro Portela e os defensores Antônio Araújo, Valdir Perazzo e Martiniano Siqueira Filho.
Outra presença era da saudosa advogada Salete Maia, promotora de Justiça aposentada que atuou como advogada de defesa em diversos júris presididos por Élcio Sabo Mendes Junior.
Vara de Drogas: buscando a conscientização dos jovens
Após deixar o Tribunal do Júri, o magistrado assumiu a titularidade da Vara de Delitos de Drogas e Acidentes de Trânsito de Rio Branco, atuando cumulativamente por algum período na Auditória Militar. Na Vara de Drogas, apesar de ser apontado como um juiz linha dura, foi o idealizador e coordenador do projeto ‘’Ser Feliz, Drogas Não!’’, que no período de 2009 a 2011 alcançou 12 mil 151 jovens em todo o estado.
Ac24horas: Durante a sua permanência na Vara de Delitos de Drogas e Acidentes de Trânsito de Rio Branco, o senhor teve a oportunidade de ver o Acre de uma forma que poucas pessoas puderam ver, certo?
Dr. Élcio: ‘’ Eu procurei tanto na Vara de Drogas como na qualidade de diretor da Escola Judiciária Eleitoral desenvolver metodologias de conscientizar os jovens. Acredito que o magistrado além do trabalho do dia a dia no gabinete, ele tendo possibilidade, precisa adequar o tempo para passar essa mensagem à sociedade. Assim, esse receio de vir ao judiciário é quebrado e faz com que o juiz fique mais próximo e veja as situações cotidianas’’.
Ser Feliz, Drogas Não!
– Quando jovem e até criança, adolescente, eu não me lembro de ter recebido a visita de nenhum juiz para passar alguma mensagem sobre a destruição que as drogas provocam na vida do ser humano. Isso me marcou. Por isso, vou pessoalmente junto com a Polícia Federal e outros parceiros levar esses esclarecimentos, que tenho certeza farão muita diferença no futuro de muitas famílias-, assegura.
Durante as palestras realizadas em escolas, entidades de assistência, centros de recuperação de dependentes químicos, hospitais e outras unidades de saúde, o juiz coordenador sempre buscou passar uma mensagem que incluísse orientações tanto com relação aos efeitos, como o comportamento do ser humano, que leva a geralmente a autodestruição, e também a parte da legislação de drogas.
– Às vezes, a pessoa não tem conhecimento que determinada conduta pode levar ao mundo do crime. A idéia era levar essa mensagem ao seio familiar-, explica.
Cada um tem a sua missão
‘’Quando você trabalha na Vara de Drogas você tem uma analise muito interessante do contexto social. Você tem a real dimensão de como as drogas influenciam na destruição da sociedade. Nota-se que essa destruição é promovida por uma minoria e, se os órgãos fizerem um trabalho conjunto, é possível combater. Não é algo que não se pode fazer. Cada um tem o seu trabalho, a sua missão. São situações que você verifica no dia a dia. Eu não tenho do que reclamar do tempo em que atuei na Vara de Drogas, todos os órgãos se demonstraram prestativos e comprometidos, inclusive a imprensa’’, registra.
Multiplicadores de Cidadania
O magistrado Elcio Sabo Mendes Júnior também é Juiz Membro – Gestor de Metas Nacionais do Tribunal Regional Eleitoral do Acre, Diretor da Escola Judiciária Eleitoral e Coordenador do Projeto ‘’Multiplicadores de Cidadania da Escola Judiciária Eleitoral do Acre.
O programa consiste em levar palestras de conscientização a estudantes de escolas públicas e formar multiplicadores do conhecimento dentro das instituições de ensino. A iniciativa vem sendo realizada desde o ano passado e já atingiu 8 mil 301 alunos em todo estado, sendo 3 mil 347 na capital e 4.954 no interior.
Na equipe de palestrantes Elcio Sabo conta com a ajuda do juiz e vice-presidente da Escola Judiciária do TRE, Lois Carlos Arruda e de uma equipe de nove servidores.
Esposa e principal incentivadora
O trabalho social iniciado por intermédio dos programas ‘’Ser Feliz, Drogas Não!’’ e ‘’Multiplicadores de Cidadania’’ é algo que pretende ser ampliado pelo magistrado quando se aposentar. Essa é uma das cobranças da esposa e principal incentivadora, Norma Matias Sabo Mendes.
– A minha esposa faz uma cobrança muito grande nesse sentido. Para ela, o juiz não é apenas o de gabinete, o juiz tem que ter esse lado social. Ela é das maiores incentivadoras nesse sentido, Eu lembro que para começar a desenvolver o trabalho de prevenção às drogas nós conversamos muito. Então, o lado feminino dela contribuiu bastante’’.
Com as averbações do tempo de serviço, o juiz acredita que ainda tem mais uns dez a doze anos de magistratura até se aposentar. E mais uma vez a experiência vivida pelo pai lhe serve de guia e lição.
– Seguindo a orientação paterna, pretendo trabalhar o tempo que eu tenho para aposentar. Meu pai, quando chegou o tempo dele, aposentou, e hoje goza de muita saúde. Então, a gente tem que saber o nosso tempo de contribuição com a sociedade e está preparado para desenvolver algum trabalho’’.
Ac24horas: A sua experiência pessoal acrescentou muito ao seu trabalho como magistrado. É fato. Então pergunto, o que a magistratura acrescentou à sua vida pessoal?
Dr. Élcio: ‘’Tudo. Quando abrimos o computador pela manhã, temos uma gama de vidas à nossa frente. Quando ouvimos pessoas todos os dias, estamos ouvindo os anseios, os clamores, os reclames da sociedade. Lembro, perfeitamente, que na Vara de Drogas, eu ouvia em relação ao mesmo tema cerca de 20 pessoas ao dia, uma média de quase 100 pessoas na semana. São experiências que você vai vivendo. Algumas situações inacreditáveis, mas você ver que existe um contexto, uma situação social que fez aquela pessoa enveredar pelo crime. Por isso, cada caso é único, sempre existe algo a ser conversado e discutido entre as partes e, principalmente, a ser conciliado, agora estou falando da Vara de Família’’
Titular da 3ª Vara de Família de Rio Branco
Élcio Sabo Mendes Júnior é o atual titular da 3ª Vara de Família de Rio Branco, que sozinha recebe uma média de duzentos novos processos por mês. Numa rápida conta, as três Varas de Família existentes na Capital, juntas movimentam 600 processos mês e conseqüentemente 7.200 ao ano.
Os números podem surpreender ainda mais. Se levarmos em consideração que cada processo tem, no mínimo, um autor e um réu, e multiplicarmos 7.200 por dois, chegaremos a um resultado de 14 mil e 400 pessoas envolvidas, índice superior as populações de oito dos 22 municípios acreanos.
– São pessoas que buscam uma resposta do Judiciário, buscam o dialogo, por isso, o mais interessante não é evitar que o processo se perpetue, imprimindo celeridade, é resgatar a vida, incentivar as partes a conversar e viver em harmonia, a Vara de Família tem essa missão-, destaca.
O magistrado também é ouvir substituto do Tribunal de Justiça do Acre-TJ/AC.
Em prol do bem comum
‘’Eu fico muito feliz com o trabalho que eu tenho desenvolvido aqui na 3ª Vara de Família, você nota uma boa vontade dos advogados em conciliar. A maioria dos casos, ao menos, grande parte, é solucionada graças a participação dos advogados, aí se incluem as figuras do defensor público, e do MPE, através dos promotores de Justiça’’.
O agir de Deus na vida do magistrado
Ac24horas: Ao longo da sua vida profissional, o senhor deve ter recebido muitos apelos desesperados de mães. É difícil para o juiz dar uma orientação nesses casos?
Dr. Élcio: ‘’Deus, às vezes, dar oportunidades que a gente só vai entender com o passar do tempo. Lá na Vara de Drogas, por exemplo, como juiz não podia determinar uma internação compulsória a um dependente químico, nessa situação a Vara é afeta ao sinistro, ou seja, no aspecto de julgar o crime. Hoje, o juiz titular da Vara de Família já pode tratar dessas questões. Veja que a área de família está intimamente interligada com a criminal. A vida da gente tem alguns encaminhamentos que só com o tempo a gente passa a entender’’.
Redução da maioridade penal
‘’É um tema que precisa se melhor debatido. A minha visão é diferente do que se coloca. Sou favorável, por exemplo, a realização de um Referendo, dando a oportunidade de todos os envolvidos manifestarem as suas opiniões. Precisamos verificar quais são os bens jurídicos que o Estado precisa proteger. Como vamos eleger isso? É a vida? É o patrimônio? Somente a partir daí se pode falar em adequação de pena de acordo com a conduta do agente. A sociedade reclama e com razão. Quando a violência bate a nossa porta nós temos que reclamar!’’
Guarda compartilhada
‘’Em outros países mais desenvolvidos a guarda compartilhada é predeterminada. No nosso país ainda existe uma conversa, leva-se em conta a questão preferencial, então nós estamos desenhando algo. São temas que a nossa sociedade está começando a discutir. É algo que contribui, mas talvez a sociedade ainda não tenha o conhecimento necessário sobre o tema. Vai ter sempre um lado que a criança convive mais. Nós vamos pode falar da guarda compartilhada com maior aplicação daqui uns seis sete anos’’.
Mensagem para os jovens
‘’Peço para os jovens não utilizarem as drogas. Pode ter certeza que o melhor presente que a juventude pode dar para um pai e para uma mãe é não usar drogas. E que eles tenham certeza que o fato de não usarem drogas é o presente que todo pai e toda mãe quer do filho’’.
O DEFENSOR
Também conhecido como ‘’Homem da Paz’’
Nosso segundo entrevistado não precisou percorrer longas distâncias para fincar suas raízes no Acre. É filho da terra. Nascido precisamente no Seringal Bom Destino, que mais tarde deu origem ao município de Porto Acre. É fruto da união do amazonense Guilherme Araújo e da acreana Lúcia Albuquerque e responde pelo nome de batismo Antônio Araújo da Silva.
Uma das figuras mais conhecidas e carismáticas do Judiciário Acreano, que de tanta presteza e alegria, demonstrados pelo constante sorriso estampado na face, foi apelidado pelos colegas de ‘’Homem da Paz’’, em virtude, da sua eficiência em conciliar as partes.
– O doutor Araújo sem dúvida é o nosso ‘’Homem da Paz’’, a atuação dele, é sem dúvida, de grande importância para a resolução dos litígios, quando a gente já pensa que não vai haver acordo, ele insiste e quase sempre consegue-, reconhece o titular da Vara da 3ª Vara de Família, juiz Élcio Sabo Mendes, onde Antônio Araújo atua como Defensor.
Antonio Araújo é formado em Direito pela Universidade Federal do Acre – UFAC e compõe os quadros da Defensoria Pública do Acre desde o ano de 1997, quando foi contratado mediante aprovação em concurso público, fazendo jus ao esforço pessoal do pai, que encarava qualquer trabalho para proporcionar estudo aos filhos.
– Quando eu tinha doze anos, deixamos o Bom Destino e fomos morar no Seringal Iracema, próximo de Xapuri. Em 1970, mudamos para Rio Branco, indo morar na Seis de Agosto. Ficamos dois anos apenas e mudamos novamente para o bairro Cidade Nova, onde passamos a viver na casa da minha avó-, lembra.
O fato de o pai trabalhar como pedreiro, despertou no menino Antônio a vontade de ser engenheiro, hipótese logo descartada, por influência dos livros. O menino desenvolve o hábito da leitura durante suas passagens pelos Colégios Maria Angélica, Acreano e Carlos Vasconcelos. O 2º Grau concluir no DESU, o extinto Departamento de Ensino Supletivo.
Entregador de Móveis das Lojas Credilar
E até colocar o pé na faculdade, o agora jovem Antônio precisava trabalhar. O primeiro emprego foi de entregador de móveis das antigas Lojas Credilar. Carteira assinada e tudo direitinho.
– Naquela época a gente se virava com as condições que tinha. Falo para o meu filho que a gente colocava o fogão nas costas e ia entregar para o cliente-, revela.
Exerceu a função de vendedor até ingressar no Exército Brasileiro, onde permaneceu como soldado por um período de três anos. Depois prestou concurso público para o INANPS (atual INSS), onde permaneceu por 14 anos na função de assessor da Procuradora Jurídica.
O conselho da doutora Maria do Carmo de Oliveira
Enquanto estava no órgão, iniciou o curso de História na UFAC e depois de cinco anos de estudo abandonou para cursar Direito, agora não por influencia dos livros, mas dos conselhos da chefe, doutora Maria do Carmo de Oliveira, procuradora federal aposentada, atualmente residindo em Senador Guiomard.
– Um dia conversando com a minha chefe contei que cursava História na UFAC. E ela disse ‘’olha com História você não vai ganhar dinheiro não, vai fazer Direito!’’-. diz.
O dedicado assessor decidiu ouvir os conselho da chefe e depois de duas tentativas foi aprovado para o curso de Direito da UFAC, o qual lhe credenciou para exercer a função de Defensor Público, exercida com maestria até os dia atuais.
Antônio Araújo é o terceiro mais antigo da Defensoria Pública, aprovado em 1997, iniciou suas funções em 1988. ‘’Sou da turma do Perazzo, Gilberto, Martiniano, Eró’’, observa.
O início da parceria com Dr. Élcio
Como Defensor Público, até agora, Antônio Araújo dedicou a maior parte do seu tempo na área criminal, contabilizando dezesseis anos de seviços prestados até o início do ano, quando a convite do amigo e companheiro de trabalho de longas datas decidiu se candidatar a vaga na 3ª Vara de Familia.
– Eu conheci o doutor Élcio quando atuava na comarca de Brasiléia. Na ocasião, ele era juiz de Xapuri e sempre que necessitava atendia Brasiléia. Ele fazia tudo eu também. Depois, quando retornei do interior nos encontramos na Vara do Tribunal do Júri, acho que vim primeiro. Lembro que nos vivemos um período de loucura profissional, realizamos trezes júris de tentativa de homicídio num único dia-, conta.
Nesse período, o defensor faz questão de registrar o trabalho de um dos promotores de Justiça atuantes na Vara do Tribunal do Júri, Danilo Lovisaro, que atualmente é procurador de Justiça.
– Dr. Danilo quase que incisivo de tão preciso. Alguns advogados deixaram de atuar no Júri por causa da performance dele. Se o advogado não estivesse preparado, ele liquidava-, observa.
Ac24horas: Depois do Tribunal do Júri, o senhor passou a atuar na Vara de Drogas, sob a titularidade do Dr. Élcio. Ele era tido como um juiz linha dura, como foi esse período?
Dr. Antônio: ‘’Na verdade, fui primeiro, depois de algum tempo ele chegou. Ficamos sete anos lá, sempre em clima de muita cordialidade. De cada dez sentenças dele, eu recorria de nove. Era tão automático que os próprios servidores já adiantavam o termo. Recorria por uma questão técnica, se a sentença era muito elevada e achava que não estava justo, recorria, às vezes conseguia reverter, às vezes não, mas tudo dentro da cidadania, respeito, amizade’’.
Ac24horas: O senhor também é juiz substituto do Tribunal Regional Eleitoral, pretende concorrer a vaga de titular?
Dr. Antônio: Iniciei minha atuação em março do ano passado e devo permanecer até março de 2016. Lancei eu nome a apreciação por incentivo do Dr. Élcio, ele dizia, Antônio se inscreve, você é qualificado. O processo para a titularização foi aberto, se concorrer posso chegar aos quatro anos’’.
Defensoria, a maior felicidade
– A Defensoria de todos os trabalhos que já desenvolvi é a que me dá mais felicidade. Se você trata as pessoas bem, você recebe muito abraço das mães, das velhinhas, é muito gratificante-, declara sorridente.
Mesmo durante a sua permanência na Vara de Drogas, o Defensor conseguiu manter a sua serenidade. Segundo ele, apesar da cobrança ser muito pesada com relação aos agentes dos delitos, ele sempre buscou mecanismos para fazer a melhor defesa.
– No criminal o advogado tem que ter a capacidade de gerar uma tranqüilidade e uma esperança, tanto no réu quanto na família. No final, ele pode até ficar contrariado, no caso de uma punição, mas pelo trabalho vai ficar satisfeito, presenciei muitos réus pegar 27 anos, 30 anos de cadeia, porém, tudo devidamente esclarecidos-, explica.
Ac24horas: O senhor acaba de classificar a Defensoria como a sua maior felicidade, e a maior angústia?
Dr. Antônio: ‘A minha maior angústia é a falta de estrutura para trabalhar. O tempo da Defensoria está chegando, eu creio. Acredito que daqui mais uns cinco, dez anos a Defensoria vai chegar numa igualdade de condições das outras instituições. Tenho um amigo que diz: depois que o avião decolou, ele não volta mais. É uma instituição que presta um relevante serviço a sociedade e cabe aos governantes assimilarem ou não os benefícios sociais que a instituição tem’’.
‘’No hospital e nas Varas de Família você
conhece o ser humano’’, diz Defensor.
Ac24horas: Depois de 16 anos atuando na área criminal, o senhor inicia um trabalho na 3ª Vara de Família, como o senhor classifica essa mudança?
Dr. Antônio: ‘’Tanto no Criminal como na Vara de Família, cerca de 90 por cento dos processos são afetos da Defensoria. No criminal, posso dizer que a defesa é técnica, dentro de critérios de ética e responsabilidade. Na Vara de Família é mais doloroso, envolve sentimento. Tenho um colega que costuma dizer que na Vara de Família a gente está discutindo a miséria social. Já eu digo, no hospital e nas Varas de Família você conhece o ser humano’’.
Fanáticos de Tarauacá, uma defesa que marcou
Antônio Araújo compôs a equipe de Defensores Públicos que atuou na defesa de um grupo de religiosos, acusados de promover uma matança em nome de Deus, no município de Tarauacá, no final da década de 90.
Quando iniciaram a matança, os líderes da seita estavam em jejum havia 15 dias. Todos eram membros da Igreja Pentecostal Unidos do Brasil e declararam à [época que promoveram a chacina porque acreditavam que seriam “arrebatados ao céu depois de aniquilar os inimigos de Deus”.
– Na área criminal foi um dos casos mais marcantes. Foram sete dias de julgamento, presidido pelo então juiz da comarca Anastácio Menezes. O trabalho da Defensoria foi tão importante que resultou até num livro escrito pelo Dr.Valdir Perazzo, que também atuou no julgamento’-, diz.
Ac24horas: o senhor também atuou no programa de prevenção as drogas, implantado pelo Dr. Élcio quando da passagem pela Vara de Drogas, o que o senhor destaca nesse trabalho?
Dr. Antônio: ‘’Você nota que as pessoas são carentes de conhecer. A internet está aí, mas a maioria não aproveita. A gente vai às escolas falar sobre drogas e consegue chamar a atenção das pessoas. Acredito que a violência não se resolve só com a punição. Enquanto o Estado não investir em mecanismos concretos para distribuir conhecimento, não vai resolver. O conhecimento é a melhor prevenção. É isso que oferecemos quando visitamos as escolas’’.
Cuidando da saúde e da família
Antônio Araújo é casado há 32 anos com a educadora Conceição Andrade, com quem tem três filhos: Gabriela (31), Gabriel (18) e Vinicius (13). Faz ainda questão de citar a neta Ana Luíza, de seis anos, filha de Gabriela.
– A minha família é o meu maior tesouro-, declara orgulhoso, ao tempo que informa que Gabriel, o segundo filho, já se prepara para seguir a carreira jurídica. ‘’De tanto me ver lendo, estudando, meu filho, sempre dizia pai a sua vida é muito boa, também vou fazer Direito, e fico feliz por isso’’.
O defensor também não descuida do lado espiritual e congrega na Igreja da Graça junto com toda a família. E uma revelação surpreendente: foi jogador profissional durante dois aos no Atlético Acreano, entre 1989 e 1990, com passagem também pelo extinto time amador Amapá.
Atualmente integra a equipe máster da OAB-AC, composta por jogadores com mais de 40 anos e sempre que pode vai ao estádio Arena da Floresta torcer pelo Atlético Acreano, ou no caso, pelo Rio Branco, quando este representa o estado.
O PROMOTOR
Quando aos sete, oito anos de idade, pulava da cama às três da madrugada para ir ao curral ajudar o pai a tirar leite das vacas, na Paraíba, o menino João Marques Pires, já tinha uma certeza na vida ‘’precisava se movimentar porque as coisas não chegam prontas às mãos de ninguém’’.
De lá prá cá algumas décadas se passaram, e o então promotor de Justiça com atuação na 2ª e 3ª Varas de Família da Comarca de Rio Branco, conjuntamente com o também promotor Marcos Aurélio, continua com a mesma certeza. ‘’ Eu sou pro ativo, não gosto de ficar esperando as coisas acontecerem, prefiro me anteceder’’.
– Eu vim de um seio familiar com critérios, bem mais severo. Trabalhei na roça, fui ajudante de tirador de leite e para estudar, no início, tinha que percorrer a pé longas distâncias, andava 18 quilômetros todo dia, nove de ida e nove de volta. Só tinha um jeito de chegar até a escola, ou era a pé ou era no lombo de animal-, lembra orgulhoso.
João Marques Pires é natural de Pombal-PB, o primeiro núcleo de habitação do sertão paraibano, e a segunda maior cidade do estado em questão territorial. É filho de João Marques, de quem herdou o nome, e de Constância Pires Marques, casado, pai de quatro filhos e avó de um neto.
‘’Meus pais, minha sabedoria natural’’
– Meus pais tiveram sete filhos, quatro homens e três mulheres, e apesar das dificuldades sempre nos incentivaram a estudar. Ainda lembro, meu pai sempre dizia, estude, estude que um dia as coisas melhoram’’.
E assim os filhos foram crescendo, trabalhando e estudando, na maioria das vezes fazendo as tarefas de casa tarde da noite, com a ajuda de uma lamparina. O promotor só veio a conhecer luz elétrica e televisão, aos treze anos de idade, quando deixou a casa dos pais e passou a viver na casa dos tios, na cidade, para cursar o segundo grau, atual ensino médio.
– Depois fiquei internado numa escola agrícola. Só vim viver por conta depois que ingressei no Quartel da Aeronáutica em Recife, mas entrei errado, ainda estudei dois anos de Economia, não gostei, constitui família e a situação ficou complicada, aÍ fui para Rondônia trabalhar numa mineradora-, descreve.
A formação em Direito e a vinda para o Acre
O futuro promotor chega a Rondônia em 1982 e logo inicia o curso de Direito na Universidade Federal daquele estado, concluindo em 1991.
-Foi tudo maravilhoso, tudo tranqüilo, trabalhei na Justiça Federal, atuei como advogado e fiquei tentando concurso para juiz e promotor, mas confesso que talvez não fosse um bom juiz. Sou muito falador, tenho a necessidade de expor a minha opinião, doa a quem doer’’, justifica.
A aprovação para o ingresso no Ministério Público do Acre ocorreu em 1996, com posse no ano seguinte. ‘’ Sinto-me totalmente realizado como promotor de Justiça’’, assegura.
Ac24horas: Como foi o seu início de carreira no estado do Acre?
Dr. João: ‘’Como todo iniciante fui deslocado para o interior, em virtude do reduzido quadro do MPE na capital poderia ter antecipado a minha vinda, mas preferi aguardar o tempo necessário. Gosto do interior, a gente ver o resultado do trabalho com rapidez e vai corrigindo o que for necessário’’.
Quinze anos em defesa da família
Já na capital, o promotor João Marques vai trabalhar numa Vara Cível genérica, com matérias de interesse do MPE. ‘’Vivia cobrindo as férias dos outros, as ausências, até que vagou a promotoria da 1ª Vara Criminal. Fiquei pouco tempo. Falta de estrutura, audiências diária. Então vagou a 2ª Vara de Família, já se passaram quinze anos, e estou lá desde então, com atuação conjunta na 3ª de Família’’.
João Marques também é Ouvidor Geral do Ministério Público Estadual do Acre e coordenador do Projeto MPE na Comunidade. ‘’Nossos servidores são excepcionais. Trabalho demais, mas sou feliz porque a gente ver o resultado’’.
Um trabalho diferenciado
‘’Quando inicie na Vara de Família, lembro de um caso de interdição de um ancião, o juiz trouxe o doente prostrado, subindo escadas com dificuldades para trazer na frente do juiz. Aquilo me assustou. Eu disse, não! Isso não pode ser assim. Conversei com o juiz da época, o Dr. Laudivon Nogueira, e demos inícios ao instituto da Inspeção Judicial’’.
Os juízes se sucederam e o trabalho vem sendo mantido até hoje e é um dos grandes diferenciais da Vara de Família, permitindo ao juiz, promotor e defensor, conhecerem in loco a realidade dos fatos.
Ac24horas: Como promotor de Justiça, atuando diretamente no interesse dos incapazes, como o senhor analisa a Guarda Compartilhada?
Dr. João: ‘’Eu pessoalmente concordo com o instituto da Guarda Compartilhada, mas não da forma que impõe, tem que haver um fantástico entrosamento entre os pais. No caso do Brasil, país da moda, tem lei que pega, tem lei que não pega. O que nós percebemos, na maioria dos casos, é que os pais não querem a Guarda Compartilhada, eles querem dividir as obrigações. Todo mundo tem uma referência, o seu cantinho para voltar, mas aí entra em cena o egoísmo humano, as mágoas que não foram resolvidas e vira aquele caldeirão, com aquela turbulência, e um ou outro genitor age, as vezes inconsciente, causando muito sofrimento no filho’’.
Mensagem às famílias
‘’A família é a célula que move a humanidade, as questões materiais não podem se sobrepor aos princípios morais, ao menos para quem acredita em Deus, e eu acredito. Tenho medo do dia em que a tecnologia vai se sobrepor à interação humana. O mundo terá uma geração de idiotas, já alertava o físico Albert Einstein, e nós estamos chegando lá. Eu não consigo imaginar o ser humano sem fala, sem conversar com outro, sem obediência aos mais velhos, respeito, a gente não ver mais isso. Então, a minha mensagem é para que todas as famílias se conscientizem e busquem um mundo mais agradável’’.
Cidadão acreano
‘’Às vezes eu brinco com os amigos que nasceram no Acre. Digo: sou mais acreano do que vocês; eu sou por lei e vocês só de nascimento’’, finaliza (risos).