Harmonia tem passado longe dos casamentos brasileiros. Em 2012, segundo os dados mais recentes divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), foram concedidos 341,6 mil divórcios. Assim, a taxa geral de divórcios – calculada com base no número de processos para cada mil pessoas com 20 anos ou mais – foi de 2,5%, a segunda maior da série, iniciada em 2002. São vários os fatores que podem levar ao desgaste do casamento, mas uma boa parte dos problemas a dois está associada a brigas por dinheiro.
Segundo uma pesquisa feita no ano passado pela Universidade de Kansas, nos Estados Unidos, com 4,5 mil casais, desavença ocasionada pelas finanças é a principal causa dos divórcios. Os parceiros que discutem sobre assuntos financeiros, apontou o estudo, estão mais propensos a se separarem do que aqueles que entram em atrito por questões envolvendo a educação das crianças, sexo e sogros.
Ainda há dificuldade em compartilhar problemas financeiros com o parceiro, o que pode desencadear crises na união desde o início, não é incomum você encontrar casais que revelam crises que tinham raízes já no namoro.
Realizando pesquisas, lendo e conversando com colegas Planejadores Financeiros Pessoais procurei descrever aqui quais são os principais “pecados” financeiros cometidos pelos casais e como se livrar dessas armadilhas.
Antes mesmo de dizer o famoso “sim” no altar da igreja ou no cartório, há questões que, se não discutidas, podem atormentar os casais. Um grande erro é iniciar o casamento pensando que o padrão de vida financeiro não vai mudar. “As pessoas se casam com a expectativa de manter o ‘status quo’”.
Questões anteriores ao casamento, como padrões de família, influenciam o significado do dinheiro. A primeira e mais arraigada das raízes é a família. Outras influências vêm da cultura, da religião e da comunidade onde a pessoa viveu boa parte da vida. Por isso, existe o desafio de encaixar dois modelos quando o casamento é firmado, já que é muito difícil “desconstruir valores”.
Além de causar frustração, esse tipo de comportamento pode levar a dificuldades financeiras no início do matrimônio. Não tem nada pior do que começar a vida a dois com dívidas. Muitas famílias vivem com débitos como algo estrutura. Trazem da vida de solteiro esse hábito, que aos poucos acaba sendo incorporado ao ambiente familiar.
Grande parte dos problemas financeiros entre os casais está relacionada à ausência de diálogo. Discutir amor e dinheiro ainda é um tabu, esse comportamento é histórico. Falar sobre dinheiro não era algo romântico.
Existem estudos que evidenciam que os casais não têm o hábito de conversar sobre a tomada de decisões financeiras. Em um dos estudos, conta, é mostrado o exemplo de duas pessoas recém-casadas que brigaram pelo tipo de arroz que iam comprar no supermercado. Quando chegaram em casa, descobriram que ambos não gostavam de arroz. Nesse caso, a comunicação seria uma forte aliada para evitar problema.
Mas somente incluir o diálogo não adianta. Quanta mais clara for à comunicação, melhor. Não precisa concordar, mas é importante respeitar o outro, a comunicação deve ter qualidade. É necessário incluir o estabelecimento de planos conjuntos. E isso deve ser feito com uma conversa franca.
A questão financeira nos relacionamentos geralmente é deixada em segundo plano, afirma o professor de finanças do Insper, Michael Viriato, em muitos casos, por conta da falta de comunicação. É preciso, diz o professor, começar esse diálogo, tanto nos momentos bons quanto nos ruins. Assim é possível estabelecer, por exemplo, se o casal terá conta conjunta no banco ou se a preferência será pela conta corrente individual.
Esconder do companheiro ou da companheira quanto ganha e quanto gasta é mais um “pecado” que pode arruinar casamentos. Esse comportamento é uma espécie de traição ou infidelidade financeira. “É preciso ser transparente com o cônjuge”, diz Calil.
A incerteza da manutenção do casamento é um dos fatores que levam as pessoas a agirem dessa maneira. O tradicional “até que a morte os separe” foi deixado para trás para dar lugar a um pensamento mais individual. E isso se traduz para as contas.
O orçamento familiar funciona como a gestão de uma companhia. Numa empresa, cada departamento tem o seu orçamento. Em família, cada um monta o próprio orçamento e ambos estabelecem despesas comuns.
Relacionada com à traição financeira, a falta de confiança é outro sintoma que pode atrapalhar a saúde dos casamentos. “A confiança mútua é muito importante para evitar esconder informações um do outro”, afirma o professor do Insper.
“Ninguém se acha preguiçoso”, enfatiza Calil. Mas o comportamento de inércia, também conhecido nos estudos de psicologia econômica como “viés de status quo”, é recorrente nos casamentos. “É comum um dos cônjuges largar tudo nas mãos do outro, dizendo: ‘Ele ou ela cuida de tudo e confio seriamente que meu parceiro ou parceira vá tocar tudo muito bem’”, exemplifica.
Quando uma aliança é firmada, a parceria precisa entrar em jogo. Não é necessário gerar renda, mas participar da montagem do orçamento é fundamental.
O comodismo pode levar ao comportamento conhecido com “efeito de minimanada”. Na prática, é quando um segue o que o outro faz, sem pensar ou criticar determinada ação. É comum um dos cônjuges estimular o outro, inconscientemente, sem perceber.
A ausência de diálogo pode trazer outro comportamento penoso às relações: o consumo excessivo. A chegada de um filho é um momento de acertar os ponteiros nas finanças. As divergências em relação à percepção sobre dinheiro ficam mais acentuadas. Um quer o controle, outro é mais liberal.
Algumas pessoas apresentam o quadro de consumo compulsivo, doença denominada “oniomania”. Ainda pouco conhecido no Brasil, o problema recebe atenção de um grupo de atendimento no Hospital das Clínicas, em São Paulo. Os doentes compram itens, como roupas, repetidos ou que não usarão e mantêm as aquisições em segredo.
Muitos utilizam o dinheiro para manipular o outro, como uma forma de ‘fazer guerra’, esse comportamento é chamado de “abuso financeiro”. Na prática, gastar muito, por exemplo, pode ser uma forma de manipulação. Não necessariamente determinada atitude é proposital, mas aos poucos reforça certo ar de superioridade em relação ao companheiro ou à companheira.
Por isso é necessário cuidado redobrado para não pecar na hora de colocar as finanças na mesa. O amor não tem nada a ver com questões matemáticas. No dia a dia, as contas são cruéis. Com um pouco mais de conversa e transparência, dá para manter a sintonia. Mas é preciso agir rápido. Afinal, como diz o ditado, quando a fome entra pela porta, o amor sai pela janela.
Alex Barros é Administrador de Empresas; Planejador Financeiro Pessoal; Professor de Finanças Corporativas e Avaliação de Investimentos
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