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OS MONSTROS

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Roberto Vaz

Francisco Rodrigues Pedrosaf-r-p@bol.com.br


A reforma da casa tinha ficado boa. É muito raro quem empreende uma ação dessas e não venha a ter enormes dores de cabeça com os autores da construção. Os pedreiros, antes de iniciar, são anjos celestes, agentes construtores de sonhos, promotores da tão imaginada felicidade. No meio da obra, com os estragos, a indisciplina e a pedida reiterada por dinheiro, fazem com que pensemos que são pessoas normais como nós. No fim, vendo o que aconteceu no seu projeto de casa, temos sérias dúvidas se essa classe não tem uma rima com o demônio, um pacto com as forças do mal e das trevas.


Mas enfim, tirando algumas goteiras que apareceram no quarto de Júlio, umas lajotas ocas no banheiro do casal e umas imagens feias na parede, reflexo do mau reboco, tudo ficou bom. Claro que nada que admirasse muito os olhos do casal, vez que o dinheiro gasto foi enorme, e viram destruiu todos os planos das almejadas férias em Fortaleza.


Júlio era cadeirante e sofria com alguns distúrbios mentais. Desde cedo Ana Maria e Cleber tiveram plena consciência de que a criação do filho teria de ser mais que bem feita. Para um pai e uma mãe cheios de amor, uma imagem ou uma situação genética jamais seria capaz de mudar os mais puros sentimentos que se pede dispensar aos filhos.


Não era fácil, tudo tinha que ser pensado e adequado para o melhor conforto e bem estar dele. Mas, inconscientemente, após dez anos dessa rotina, os pais já haviam se acostumado e se adequado às exigências ordinárias. Nada era muito demais. Mesmo porque, a presença de Dona Isabel, a empregada, tinha caído como luva anos atrás.


Foi num dia quente, lá pelas três da tarde, que Dona Isa dobrou sua cabeça e seus afazeres, a fim de dar banho em Júlio. Tinha razão ao imaginar que, por mais que ele não dispusesse da fala, aquela cadeira era uma chaleira de rodas. A água fria e consequente faria muito mais do que o ventilador e a janela aberta.


Foi mexendo pra cá, pra lá, empurrando, chacoalhando, e tudo o mais que fosse possível para uma mulher que não sabia ler, que uma descarga elétrica matou a serviçal, enquanto tentava regular o novo chuveiro.


O serviço porco do pedreiro que se dizia também eletricista foi o responsável. O total desconhecimento das grandezas envolvidas resultou não só em uma instalação equivocada, como também no não isolamento correto dos fios.


Enquanto Dona Isabel guardava-se estendida inerte no banheiro húmido, Júlio via lentamente o incêndio tomar conta da casa e convidando-o, de uma forma bem mais bizarra, a se juntar ao estado de Dona Isabel.


Em poucos momentos a casa toda tinha pegado fogo, restando apenas o cachorro que, de uma forma miraculosa se salvou, pulando pela janela. De uma forma particular, o pequeno perro congelou seu olhar triste, na calçada imóvel, guardando sentinela em frente às cinzas do que foi seu lar.


Avisados do sinistro, o casal, não fosse o trânsito horrível, ainda teriam visto os bombeiros terminarem as últimas chamas e labaredas que ainda lambiam restos de plásticos, panos e madeira.


A impotência, a dor, o desespero e os demais sentimentos dessa ordem, não conseguem traduzir corretamente o que os dois sentiam. Tudo estava perdido! Uma conclusão saída de uma das piores constatações: não havia mais nada, nada que não o desespero pela perda de tudo o que tinha. Nem os corpos dos que estavam presentes na casa puderam ser reconhecidos. A morte encontrou morada, sentou-se e pôs-se a rir calmamente. Senhora dos desencontros, achou-se forte e sabia que tudo na vida é questão de tempo.


Ao casal, apenas o vazio de almas frias. Não sabiam bem porque, mas no meio de tantos sentimentos ruins, desejos mergulhados no mais profundo caos, a dor aumentava mais ainda, como se fosse mais um espinho na coroa que usavam naquele momento.


Talvez como um artifício do cérebro, para amenizar o pesar do acontecido, os dois, marido e mulher, ainda tinham de reprovar a ideia, nascida no fundo de suas psicologias, de que agora poderiam ter outro filho. Um diferente filho. Pensando assim, num olhar recíproco e fonte de maldade, coincidiram que eram monstros com momentos de bondade. Não sabiam o que estavam fazendo. Era preciso reprovar e ressuscitar a bondade que todo monstro tem.


 


 


 


 


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