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José Mirtonho: o homem das benzeduras ‘’milagrosas’’

Por
Ray Melo, da editoria de política do ac24horas

A moradia é simples. Tipica de quem vive a poucos metros do rio Acre e todo ano tem que elevar o assoalho para fugir da enchente. No quintal, plantas e animais de estimação lembram uma propriedade rural. Um muro delimita o lote, mas a proteção, dizem os que visitam o endereço, vem dos céus! O portão está sempre aberto, e por ele, passam diariamente dezenas de pessoas.


Mas o que essa modesta residência de madeira, localizada numa rua esquecida e de dificil acesso do Bairro Cadeia Velha, em Rio Branco, tem de tão especial, e vem atraindo milhares de pessoas de dentro e de fora do Acre, nos últimos sessenta anos?


Pois bem, é lá que vive José Mirtonho da Silva, 80, cearense de Alto Santo, um senhor de baixa estatura, corpo franzino, sorriso fácil e que apesar de nunca ter sentado num banco de escola, se orgulha em dizer que aprendeu a ler e assinar o nome sozinho.


Ele se declara uma pessoa comum. Católico praticamente, vai a missa ao menos duas vezes por mês. É devoto de todos os santos, Entretanto, há quem diga, e não são poucos, que suas benzeduras são ‘’milagrosas’’ e espantam quebrante, olho gordo, espilhela caída, bucho virado, importência sexual, amarração, dentres outros males.


Uma dessas pessoas é professor José Francisco, 39 anos. Chegou agoniado, em busca de reza para aliviar o sofrimento da filhinha de apenas cinco meses de vida, que chorava bastante depois de tomar uma vacina. Para atender a criança, Seu Mirtonho desceu as escadas e foi encontrá-la no interior do veiculo, estacionado na frente da casa dele.


– Pronto. Ela vai ficar bem. Pode ir embora -, assegurou José Mirtonho após rezar na menina.


Questionado por que recorreu ao benzedor ao invés de um médico, o professor prontamente respondeu:


– A reza é importante, mas o que cura é a fé. Se não tiver fé, não tem cura. Sempre venho aqui porque acredito e, graças a Deus, sempre dá certo-, justificou e foi embora.


O procedimento realizado por José Mirtonho é simples e segue uma tradição milenar: a cura através da reza. Muitos o chamam de benzedor, curador ou simplesmente rezador. Um dom que ele acredita vem de Deus e que foi anunciado por intermédio de um sonho ainda na infância.



– Foi no dia 13 de setembro, dia do meu aniversário, em Alto Santo. Era um menino ainda, sonhei que tinha muita gente em torno de mim e que eu colocava as mãos sobre elas e elas ficavam curadas-, lembra.


José Mirtonho nasceu no ano de 1934. Fruto da união de Joaquim Mirtonho e Maria Alexandrina da Conceição. Aos dois anos de idade perdeu o pai, ficando na companhia da mãe e de três irmãos. Diante das muitas dificulades de sobrevivência, a familia deixa o Ceará, em 1943, e vem em busca de vida melhor no Acre.


Quando aqui desembarcou, cheio de esperança no coração, o menino José Mirtonho tinha apenas nove anos de idade. Permaneceu em solo acreano até o ano de 1949, quando foi embora para Manaus, no Amazonas, onde passaria a entender melhor a sua função de rezador.


Dos primeiros anos vividos no Acre, no periodo compreedido entre 1943 e 1949, ele guarda poucas lembranças. É como se a sua história começasse a ser escrita a partir da sua ida para a capital amazonense.



Dom é revelado durante sessão em Manaus, no Amazonas

– Fui para Manaus para trabalhar numa fábrica de castanha. Nessa época a viagem era de barco, eram vários dias navegando até chegar na capital do Amazonas. Eu já sabia que tinha o dom, mas não sabia que seria lá que eu iniciaria os trabalhos-, conta.


Depois de alguns meses trabalhando na fábrica de castanha, já devidamente ambientado na cidade amazonense, o jovem Mirtonho é convidado para um encontro de oração num centro de reza local.


– Nesse dia fiquei muito tocado com as rezas e tive certeza do meu chamado. Enquanto fazia as orações relembrei cada detalhe da revelação que tive em sonho ainda na infância., conta.


A partir dessa ocasião, José Mirtonho, aos 15 anos de idade, dá inicio as suas benzeduras milagrosas. Segundo ele, num unico único reuniu dezenas de pessoas e rezou em todas elas.


– Era tanta gente que tive que colocar a polícia na porta do centro. A gente ver muita coisa, mas é tudo da luz, só para ajudar as pessoas-, assegura.


Na cidade de Manaus, José Mirtonho ficou por um periodo de nove anos. Tempo suficiente para conhecer três mulheres e viver na companhia de todas elas, porém, nenhuma delas servia para esposa e mãe de seus filhos, e explica o porque:


– Preguiça, infelizmente, as tres que eu conheci em Manaus não gostavam de trabalhar, ai não tinha outra alternativa senão devolver aos pais-, diz bem humorado.


O retorno ao Acre e o início da família

Foi no retorno ao Acre, depois de aproximadamente nove anos fora, que José Mirtonho conheceu a dona Maria Lins da Silva, com quem está casado há exatos 48 anos.O casal gerou três filhos, dois homens e uma mulher.


– A gente se conheceu na casa de um primo dele, em Xapuri, ai começamos a namorar e até hoje -, conta dona Maria Lins, que é natural da terra de Chico Mendes e não demonstra qualquer incômodo com as rezas do marido.


A residencia do casal não tem qualquer tipo de privacidade. A todo instante chega gente em busca de reza. Chuva ou sol, o movimento é o mesmo. Os dias de maior movimentação são quinta e sexta, quando Mirtonho direciona suas rezas para tirar moleza do corpo.


– Quinta e sexta inicio o atendimento às sete da manhã e quando vou fechar o portão já é oito, nove horas da noite. É tanta gente que se fosse contar precisaria de um caderno bem grande para anotar o nome de todo mundo-; observa.


Atendimento gratuito

José Mirtonho não faz de suas rezas e benzeduras uma profissão. Não cobra nada pelos atendimentos que presta, mas demonstra satisfação diante dos muitos agrados que recebe dos visitantes, na maioria itens de alimentação.


No inicio,como não tinha estudo, nem renda fixa, foi obrigado a recorrer a serviços braçais para sustentar a familia.‘’Trabalhei muitos anos batendo tijolo em olaria, de vigia em casa de morada. Era a forma que eu tinha de susentar a minha família, apesar das dificuldades nunca deixei de fazer as minhas rezas, atender as pessoas que precisam’’, assegura.


Ervas milagrosas auxiliam nas curas

Para fazer as benzeduras José Mirtonho conta com o auxilio de ervas consideradas ‘’milagrosas’’. As utilizadas por ele são apenas três: pião roxo, pião branco e algodão. E tem um detalhe: é o visitante que vai em busca das rezas que tem que levar os galhos para o benzimento.


– Se não for assim não dou conta. É muita reza para poucas plantas que tenho aqui. Sendo assim não preciso me preocupar em buscar as folhas no quintal, há não ser é claro, num caso de e mergência -, fala.


O pião roxo e o pião branco, por exemplo, são utilizados para tirar moleza, mau olhado, vicios, amarração e até preguiça.


– Tem muita gente que vem aqui tirar moleza, mas na verdade é preguiça, a gente tira também, mas digo para a pessoa saber que moleza é uma coisa e preguiça é outra-, explica.


A moleza tratada com os benzimentos é aquela decorrente da inveja, do mau olhado, ai a pessoa fica fraca. Já a preguiça, é a falta de coragem. As benzeduras para tirar moleza e mau olhado são as mais procuradas. todavia, muitas pessoas também vão em busca de melhorar de vida.


As rezas para abrir caminho são direcionadas as áreas financeiras, familiar e sentimental. ‘’A gente reza para melhorar, nesse caso não precisa das ervas, só mesmo oração’’, observa o bom velhinho.


“Quebranto’’ ou “mau olhado’’ em criança

Muitos pais buscam o auxilio do benzedor para tirar de seus filhos uma contaminação fluídica, popularmente conhecida como ‘’quebranto’’ ou ‘’mau olhado’’. Segundo a tradição, a contaminação acontece quando pessoas adultas, que possuem uma atmosfera fluídica ruim, pegam a criança no colo por muito tempo.


Então, a energia ruim que circunda a pessoa adulta contamina a atmosfera espiritual da criança, deixando o bebê irritado, prejudicando o sono e pode até provocar dor de barriga. Depois de alguns benzimentos, as crianças voltam ao normal.


Nesse caso, a planta utilizada para a reza é a folha de algodão. A erva é passada pelo corpo da criança enquanto o benzedor faz as suas orações. Em muitos casos o alivio é imediato, e a criança chega a dormir no momento do atendimento.



Gente de todo país vai em busca das benzeduras

Pela humilde residencia de José Mirtonho não passam apenas pessoas do povo, mas também políticos e gente de boa condição. Ele faz questão de lembrar o caso de duas mulheres, oriundas de Brasília – DF.


Uma veio ao Acre, em busca de auxilio do benzedor, a outra ficou em Brasília hospitalizada e praticamente dada como morta. Então, ele rezou na que esteve na sua presença e ensinou a reza que ela deveria repetir quando estivesse com a doente. Ela seguiu as instruções e deu tudo certo. ‘’Depois as duas vieram aqui para agradecer’’, declara cheio de satisfação.


A atividade desenvolvida por Mirtonho, muitas vezes, é considerada curanderismo, e vista com descrença por muita gente. Para estes vai um alerta: durante as benzeduras, se o benzedor perceber que a pessoa não acredita, não tem fé, é peia na certa.


– As vezes a gente dá um castigo naqueles que não acreditam, não é nada demais, é apenas uma surra com as ervas para amansar o corpo dos descrentes-, frisa.


Rezador busca auxilio médico quando fica doente

Enquanto centenas de pessoas trocam a unidade de saúde pelas benzeduras de José Mirtonho, ele, ao contrário, busca auxilio médico para os seus males físicos.


– A gente ver muita coisa boa, mas também muita coisa ruim, então a gente tira as ruins e deixa as boas, mas tem situações que é necessário a intervenção de um profissional habilitado em assuntos clinicos, um médico, não podemos desprezar isso.


Atualmente, Mirtonho conta com a ajuda de remédios apra controlar problemas no coração, coluna, falta de ar e hipertensão. ‘’Vou ao Pronto Socorro sempre que preciso, sem problemas, já os males espirituais vou tirando com as rezas’’, diz.


 Não se espante, cachorro e gato preto não passam de coincidedencia

Quem chega a casa do Benzedor Mirtonho é logo recebido por Negão, um cachorro preto, que apesar do tamanho avantajado é manso e tranquilamente conduz os visitantes até a varanda da residência, onde são realizadas as rezas.


Não demora muito para aparecer Intruso, gato também de cor preta e que ganhou o apelido em virtude de não ter sido convidado, chegou, se instalou e foi ficando. Perguntado se a cor dos animais tinha alguma coisa a ver com as benzeduras, José Mirtonho, tratou logo de esclarecer:


– Não, é coincidencia mesmo. O Negão eu já tinha, o gato preto é um intruso, chegou e ficou, agora até já gosto dele -, diz.


Expulso pelas cheias do Rio Acre

O benzedor não tem telefone fixo, nem celular e nem pretende ter. Para ele, o aparelho considerado indispensável para a maioria das pessoas, não lhe faz falta alguma. ‘’Quem precisa de mim sabe onde me encontrar, é só vir aqui na minha porta, só não atendo aos domindos, é o meu descanso’’, avisa.


Atualmente, Mirtonho mora na Rua Morango, no final da Cadeia Velha, mas está de mudança para a Cidade do Povo, em virtude da região onde mora ter sido considerada de risco pela Defesa Civil. ‘’Aqui, apesar de morar atrepado, alagou na última enchente, a água deu no meio da casa, agora vou ter que ir morar na Cidade do Povo’’, informa.


Apesar da vida simples que leva, Mirtonho se diz um homem feliz e não troca as suas rezas por dinheiro nenhum. Segundo ele, os dons que vem de Deus não podem ser desprezados.


Como todo aposentado passa muitas dificuldades, todavia, assegura que ‘’o pouco com Deus é muito e se sente feliz com o estilo de vida que leva. Ao finalizar essa entrevista ele agradece ac24horas pela oportunidade, apesar de não possuir computador e nem saber como vai acessar essa entrevista.


 


 


 


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Ray Melo, da editoria de política do ac24horas

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