Ele sonhava em seguir carreira militar. E lutou com todas as suas forças para isso. Todavia, quis o destino que exercitasse seus múltiplos talentos antes de descobrir sua verdadeira vocação. Foi engraxate,guarda mirim, jornalista, radialista, policial civil, empresário, ajudante de palhaço, até se tornar juiz de Direito.
Cloves Augusto Alves Cabral Ferreira é o atual titular da 4ª Vara Criminal da Comarca de Rio Branco. Na semana passada, o magistrado recebeu mais uma missão. Foi empossado no cargo de membro titular da Classe de Juiz de Direito do Tribunal Regional Eleitoral do Acre, compondo a Corte Eleitoral, durante o biênio 2015/2017.
Nasceu em 19 de agosto de 1969 na cidade do Rio de Janeiro – RJ, fruto do romance entre a acreana Terezinha e o amazonense Luiz Gonzaga. A mãe deixou a terra natal rumo a cidade maravilhosa na condição de empregada doméstica da família do soldado do exército Gonzaga. Não demorou muito para os dois se apaixonarem e gerarem o obstinado Cloves, que só veio a descobrir que era carioca aos seis anos de idade, quando encontrou por acaso sua certidão de nascimento.
– Até então eu achava que era acreano de Rio Branco, porque foi aqui que eu cresci, na Seis de agosto. A partir dali fiquei sabendo que meus pais se afastaram logo após o meu nascimento e que minha mãe voltou para a sua cidade-, explica.
De volta a capital acreana, Terezinha passa a viver com a mãe de criação, Lioneza Ferreira, que passará a ser a grande referência na vida do menino Cloves.
– Minha avó criou minha mãe e me criou. Ela ficou viúva com 26 anos, cinco filhos. Abdicou de ter uma nova vida conjugal, de ter uma outra pessoa porque só tinha filhas mulheres. Dizia que não queria ter marido para não dá padrasto para as suas meninas -, relata em tom de admiração.
De acordo com o juiz, para sustentar as filhas e o neto, Dona Lioneza ministrava aula de manhã, fazia escola normal no horário da tarde e à noite era professora do Mobral. Os afazeres domésticos eram realizados de madrugada e no intervalo de uma atividade e outra ela preparava as refeições.
– Ela ensinou os filhos a fazer de tudo. Educou para a vida. Aos oito anos eu já lavava as minhas roupas. Depois ela ia lá e dava uma ajeitada. Foi quem me levou na escola, quem me deu amor -, conta carregado de emoção.
Incentivado pela avó, desde cedo, Cloves sabia que o estudo era seu grande trunfo. Assim focou sua vida. Roberto Sanches Mubarac, Anita Garibaldi e Neutel Maia, foram algumas das escolas que frequentou na infância, antes de entrar para a Guarda Mirim.
Ac24horas: qual a importância da Guarda Mirim na sua vida?
Dr. Cloves Augusto: ‘’ Demais. Vou dizer uma coisa, ali a gente aprendeu civismo, respeito aos mais velhos, hierarquia e amor pelos símbolos do Brasil. A gente olhava assim, via os militares marchando, tinha vontade de ser militar, policial, ser uma pessoa de bem. Era o meu sonho. Meu pai foi soldado, fez parte da primeira turma da Polícia Militar do Acre, meu tio sargento. Então eu sempre sonhei com isso. Sempre tive a minha história ligada com isso. Quando surgiu a chance de ir para a Guarda Mirim eu fui’’.
A guarda mirim oferecia alimento, alojamento, educação moral e cívica. Porém, o lazer do final de semana, era garantido graças ao trabalho de engraxate na Praça da PMAC e no Hotel Chuí, onde atualmente funciona a sede da prefeitura de Rio Branco.
E como engraxate ele conheceu o Senhor Jairo da Copibrasa, que lhe ofereceu seu primeiro emprego. ‘’ Fui engraxar sapato lá na loja que ele estava. Então falei que estudava e que era da Guarda Mirim, foi quando ele perguntou se eu queria trabalhar para ele como office boy. Ele pediu para eu ir fardado. Aceitei e fui’’, recorda.
Além dos trabalhos externos,o menino Cloves também teve a oportunidade de aprender a usar a fotocopiadora. ‘’ Era uma ciência na época. Tinha que usar produtos químicos. Hoje não deixariam fazer isso’’, observa.
E foi durante um atendimento a um cliente que ele se deparou com o edital do concurso para o colégio militar. ‘’ Uma pessoa foi lá tirar a cópia do edital, ai eu tirei uma cópia para mim também. Era o meu sonho. Fiz a inscrição e passei’’, conta.
Mas, infelizmente, somente a aprovação não era suficiente para garantir o ingresso no colégio militar. Além de uma excelente nota, o entusiasmado Cloves necessitava também de dinheiro para os gastos iniciais.Nesta ocasião, uma pessoa foi fundamental para a concretização do sonho, capitão Jarbas, ele apadrinhou o menino sonhador e assegurou que ele seguisse seu destino.
– Eu falei, passei mais não vou, porque não tenho condições, ele, o capitão Jarbas, disse vai sim, e junto com outros oficiais e alguns empresários cuidaram de tudo. A minha família ajudou, mas foi com pouca coisa. Foi a guarda mirim que me proporcionou. Eu conseguir uma gratuidade para não pagar a mensalidade. Eu tinha 13 anos. Estudei até a oitava série, mas em 1985 houve o fim do período militar. Com as entrada do governo civil reduziram as verbas e eu perdi a gratuidade. A carreira militar morreu ali, mas o que eu tinha adquirido em conhecimento, primeiro grau muito forte, foi uma base para deslanchar para outras carreiras’’, assegura o magistrado.
Na expectativa de ganhar dinheiro e retomar o colégio militar, aos 16 anos, Cloves troca Manaus, no Amazonas, por Porto Velho, em Rondônia. Sem dinheiro, inicialmente, busca abrigo na casa de amigos e, depois, começa a trabalhar em lanchonetes e hotéis para pagar o aluguel de quartos em casas de famílias.
E mesmo com todas as dificuldades, ele conclui o segundo grau e antes mesmo de completar 18 anos consegue aprovação no concurso da Polícia Civil do Estado de Rondônia, em 1987. ‘’ Passei no começo do ano e tive que esperar até agosto, quando completei 18 anos, para poder assumir’’, conta orgulhoso.
E assim segue, o nosso bom menino, estudando e trabalhando.
Na Polícia Civil é lotado no Departamento de Informações, o que corresponde ao setor de inteligência. Sua função: fazer acompanhamento dos movimentos sociais e partidos políticos e produzir relatórios endereçados ao secretário da pasta.
Para obter as informações necessárias sem despertar muita atenção, ele decide ser jornalista, então procura o jornal local o Guaporé e pede uma oportunidade para aprender o ofício da escrita.
– Conheci um jornalista chamado Alex Fernandes. Ele foi com a minha cara. Eu queria aprender a escrever para jornal, então ele me deu um tema para escrever, fez as correções e disse, olha esse texto não está jornalístico, mas pode ser transformado e me deu as dicas-, informa.
No ano de 1989, o Brasil vive a euforia das Diretas Já, eleição presidencial. Na qualidade de policial, o até então aprendiz de jornalista, conseguia acompanhar os candidatos e, àsvezes, até trabalhava na estrutura de segurança dos mesmos durante as visitas ao estado rondoniense.
– Na condição de policial conseguia boas fotos, cobertura com roteiro e tudo. Ai, o dono de jornal me fez uma proposta para que eu ficasse de vez no jornal, ai fui contratado como repórter provisionado e aquilo que era bico se transformou numa profissão, – revela.
Ac24horas: como o senhor fazia para manter as duas funções?
Dr. Cloves: ‘’ Eu tentava unir as duas coisas, como policial eu conseguia as informações que o repórter não tinha acesso e, as vezes, como jornalista conseguia uma informação que policial não conseguiria, e fui me transformando mais jornalista do que policial, fui gostando e virei editor de polícia’’.
A cobertura do noticiário policial faz tanto sucesso que logo chega um convite para participação em um programa de rádio. Uma das primeiras exigências é a definição de um nome artístico e assim Cloves Augusto Ferreira Cabral vira simplesmente J. Cabral.
– Um dia eu recebo um convite de um jornalista e radialista que havia sido eleito deputado estadual e me convidou para falar no rádio. Perguntou qual era meu nome completo, quando falei, ele disse não, muito grande, vai ser J. Cabral, justificando que toda radialista tem que ter jota no nome – , justifica.
Para manter a participação, o estreante tem que usar e abusar da criatividade, respeitando o ouvinte, é claro. Então num dia de poucas notícias interessantes, mas de muitas ocorrências de furto, ele cria o clichê jornalístico‘’ caminhão do ladrão’’, uma paródia do caminhão do Faustão, muito falado na época.
Um dia eu me deparei com um monte de ocorrências de furto. Uma televisão aqui, uma bomba ali, um liquificador acolá. Então, surgiu assim a história do caminhão do ladrão, fui levando no bom humor e deu certo -, comenta.
Então, todas as vezes que o J. Cabrão era acionada para uma participação, com as suas notícias da área policial, a expressão era lembrada de uma forma bem humorada:
– J. Cabral, e ai, me diga por onde o caminhão do ladrão passou hoje? -, tascava o apresentador.
O bom humor de J. Cabral lhe rendeu um novo convite, dessa vez do amigo Áureo Ribeiro, que o incentivou a montar um programa próprio de variedades. Tinha polícia, esporte e até uma dupla de humoristas, que na verdade eram dois palhaços.
Ac24horas: Além de engraxate, guarda mirim, policial, jornalista e radialista, o senhor comentou que foi também assistente de palhaço, como é que foi isso?
Dr. Cloves: ‘’ Tinha uma dupla de humoristas, dois palhaços (Moisés e Edilson). Fui com eles e disse: olha eu vou fazer a parte empresarial para vocês, vou vender o show de vocês. Eles me pagavam um percentual de 20 por cento. Um dia eles quiseram diminuir meu percentual, alegando que precisavam contratar muitas pessoas. Então eu sugeri que eles aumentassem o meu percentual, que eu seria essas muitas pessoas. Se precisasse ser a escada eu seria a escada. Assim entrei para o mundo das artes. Virei ajudante de palhaço. Foram dois anos me dividindo entre a faculdade, a rádio, a políciae as artes. Fiz muitos shows. Estive em Rio Branco. O nome do show era Milionários da Alegria e Sua Equipe. Ai meu filho me perguntou pai o senhor era quem. Eu respondi, Milionários da Alegria era a dupla de palhaços e, eu, a sua equipe.’’, diz bem humorado. (risos)
Ac24horas: Nesse período então, o senhor já cursava a faculdade de Direito em RO?
Dr. Cloves: Sim. Fui aprovado no vestibular em 1989, mas não tinha pretensão alguma. Estava procurando o que eu queria ser na vida. Então, no segundo ano de faculdade, depois das muitas experiências profissionais que experimentei, fui aprovado no concurso da Justiça Federal. O cargo era de atendente judiciário, nível médio. Esperei um ano para ser chamado. Era emprego federal, eu tinha que está lá no serviço. O curso ficou num nível de exigência maior, tive que me dedicar mais, então fui obrigado a abrir mão dessas carreiras ai de radialista, de jornalista. Ainda escrevi um tempo para uma revista chamada Contexto, da Cristina Arcanjo, mas eram materiais pontuais, já não mais como contratado’’.
O magistrado é casado com a defensora pública Célia da Cruz Cabral Ferreira. Da união resultaram quatro filhos: Renato, Cristina, Daniel e Gabriel. ‘’ Conheci a Célia na Justiça Federal. Entramos juntos. Entretanto, como ela já tinha experiência na vida jurídica, foi galgando cargos ali e um dia fui trabalhar subordinado a ela e essa subordinação continua até hoje’’, declara, expondo seu lado brincalhão.
Em 1994, Cloves se gradua em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal de Rondônia e consegue aprovação no concurso para fiscal do trabalho. ‘’ Fiz o curso para fiscal do trabalho e estava esperando ser chamado, mas achava que não seria chamado, eram apenas 20 vagas e eu estava em trigésimo nono, ai vim para o Acre prestar concurso para juiz e fui aprovado tinha apenas um ano e meio de formado. Fiz mais um ano de escola da Magistratura e fui empossado em 1996’’, relata.
Ac24horas: O senhor pretendia voltar para o Acre ou foi mais uma ação do acaso?
Dr. Cloves: Eu sempre fui muito grato onde eu estou. Então o tempo que eu estive em Rondônia, ali nasceram dois dos meus filhos, eu tinha construído uma vida acadêmica, terminei o segundo grau, passei na universidade, vários empregos que foram surgindo, várias atividades profissionais, então eu me considerava rondoniense, eu achava que a minha história estava em Rondônia. Eu achava que não voltava mais para o Acre, mas Deus vai operando, abrindo portas, ligando uma coisa com a outra, findou que a aprovação no concurso de juiz, no qual eu não tinha qualquer expectativa de aprovação marcou a minha volta para o Acre. Mas, hoje todos os meus filhos amam o Acre porque eu transmitir para eles esse amor, porque a minha história está aqui’’.
Após a posse, doutor Cloves Augusto foi deslocado para a comarca de Cruzeiro do Sul, aonde se reencontrou com o rádio, mas desta feita como juiz de Direito. O nome do programa era Vagalume, sugerido pelo defensor público Alberto, sob a justificativa que era ‘’ uma pequena luz na escuridão jurídica das pessoas’’.
O programa surgiu de uma conversa durante o horário de almoço entre eu, o Dr. Alberto, que era defensor público, o Dr. Áureo, a Dra. Alessandra e o Dr. Luiz Vitório Camolez. Conseguimos um horário na rádio Verdes Florestas. Era bom demais, uma hora diária e dava repercussão – , assegura.
Numa das participações ao vivo, o juiz recorda do caso de um senhor que o Dr. Camolez havia alertado para não registrar o neto como filho porque dava problema. ‘’ Então, à tarde a gente escutou uma mensagem, era uma mulher avisando, atenção fulano de tal lá em Eirunepé, não registre o menino porque o juiz falou que é crime!’’.
O magistrado admite que se identificou muito com o estilo de vida da população do Juruá. A simplicidade das pessoas, povo acolhedor.
– Eu e a Célia fizemos muitos amigos na zona rural, participamos de muitas edições do projeto cidadão e acompanhamos de perto o drama do isolamento. A época, me lembro, chegávamos a comprar um quilo de tomate a nove reais – , registra.
De Cruzeiro do Sul, o magistrado é removido para a comarca de Rio Branco, com a atuação na Vara de Auditoria Militar. A alegria do reencontro com a PM foi interrompida pela decepção de testemunhar a extinção da amada Guarda Mirim por problemas de interpretação de direitos trabalhistas.
– Na época cheguei a conversar com os responsáveis pela Delegacia Regional do Trabalho, tentei fazercom que não acabasse. A DRT queria que os guardas mirins que atuavam nos órgãos públicos como estagiários recebessem a previdência e o seguro. A gente até entende essa preocupação. Ocorre, que embora eles não tivessem isso, mas tinham cursos, vale transporte e uma ajuda de custo de meio salário mínimo -, argumenta.
No sentir do magistrado, ‘’ quando o adolescente tem dinheiro ele consegue comprar o que ele quer, então, com certeza, ele não tem vontade de consumir sem aquela condição de chegar lá. Ele não precisa ir para o crime. Ele vai está ocupado e crescendo’’.
Ac24horas: No momento, as atenções se voltam para a discussão em torno da redução da maioridade penal. Qual a sua posição acerca do assunto?
Dr. Cloves: ‘’ Eu acho que a grande coisa que deveria ser feita para tirar o Brasil dessa criminalidade, da violência, seria o ensino profissionalizante e permitir que o adolescente trabalhasse e estudasse. No lugar de reduzir a maioridade penal eu defendo a redução da idade para o trabalho. Acredito que a gente tiraria muito mais o adolescente do crime se ele pudesse trabalhar licitamente. Porque se ele não pode trabalhar licitamente, o que acontece? Ele vai ser recrutado pelo tráfico. Ele é recrutado pela criminalidade’’.
Ac24horas: a sua posição é fruto da sua experiência pessoal, haja vista que foi uma criança e um adolescente que sempre trabalhou e estudou?
Dr. Cloves‘’ Eu digo, fui um adolescente que não tive uma família abastada. Por muito tempo morei só, posso dizer que fiquei até em situação de vulnerabilidade. Por que não fui para o crime? Porque eu sempre trabalhei, eu sempre tive emprego, sempre apareceram pessoas que me ajudaram. Diziam vamos trabalhar e me pagavam por isso. Então eu nunca pensei assim: vou praticar um crime para comprar alguma coisa’.
No próximo mês de junho, o magistrado completa 19 anos de carreira como juiz e assegura que neste período nunca julgou alguém que fez curso profissionalizantes no SENAI. ‘’ Nunca sentou alguém na minha presença que fez curso no Senai, porque ele sai de lá com uma profissão. Um mecânico, um técnico industrial, profissionais que ganham muitíssimo bem, então eu acho que é por ai’’.
O juiz Cloves Augusto também tem passagem registrada pela Vara de Execuções Penais de Rio Branco. E foi de sua responsabilidade a decisão que concedeu delação premiada ao então sentenciado por tráfico Palito, na ocasião considerado testemunha chave para desmontar o esquadrão da morte, mas que não era réu no processo, o que,em tese, constituía impedimento legal para receber os benefícios conferidos a um delator.
– Essa foi a grande controvérsia. A lei dizia que deveria aplicar aos réus, então como é que eu iria aplicar na pessoa condenada por outros crimes. Fui muito criticado em virtude do meu posicionamento -, relata.
A inspiração para a sentença que iria fazer história no Brasil, por ser a primeira vez que um condenado que não fazia parte do processo, seria beneficiado com o instituto da delação premiada (uma espécie de prêmio ao réu colaborador) veio de uma conversa com o juiz federal José Carlos do Vale Madeira, ex-chefe de Cloves em Rondônia, professor e autor renomado.
Ao consultá-lo, o magistrado acreano falou da dificuldade que estava sentindo para decidir, em virtude da ausência de jurisprudência acerca do tema, e recebeu a seguinte lição:
– Onde não há jurisprudência é a oportunidade que você tem de fazer jurisprudência.
Apesar de significativas, as palavras ainda não foram suficientes, o juiz se questionava:
– Mas é um assaltante, um traficante e eu vou reduzir a pena?
Então recebeu mais uma lição do juiz José Carlos Madeira, que na ocasião foi enfático:
– A delação premiadanão é para padres, pastores, freiras, professores, ela é para criminosos, é um instrumento de combate ao crime organizado, só vai ser beneficiada a pessoa que está inserida no crime’’.
De acordo com o juiz, como exemplos, Madeira citou os casos da Itália e da Espanha, onde a delação estava sendo utilizada para desmontar as organizações criminosas.
– O doutor Madeira foi a pessoa que me deu uma outra visão do caso Palito. Então apliquei. A lei foi inclusive alterada e a prova se consolidou contra o esquadrão.
O que o ex-guarda mirim que virou juiz não imaginava é que caberia a ele, na qualidadede titular da 4ª Vara Criminal de Rio Branco, julgar um dos crimes mais complexos do judiciário acreano, o caso Fabrício. Um adolescente sonhador como ele e que também focava nos estudos na esperança de um futuro melhor.
Fabricio Augusto Souza da Costa tinha acabado de completar 16 anos quando desapareceu misteriosamente em 16 de março do ano de 2010. O caso logo ganhou grande repercussão na mídia em virtude de uma peculiaridade: o corpo nunca foi encontrado.
O adolescente cursava o 1º ano do ensino médio, no período da tarde, na escola estadual José Rodrigues Leite, no centro de Rio Branco. Quando terminava o turno, atravessava a Rua Quintino Bocaiúva e iniciava o curso de informática na escola portocom.informatica. Ás 20h seguia para o Terminal Urbano e entre 20h45min, estourando 21h estava em casa.
Mas naquele fatídico 16 de março de 2010, o adolescente não retornou para casa. Ao menos sete versões foram investigadas pela polícia, desde sequestro, ritual de magia negra, vingança, dentre outras.
– Houve uma primeira fase da investigação, coordenada pela Polícia Civil, seis pessoas foram presas. Uma era confessa e essa pessoa entregava as outras. A segunda fase começa com a entrada da Polícia Federal. A PF partiu do mesmo ponto da civil e foi seguindo as mesmas pistas até encontrar uma contradição para mudar o rumo das investigações -, explica o magistrado.
A contradição encontrada pela PF estava no depoimento prestado por um menor, que afirmava ter visto Fabrício sendo colocado dentro de um carro e sendo levado. A Polícia Federal descobriu que ele estava mentindo e se desfez a versão de sequestro.
– Esse menor,ele foi muito frio no depoimento. Ele manteve o mesmo depoimento na policia, MPE, em juízo, e foi um detalhe, a data de uma partida de futebol que demonstrou que aquela versão não batia -, revela.
O crime tinha sido numa terça-feira, e o menor havia informado à polícia que voltava do futebol e tinha visto o Fabrício. Ao checar a informação, a PF descobriu que naquele dia o jogo tinha sido dos adultos, então não tinha como o menor ter participado.
A soma da pena dos dois acusados totaliza 58 anos de prisão. Eles foram condenados pelos crimes de latrocínio, ocultação de cadáver e corrupção de menor, haja vista a participação de duas menores de idade, que foram responsabilidade nos termos da lei pelo juizado da Infância e Adolescência. Atualmente, o processo está em fase de recurso.
Ac24horas: Mas como se explica o fato do corpo de Fabrício nunca ter sido encontrado, isso também foi esclarecido pela PF?
Dr. Cloves: ‘’ Do porto da Base e Gameleira até a ponte Nova, como é chamada a ponte coronel Sebastião Dantas, ali tem uma coisa, o pessoal até chama buraco da cobra, as pessoas que se afogaram ali os corpos nunca foram encontrados. Então, se chegou à conclusão, que tem um fenômeno, uma característica naquela parte do rio que retém os corpos. É tanto que um ano após o desaparecimento do Fabrício, foi registrado o caso de um menino que se jogou da ponte, provavelmente se afogou e o corpo não foi encontrado. E mais recente aconteceu um outro afogamento e o corpo não foi encontrado. Dizem as pessoas que moram ali que é muita lama e o corpo fica e não consegue boiar. Então ficou uma coisa mais ou menos próxima da realidade, já que a versão dada pelo réu confesso é que ele furou o Fabrício e jogou o corpo ali naquela região’’
AC24horas: O senhor chegou a ter algum contato com a família no período da instrução criminal, sabe qual foi a reação dos familiares quando saiu a sentença?
Dr. Cloves: ‘’ Depois da sentença um dos familiares me procurou e disse que a família sentia que tinha havido justiça, porém, eles entendiam que dos quatro que tinham sido soltos, dois tinham tido participação, mas que eles estavam com o sentimento de justiça. Foi para mim, ao longo desses 19 anos de magistratura, o caso mais complicado, o mais emblemático, o que marcou’’.
Ac24horas: Ao longo desses 19 anos se magistratura o senhor já recebeu ou tomou conhecimento e alguma ameaça de morte direcionada a sua pessoa?
Dr. Cloves: ‘’ Eu não recebi, não ligaram para mim, eu soube que havia uma investigação em curso porque a pessoa que eu teria decretado a prisão dela, do filho e da esposa, teria um plano de morte direcionado a minha pessoa. Mas no final da investigação ficou apenas na cogitação e o caso foi arquivado. Nunca recebi diretamente nenhuma ameaça, nem por carta’’.
Ac24horas: o senhor é juiz de direito, julga muitos casos polêmicos, já condenou muitas pessoas, o senhor se sente à vontade para andar pela sua cidade?
Dr. Cloves: ‘’ A gente tem cuidado com relação a família, mas procuro ter uma vida normal, nunca deixei de ir a qualquer lugar por causa disso. É tanto que faço parte de um grupo de evangelização da igreja em que congrego e já andei praticamente em todos os bairros de Rio Branco evangelizando e graças a Deus nunca tive qualquer problema’’, assegura.
Ac24horas: A sua trajetória demonstra que tudo foi muito prematuro na sua vida, muito intenso, sem pausa, nesse passo, o senhor caminha para ser desembargador, isso é algo que faz parte dos seus planos?
Dr. Cloves: ‘’ Ainda tenho nove anos até me aposentar. Não faço do desembargo uma meta, mas se Deus permitir desempenharei com honra, mas se chegar a idade de me aposentar e não acontecer, vou me aposentar do mesmo jeito. Tenho uma sede muito grande de viver, aprender. Como quase tudo na minha vida, me tornei professor por acaso. Ai me realizei e estou plenamente realizado como professor’’.
Além de titular da 4ª Vara Criminal de Rio Branco, o juiz Cloves Augusto também é professor do Curso de Direito da Faculdade da Amazônia Ocidental (FAAO), da Escola Superior da Magistratura Acreana e do Centro Integrado de Formação Policial – CIEPS, da Secretaria de Segurança Pública do Estado do Acre, De tanta afazeres ele ainda arruma tempo para tirar dúvidas da população durante o seu programa Audiência Pública, veiculado todas as segundas-feiras, pontualmente de 8h00 a 8h30 da manhã, na Rádio Difusora Acreana,’’ Quando a Nilda Dantas está boazinha, a gente passa um pouco do horário,’’ brinca o doutor locutor.
Durante o programa, o magistrado ler cartas dos ouvintes e responde às perguntas formuladas ao vivo, por intermédio da participação telefônica. O juiz locutor também recebe convidados e conta com a participação de um jornalista do sistema público de comunicação, que faz participação trazendo notícias do meio jurídico.
Ac24horas: das suas paixões, o senhor considera o rádio a mais forte?
Dr. Cloves: ‘’ Tem o rádio, a Seis de Agosto, o futebol. Sou flamenguista e Juventino aqui, e também vou ao estádio. Tradição que vem de longe. Já furei no estádio José de Melo, pulei muro. Lembro de um episódio que eu furei a mão ao pular o muro. Fui assisti o jogo assim mesmo. Deu uns quinze minutos de jogo já estava com febre, e tive que ir embora’’.(risos).
Ac24horas: o senhor fala com muito entusiasmo da Seis de Agosto, a sua ligação com o bairro é realmente muito forte?
Dr. Cloves: ‘’ Chamo a Seis de Agosto de Paraisópolis. Tenho uma visão que as pessoas não têm. Eu digo pros meus amigos, na Seis não tem alagação, tem período de esportes aquáticos, canoagem, natação. Mas dessa vez (se refere a última enchente) eu vir que magoou as pessoas. Doou uma espécie de tsunami. A Seis é o único bairro que comemora o aniversário, é tradição, os moradores levam muito a sério as duas raízes. Na Seis tem escola de samba, rem quadrilha. Quase todo dia eu corro na Seis. Pelo menos uma vez por semana vou lá, visito os amigos. Tem muitas famílias que têm condições de sair de lá, morar em outro lugar, mas não quer abandonar suas raízes, essa coisa que não acaba nunca, isso é bonito’’.
Ac24horas: O senhor se considera um homem realizado ou ainda tem algo que pretende realizar?
Dr. Cloves: ‘’ Pretendo fazer medicina. Ainda vou fazer, se Deus quiser, assim que aposentar. Vou fazer porque era o sonho da minha avó Lioneza. Ela dizia que eu tinha o nome de doutor, é tanto que quando eu disse que tinha passado no vestibular, ela disse, que bom, vai ser médico. Eu disse, não, passei para direito. Ela disse, tudo bem, um dia você vai ser. Minha avó faleceu aos 81 anos de idade. Ela profetizou muita coisa boa na minha vida, não viveu para me ver médico, mas se Deus permitir, por ela, eu vou ser’’.
Ac24horas: E a política, o senhor nunca quis participar, não tem nenhuma pretensão?
Dr. Cloves: ‘’ Não tenho vontade nem vocação para a política. Queria poder falar e o rádio me permite isso. Na política você tem que tomar partido, ai você perde uma: dar aula, estudar e falar’’.
Ac24 hora: Uma mensagem sua para os jovens acreanos, em decorrência de tudo que o senhor viveu, tem autoridade para isso.
Dr. Cloves: ‘’ Digo que trabalhe, por mais que possa parecer totalmente incorreto eu acredito muito na força do trabalho. Acredito que é o trabalho que dignifica o homem, que faz com que a pessoa seja estimulada a estudar para crescer, e que acima de tudo acredite em Deus. Se a pessoa estiver disposta a ouvir a voz de Deus nas mínimas coisas ela consegue alcançar muitas vitórias e livramentos. Sempre eu digo, o acaso foi me levando, mas ai eu questiono, será que Deus fez tudo isso, e digo, fez. Deus nunca me desamparou. Foi abrindo portas, ligando as coisas, parece um filme. Quando eu lembro de onde eu estava, das situações que passei e onde cheguei, eu vejo a mão de Deus, se a gente acredita, ele vai falar, as vezes ele usa até ume estranho para isso, até mesmo um preso, como já aconteceu comigo uma vez’’.
AC24horas: O senhor pode narrar esse episódio?
Dr. Cloves: ‘’ Foi durante uma audiência. Eu estava muito chateado porque estava concedendo a liberdade de um preso por um erro. Ele estava saindo um ano antes, e isso é muito ruim, porque outros presos na mesma situação iriam sair com dois anos e ele estava saindo com apenas um. Então falei isso está errado, não devia te soltar, e ele justificou que era crente. Eu disse, muito fácil virar crente agora. E ele insistiu, doutor sei que errei, trafiquei, mas quando eu estava lá na prisão eu me arrependi e pedi a Deus para fazer um milagre na minha vida. Ele me atendeu doutor, o milagre foi esse erro. Então fiquei calado e não disse mais nada. Outra situação foi durante uma audiência de divórcio, não costumava fazer conciliação, acreditava se o casal chegava ao ponto de pedir o divórcio era porque não tinha mais jeito, estava acabado, mas ai, do nada, eu resolvi falar para o homem para não se divorciar, dá uma chance de reconciliação com a sua esposa, foi quando a mulher falou, doutor eu orei uma semana para o senhor dizer essas palavras. Então digo ao jovem: escute a voz de Deus, trabalhem estude, se a pessoa conseguir ouvir a voz de Deus tudo dá certo’’, finaliza.
A entrevista com o juiz Cloves Augusto foi gravada no seu gabinete no Fórum Criminal depois de uma manhã de audiências. Ele abriu mão de seu descanso após o almoço para conversar com a nossa equipe e respondeu a todas as perguntas formuladas. A ele, nosso respeito e agradecimento pela oportunidade de tornar pública uma história de lutas e conquistas do guarda mirim que só queria ser militar, mas foi além e se tornou juiz de Direito.
[responsive-flipbook id=”clovis”]
O ex-senador e ex-governador do Acre, Nabor Júnior, 94 anos, falou ao ac24horas na tarde…
Albert Bressan voltou a fazer críticas a Luana Targino por conta do biquíni fio-dental usado…
O governador Gladson Cameli (PP) emitiu uma nota de pesar nesta quarta-feira, 20, lamentando o…
Membros da executiva do Movimento Democrático Brasileiro no Acre (MDB), reunidos na grande mesa azul…
Três dias depois de ser vaiado durante show no festival Rock The Mountain, o cantor…
O Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos (MGI) informou, nesta quarta-feira (20), o…