Quando o caçador-coletor homem da caverna enterrou algumas sementes, a humanidade, dali em diante, passaria a conviver com a agricultura. Assim, milênio após milênio, passou a fazer parte da história do homem. Das antigas civilizações, passando pela a Idade Média, Moderna e Contemporânea, o setor primário sempre foi vanguardista. Nenhum povo ou nação atingiu etapas de desenvolvimento sem investir maciçamente nesse setor.
O Brasil, mesmo fazendo parte do Novo Mundo, tem parte considerável de seu PIB oriundo do agronegócio. De dimensões continentais, o nosso território tem as condições naturais para se tornar a maior potência mundial na produção e exportação de alimentos. Esse caminho é quase inevitável e já pode ser notado pela expansão das nossas fronteiras agrícolas.
O Acre, por sinal, é o único estado da federação que ainda não entendeu o quanto esse setor é estratégico. Saímos do combalido extrativismo para o nada. O saudoso economista e escritor, Celso Furtado, defendia que a agricultura chegasse aos rincões para desenvolvê-los de forma exógena (de fora para dentro), ou seja, do interior para os grandes centros urbanos.
Assim dizia o velho mestre: “se tivermos uma grande produção agrícola, nos alimentaremos melhor e o excedente irá para a exportação”. Óbvio que Furtado formulou uma bem definida cadeia produtiva, chamando-a de autodesenvolvimento ou agroindustrialização. Além de criar uma classe média no campo, essa política agrícola ajudaria a conter o êxodo rural.
O Acre tem as condições naturais para ser um estado desenvolvido. Estudos da Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuária (Embrapa) mostram que o solo acreano é apropriado para o cultivo da mandioca. A fécula ou goma, subproduto da raiz, é versátil como matéria-prima industrial, que pode ser utilizada em setores tão diversos quanto o alimentício, o têxtil e o de papel, entre outros.
A mesma pesquisa também aponta o açaí com um grande potencial econômico, pois o produto tem grande aceitação no mercado nacional e internacional.
Estes exemplos dependem de políticas públicas para chegar aos agricultores familiares e estes, por sua vez, poderiam viabilizar a produção agroindustrial, agregando valor a sua produção, gerando trabalho e renda e a consequente melhoria em suas vidas. A agroindustrialização precisa ser uma política de Estado.
Para falar sobre este e outros assuntos, a reportagem de ac24horas procurou o chefe-geral da Embrapa Acre, Eufran Amaral, o primeiro acreano a assumir o cargo. Formado em Engenharia Agronômica pela Universidade Federal do Acre (Ufac), com mestrado e doutorado na Universidade Federal de Viçosa (MG), ele é uma das maiores autoridades do Estado quando o assunto é agricultura. Vejam os principais trechos da entrevista:
Eufran Amaral – Concordo plenamente com ele. Somos um estado estrategicamente bem localizado e com um enorme potencial produtivo na agricultura, pecuária e na floresta. O Celso Furtado propôs uma bem definida cadeia produtiva. Isso é possível na nossa região, principalmente com a agroindústria e a consequente exportação de produtos regionais.
ac24horas – E por que isso não acontece? O Acre ainda tem jeito?
Eufran Amaral – Mas está acontecendo. Somos um dos estados mais novos da federação. Temos um pouco mais de 50 anos de autonomia. Até a década de 70, tínhamos somente o extrativismo com gerador de riquezas. Na década seguinte, foram criados os Projetos de Assentamento, os PAD,s, um modelo muito questionado tanto pelo tamanho das propriedades como pelas formas de exploração delas. O Zoneamento Ecológico e Econômico, um estudo que durou uma década e envolveu cerca de 300 profissionais, apontou que não só temos jeito como podemos ser um estado desenvolvido.
ac24horas – Então temos terras de fato agriculturáveis?
Eufran Amaral – Sim. Hoje temos 13% de área já convertida. Desses 13%, a maior parte é ocupada por pastagens. Mas nós temos 6% da área desmatada que é ocupada por culturas anuais e perenes. Hoje, do ponto de vista do cultivo anual, a mandioca é a principal cultura do Estado. Se somarmos a mandioca e o milho, teremos mais de 60% de área cultivada no Acre. Do ponto de vista da cultura permanente, temos banana e o café. Essas são as principais culturas do Estado. Isso indica que devemos trabalhar de acordo com a vocação da região. É pouco provável que sejamos grandes produtores de arroz. Por quê? Porque não temos vocação para isso. No entanto, a nossa capacidade produtiva de mandioca (toneladas por hectares) é a maior do país, a maior da Região Norte. Conseguimos eficiência em sistemas produtivos que são nossos. O Milho, agora com a questão da mecanização, estamos com a produtividade acima da média nacional, que é atualmente de duas toneladas por hectare. Estamos chegando a quatro no Acre. Isso significa que temos o potencial e um milho de qualidade.
ac24horas – A região do Vale do Juruá se destaca pela produção de farinha de mandioca. O município de Feijó pelo açaí, Tarauacá pelo abacaxi e Acrelândia com o café e a banana. Todavia, esses produtos não geram boa renda. Como se explica isso?
Eufran Amaral – Temos que incorporar valor aos produtos. Temos que discutir a indicação geográfica da farinha. Isso significa que, assim como você toma o vinho do Sul, o queijo canastra de Minas, tem que ter um selo para nossa farinha de mandioca. Sem contar que poderíamos ter aqui uma indústria de fécula. Isso é uma fórmula de incorporar valor ao produto primário. A mesma coisa pode acontecer com o açaí, que tem grande aceitação no mercado internacional. Podemos exportá-lo na forma de pó. Podemos ainda intensificar o melhoramento genético do abacaxi, que é produzido em um dos solos mais férteis do Acre. Temos, também, a possibilidade de uma das culturas mais rentáveis, que é a produção do óleo de safrol, que extraído da pimenta longa. Cerca de 85% dos nossos produtores são familiares. Temos que avançar nas culturas anuais deficientes como a fruticultura e bovinocultura de leite, que tem a ver com a produção de grãos. Isso tudo sem contar com a criação de peixes, que faz parte de uma cadeia produtiva.
ac24horas – Desde 1992, a Embrapa pesquisa a pimenta longa com o objetivo de transformá-la uma alternativa produtiva para a agricultura familiar na Amazônia É possível criar um sistema de cultivo que agregue valor através do processamento primário no campo? Isso ainda não se converteu em alternativa de renda. Por quê?
Eufran Amaral – Até o início da década de 90, o Brasil era o principal produtor de safrol quando obtinha o produto extraído da Canela de Sassafrás (Ocotea pretiosa Mezz) no sul do país. No entanto, a produção não sustentável criava o perigo iminente de extinção da espécie. Foi aí que, em 1991, o Ibama proibiu a exploração da Canela de Sassafrás. De uma hora para outra, o Brasil passou de principal produtor mundial para importador. Em todo o mundo, o consumo de safrol excede 3 mil toneladas/ano, mas a oferta do produto encontra-se comprometida. Hoje, os únicos produtores mundiais de safrol são China e Vietnã que usam os mesmos métodos destrutivos que eram empregados no Brasil. Tal prática compromete a oferta de safrol natural a longo prazo. Neste contexto, a pimenta longa é uma fonte alternativa de safrol natural que pode ser explorada de forma não destrutiva, pois o óleo essencial se concentra na copa da planta que rebrota com facilidade após o corte. Muito em breve estaremos estimulando o cultivo de uma espécie, que terá um valor agregado muito significativo.
ac24horas – Isso tudo sem desmatar?
Eufran Amaral – Hoje temos, de todas as áreas desmatadas, 83% de pastagens, mas os 40% dessas pastagens estão degradadas ou em vias de degradação. Temos 200 mil hectares só de capoeiras, que estão abandonadas. Se a gente trabalhar com a capoeira e área de pastagem degradada, iremos aumentar, em fator de quatro, a produção do Estado. Então o que falta é um planejamento integrado, em nível municipal e estadual, para que possamos potencializar a ampliação das áreas já plantadas.
ac24horas – Os solos da nossa região, formados basicamente por argila e areia, não são apropriados para a produção de grãos. O que o agricultor tem que fazer?
Eufran Amaral – A Seaprof tem um programa de distribuição de calcário, que é muito utilizado pelos pequenos agricultores. Essa é uma estratégia ligada à agricultura familiar. A outra é a inserção da mucuna nesses ambientes de forma que você possa incorporar matéria orgânica, melhorando a fixação de nitrogênio no solo. O agricultor precisa procurar os órgãos de assistência técnica, busca o Incra e a Embrapa para levar conhecimento para dentro da propriedade.
ac24horas – Por que o Acre não é potencialmente bom para o plantio de arroz?
ac24horas – O senhor costuma enaltece a nossa floresta. Também propõe a distribuição de riquezas com o pagamento de royalties pelo uso dela. Explique isso?
Eufran Amaral – Os projetos de infraestrutura a serem executados em nossa região devem incorporar o que podemos chamar de royalties pelo uso dos recursos naturais. É preciso criar um mecanismo que envolva e beneficie diretamente a população amazônida, não importando se sejam moradores da cidade ou da floresta. Se encontrarmos essa formulação, vamos ter respondido ao desafio de ter encontrado um modelo de desenvolvimento que seja sustentável e de alta inclusão social.
ac24horas – O Acre está à altura desses novos desafios?
Eufran Amaral – O Acre não reproduziu um modelo de fora da região. Ao contrário, está buscando o seu próprio modelo, adequado à sua realidade, a partir de um olhar para dentro, para suas raízes, para sua história. Esse reencontro natureza e homem resultará numa economia sustentável, contemporânea e que ajuda a estabilizar o clima no planeta. A floresta tem um potencial econômico incalculável. Se lutamos para fazer parte do Brasil e, anos depois, sermos um estado autônomo, iremos lutar, agora, para sermos um ente federativo desenvolvido e com um povo feliz.
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